Rossana Silva(rossana.silva@zerohora. com.br)
Às vésperas da II Guerra Mundial, em 1939, filas de
judeus se formavam nas portas das representações diplomáticas
latino-americanas na Europa: fugir do Reich era a forma de se manter
vivo.
Dos 399 mil judeus que escaparam da Europa entre 1933
e 1939, 125 mil vieram para a América Latina. Por trás das fugas
residem histórias de diplomatas que concediam vistos mesmo que seus
países de origem determinassem o contrário. Nem todos, porém, eram
movidos por solidariedade. É o que revela o livro Anjos e Safados no
Holocausto, do jornalista e historiador Roberto Lopes.
O autor relata esquemas de propinas para facilitar as
viagens. "Safados", diz Lopes, era como os judeus designavam esse
último grupo. E "anjo" era como se referiam a Aracy de Carvalho,
funcionária do consulado de Hamburgo.
Receosos pelo impacto da imigração massiva, países
restringiram, aberta ou veladamente, o ingresso de israelitas. No
Brasil, em junho de 1937, a circular secreta 1.127 do Itamaraty prevenia
consulados sobre a restrição à entrada de judeus no país, e o
decreto-lei 406, de maio seguinte, os incluía na lista de imigrantes
indesejados.
No Museu do Holocausto, em Jerusalém, duas árvores
simbolizam os dois brasileiros reconhecidos por Israel como não-judeus
que ajudaram a salvar os perseguidos: o embaixador na França Luis
Martins de Souza Dantas e Aracy. A lista poderia ser engrossada pelo
cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, Guimarães Rosa, então namorado de
Aracy. O autor de Grande Sertão: Veredas usava seu prestígio com o
cônsul-geral, Joaquim Souza Ribeiro, para que assinasse, sem saber, o
passaporte de judeus.
No rol dos que ajudaram, mas cobraram ilegalmente por
isso, estão representantes do Uruguai, do Peru e de Honduras em solo
europeu. A família Paderstein, de Eppstein, na Alemanha, chegou a ser
extorquida duas vezes pelo mesmo cônsul, o brasileiro identificado no
livro como Custódio Augusto Gomes. Primeiro, Gomes lhes cobrou, em
Frankfurt, a emissão de um visto temporário.
Já no Rio de Janeiro, o diário de Anita, a caçula da
família, registrava em 14 de dezembro de 1938 os detalhes da nova
negociação com o diplomata, que passava férias na cidade: "Estivemos no
cônsul, este safado. Ele ainda quer nos arrancar dinheiro aqui, tenta
meter medo em nós, mas nós não vamos aceitar isso." Em 6 de janeiro de
1939, ela registrou o pagamento de "22 contos" para o cônsul dar a
permissão permanente para a vida no Brasil.