Rabino Michel Schlesinger
Reconstrucionistas, conservadores, reformistas, ortodoxos, liberais, neo-ortodoxos, progressistas, ultra-ortodoxos e assim por diante.
O número de linhas e movimentos que surgiu nos últimos anos faz do povo judeu um arco-íris de mil nuances. Um leque de opções e, muitas vezes, uma verdadeira Torre de Babel.
As diferenças podem ser suaves em alguns casos mas, em outros, fazem com que dois judeus não consigam se entender.
Passa a se falar línguas distintas, a se viver em mundos diferentes. Apesar de tanta dicotomia, será que ainda existe um fio condutor? Aquilo que nos aproxima é ainda maior do que as divergências? Ainda é possível falar em um único povo judeu? Ou será: Judaísmos?! Para tentar responder esta questão, serão discutidas as principais características das três maiores correntes judaicas: ortodoxa, conservadora e reformista.
Segundo a tradição, a Torá (Pentateuco) foi dada por Deus a Moisés no Monte Sinai. Além dela, foram transmitidos ensinamentos orais que depois de várias gerações vieram a constituir o Talmud.
Com o passar dos séculos, muitos legisladores dedicaram-se a explicar e interpretar este material para os judeus das diversas gerações.
Em virtude da complexidade do Talmud, eram necessários manuais que indicassem de forma clara e direta como um judeu deve se comportar.
Entre eles, destacam-se “Sefer HaHalachót”, do Rif (Rabino Itzchak Alfasi – séc. XI), e Mishnê Torá”, do Rambam (Rabino Moshé Ben Maimon – séc. XII).
No século XVI, Iossef Caro reuniu as principais obras até então escritas e criou o Shulchán Aruch, livro de Halachá (leis judaicas) que foi amplamente aceito por diversas autoridades daquela época. Hoje, no século XXI, as diferenças entre as linhas religiosas podem ser explicadas pela maneira distinta que cada grupo de refere às fontes acima mencionadas (Torá, Talmud e Shulchán Aruch).
Movimento Reformista
Halachá não obriga, ou seja, leis judaicas rituais como: Kashrut (leis alimentares), Shabat e Brit Milá (circuncisão) são facultativas. Cada um deve determinar qual o grau de observância que irá adotar. O Shulchán Aruch, bem como o Talmud, trazem maneiras facultativas de se interpretar a Torá.
Porém, cada indivíduo deve seguir sua própria interpretação e construir o seu próprio diálogo com Deus. A Torá, por sua vez, constitui um livro de alegorias. Mitos criados pelos homens para ensinar ética e moral. Para um rabino reformista, quando existe um conflito entre a lei judaica e outros valores universais (como humanismo ou democracia), estes podem prevalecer sobre aquela.
Movimento Conservador
A Halachá obriga, mas pode mudar com o passar dos anos. Uma adaptação à nova realidade que ocorre de maneira ordenada e centralizada, pelos sábios de cada época. Assim, o movimento Conservador vê-se vinculado a Torá e ao Talmud, mas não ao Shulchán Aruch. Pois acredita que este último foi escrito dentro de um contexto histórico que se alterou.
Os judeus do século XXI não são os judeus do século XVI e suas realidades e necessidades são distintas. Assim, ao determinar a lei, é levada em conta a opinião do Rabino Caro. Mas não apenas. Estudam-se as fontes (Torá e Talmud), lê-se tudo que foi escrito e discutido sobre determinado assunto no decorrer dos anos e, levando-se em conta a realidade de nossa época, determina-se a lei.
Movimento Ortodoxo
Diferentemente do que pode pensar a maioria, este movimento (da maneira que conhecemos hoje) é relativamente recente e surgiu como uma resposta ao Movimento Reformista.
Aceita o Shulchán Aruch como fonte absoluta e vinculadora. Ou seja, o rabino ortodoxo só irá decidir a lei quando o caso em questão não foi tratado por Caro ou sua aplicação não for suficientemente clara. As leis, segundo este movimento, obrigam a todos e não podem mudar com o decorrer do tempo.
Quando se fala em ortodoxia, abrange-se um espectro muito grande de subgrupos que vão desde a ultra-ortodoxia (fundamentalismo judaico) até a ortodoxia moderna que guarda diversas semelhanças em relação ao Movimento Conservador.
Religião vem do latim re ligare. Ou, conectar-se com Deus.
Os adeptos de todos esses movimentos são judeus. Mais do que isto, judeus religiosos. Permitem que Deus seja parte integrante de suas vidas. Crêem e transformam a crença em atos concretos de Tsedacá (justiça).
Existem, na realidade, diversos caminhos para se atingir um mesmo objetivo. Este pluralismo apenas enriquece a tradição. Cada movimento deve aprender com o outro e unir forças em torno do fim comum: a perpetuação do Judaísmo. No singular!