
O termo “marrano” – denominação injuriosa conferida aos judeus na Espanha – acabou sendo incorporado pela historiografia, designando os judeus da península ibérica que foram expulsos ou obrigados a se converter ao catolicismo (os chamados cristãos-novos) nos séculos 16 e 17. Muitos buscaram refúgio nas colônias americanas de Portugal e Espanha, sobretudo no México, Brasil e Peru.
Há cerca de seis anos, especialmente no Nordeste do Brasil, houve um momento de “retorno” ao judaísmo por parte de pessoas que dizem ser descendentes de cristãos-novos do período colonial. Muitas delas traçam extensas genealogias, facilmente remontando ao século 18. Essas famílias, cristãs, mantêm até hoje costumes de respeito a proibições alimentares, luz de vela nas sextas-feiras à noite, leitura apenas do Velho Testamento e ritos funerários específicos, entre outros. Esses elementos levaram o pesquisador a perceber que, de maneira consciente ou inconsciente, esses grupos preservavam uma memória marrana.
Entre memória e esquecimento, Wachtel percebe ao longo do tempo representações tanto positivas quanto negativas em torno da herança judaica: a lembrança e veneração dos mártires; a recusa dos ancestrais que lhes transmitiram sangue impuro. Assim, a memória marrana compõe-se de um duplo movimento: de um lado, a fidelidade perseverante; de outro, a vontade de fusão e busca do esquecimento, sem que isso signifique desaparecimento total da memória. O Brasil ofereceu e oferece condições favoráveis para ambos os fenômenos.
Preocupado com essas questões, Nathan Wachtel tem concentrado seus estudos na região do sertão, especialmente, em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Visa a reconstruir laços entre o passado e o presente, combinando problemáticas e métodos tanto da história como da antropologia.
Trabalha também por meio da perspectiva comparativa. Em pesquisa anterior, analisou a evolução da comunidade mexicana Venta Prieta, próxima do Pachuca, México, na qual os membros, como os brasileiros, clamavam ser descendentes de “cristãos-novos” do período colonial.
Nathan Wachtel é professor de história e antropologia das sociedades meso e sul-americanas do Collège de France desde 1992 e diretor de pesquisa da École de Hautes Études em Sciences Sociales-EHESS de Paris desde 1976. Também é autor de vários livros, entre eles: La Vision des Vaincus – Les Indiens du Pérou devant la Conquête Espagnole (1530-1570) (1971); Mémoires Juives (1986); Deuses e Vampiros – De Volta a Chipaya (1994, em português); A Fé na Lembrança. Labirintos Marranos (2003, em português); La Logique des Bûchers (2009, Prix Guizot de l'Académie Française).