"Se você não percebeu a necessidade de reformas antes do que aconteceu no Egito e na Tunísia, é tarde demais", disse Assad numa rara entrevista, realizada enquanto milhares de manifestantes enchiam as ruas do Cairo.
Os comentários do líder sírio são uma evidência de como a turbulência no Egito, em particular, está preocupando os líderes da região e forçando-os a reavaliar a estabilidade de seus países e suas práticas políticas. O regime de Assad, instituído por seu pai há quase 40 anos, é considerado por alguns observadores forte candidato a enfrentar protestos parecidos. A economia síria tem gerado poucos empregos e dado pouco espaço para livre expressão e participação política.
Mas Assad, de 45 anos, argumentou numa entrevista de 90 minutos que os sírios vão permitir mais tempo para seu governo implementar reformas, porque sua forte oposição às políticas americanas e o papel de Damasco como principal contestador da legitimidade de Israel refletem mais a opinião pública de seu país e do mundo árabe que a abordagem do governo egípcio.
Embora insista que está aberto a melhorar as relações com Washington, e que acredita que os Estados Unidos têm um papel a cumprir nas questões regionais, Assad argumentou que a turbulência política crescente na região provavelmente vai diminuir a influência dos EUA, já que a oposição popular às alianças com Washington está aumentando em lugares como Egito, Tunísia, Líbano e Jordânia. Ele citou as guerras no Iraque e no Afeganistão e o fato de Washington não ter conseguido fechar um acordo de paz entre árabes e israelenses como as fontes da impopularidade dos EUA na região.
"A Síria é estável. Por quê?", disse Assad ao Wall Street Journal em seu escritório numa montanha perto de Damasco. "Porque você tem que estar intimamente ligado às opiniões do povo. Essa é a principal questão. Quando você diverge, (...) cria esse problema, esse vácuo que gera distúrbios."
Como indicam as declarações de Assad, as rebeliões populares contra o presidente egípcio Hosni Mubarak e o agora deposto líder da Tunísia, Zine al-Abidine Ben Ali, estão moldando o futuro dos líderes do Oriente Médio.
Muitos diplomatas e analistas acreditam que a Síria pode servir de termômetro para o Oriente Médio, enquanto continua a repercussão dos problemas no Egito e na Tunísia. A influência de Damasco tem aumentado nos últimos anos, já que sua aliança com o Irã e os grupos de militantes islâmicos Hamas e Hezbollah abriu o caminho para mais influência síria no Líbano, nos territórios palestinos e no Iraque.
O governo de Assad e o de seu falecido pai, Hafez al-Assad, já foram chamados de os mais repressivos da região. Isso motivou rumores nas capitais ocidentais de que a Síria também pode enfrentar protestos. O governo sírio, como o egípcio, tem em vigor lei de emergência instituída há décadas que permite a detenção e prisão de pessoas sem acusações formais. O sistema político da Síria e a mídia controlada pelo governo, enquanto isso, são vistos por muitos como mais rígidos até que os do Egito ou da Tunísia. "A polícia política da Síria, a temida mukharabat, continua detendo pessoas sem mandado, com frequência se recusando a divulgar o paradeiro delas por semanas e às vezes meses", segundo um relatório recente da Human Rights Watch.
Assad reconheceu na entrevista que o ritmo da reforma política na Síria não progrediu tão rapidamente quanto ele previa quando assumiu o poder, em 1999, depois da morte do pai. Ciente do cenário político em mutação no Oriente Médio, o líder sírio disse que vai realizar este ano reformas políticas adiadas há muito tempo e voltadas a uma abertura do país.
Assad citou especialmente uma nova legislação para instituir eleições municipais, promover mais envolvimento de organizações não governamentais na sociedade e uma nova lei de imprensa.
Mesmo assim, Assad indicou que Damasco não deve abraçar o tipo de reforma rápida e ampla que as multidões estão exigindo nas ruas do Cairo ou de Túnis. Ele disse que seu país precisa de tempo para fortalecer as instituições e melhorar a educação antes de realmente liberalizar o sistema político. As atuais exigências populares de reformas políticas rápidas podem ser contraproducentes se as sociedades árabes não estiverem prontas para elas, disse ele. "Será uma nova era de mais caos ou de mais institucionalização? Essa é a dúvida", disse Assad. "O fim ainda não está claro."
Damasco emergiu este mês praticamente vitorioso de uma disputa de quase oito anos com os EUA por influência no Líbano. O impasse foi impulsionado pelo assassinato, em 2005, do ex-primeiro-ministro do Líbano Rafik Hariri, que algumas autoridades dos países ricos acreditam que foi ordenado pelo governo de Assad. O presidente sírio já negou várias vezes qualquer envolvimento com o atentado a bomba que matou Hariri.
A revolta popular no Líbano naquele ano forçou Assad a retirar quase 30.000 soldados sírios do país e gerou um tribunal da ONU para investigar a morte de Hariri. Inicialmente, a investigação acusou o governo da Síria e iniciou um período em que o país lutou para manter sua influência sobre o Líbano. Mas este mês os aliados de Damasco em Beirute, liderados pelo Hezbollah, derrubaram o governo libanês pró-ocidente e recuperaram o poder da Síria na determinação da liderança libanesa. Isso colocou em risco o tribunal da ONU, já que agora o Líbano estuda se vai continuar cooperando e financiando o processo.
Assad questionou na entrevista se o tribunal da ONU vai mesmo seguir adiante, alegando que ele se baseia em "falta de provas". Mas o líder da Síria disse que agora está otimista e que um cenário mais estável pode ser criado por um governo que ele diz que representa melhor a sociedade libanesa.
"O que me agrada é que essa transição entre dois governos ocorreu suavemente, porque estávamos preocupados", disse Assad. "É muito fácil criar algum tipo de conflito que pode evoluir para uma verdadeira guerra civil."
Este mês, os EUA chamaram de volta seu embaixador em Damasco, Robert Ford, pela primeira vez desde o assassinato de Hariri.
Assad disse que, embora tenha buscado ligações mais estreitas com Washington, não acha que isso lhe custará a aliança com o Irã. O líder da Síria disse que compartilha os objetivos americanos de combater a Al-Qaeda e outros grupos extremistas, mas que Teerã continua sendo um aliado crucial da Síria em sua campanha para retomar as Colinas de Golã.
"É possível melhorar paralelamente o relacionamento com dez países (...) especialmente em áreas em que você precisa de países grandes, como o Irã", disse Assad. "Ninguém pode menosprezar o Irã."
O recente ceticismo sírio quanto à possibilidade de um acordo de paz no Oriente Médio mediado pelos EUA também ficou evidente, já que as negociações entre israelenses e palestinos estagnaram nas últimas semanas. Assad enfatizou que Damasco continua aberta ao diálogo com Israel para retomar as Colinas de Golã, ocupadas por Israel depois da guerra árabe-israelense de 1967. Mas ele disse que não acha que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, vai se esforçar nas negociações da mesma maneira que o antecessor, Ehud Olmert. Assad insistiu que ele e Olmert estava perto de fechar um acordo de paz em 2008.
"[O processo de paz] não morreu, porque não temos mais nenhuma opção", disse Assad. "Se você fala em mortes, (...) todo mundo tem que se preparar para a próxima guerra."
O líder sírio reconheceu que seu governo provavelmente deve continuar a discordar dos EUA em algumas questões estratégicas importantes.
Vários governos americanos já acusaram Damasco de contrabandear armas cada vez mais sofisticadas para o Hezbollah, como mísseis de longa distância que podem alcançar a maior parte do território israelense. Por causa disso, os EUA impuseram sanções econômicas amplas contra a Síria. E muitos especialistas no Oriente Médio acreditam que Israel pode atacar a Síria diretamente se começar uma nova guerra contra o Hezbollah.
Assad negou as acusações de que seu governo está armando o Hezbollah. Mas ele também enfatizou que Damasco não pretende servir de polícia da região enquanto ainda almeja recuperar as Colinas de Golã.
"Às vezes você tem que ser cúmplice e às vezes você tem que ser polícia", disse Assad. "E se você não quiser ser nenhum dos dois? Não queremos ser nenhum dos dois."
O presidente da Síria também indicou ser pouco provável que seu governo permita que a Agência Internacional de Energia Atômica da ONU tenha amplo acesso para investigar as alegações de que Damasco está desenvolvendo secretamente tecnologia nuclear.
Em 2007, aviões israelenses bombardearam uma instalação no leste da Síria que autoridades da Aiea acreditam que pode ter sido um reator de água pesada construído com ajuda da Coreia do Norte. Depois, a Aiea anunciou que gostaria de visitar pelo menos três outros locais na Síria que ela acredita que podem estar ligados a um programa nuclear clandestino.
Assad negou que a Síria busque armas atômicas. Mas enfatizou que não vai dar à agência da ONU carta branca para investigar instalações sírias, especialmente as militares. "Com certeza que vão desvirtuar isso", disse Assad.