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Fogueiras, Lag Baomer e Festas Juninas



Por: Jane Bichmacher de Glasman *

As fogueiras são reminiscência inconsciente do fogo sagrado das religiões pagãs, encontrado em diversos povos e culturas, como persas, gregos, egípcios, romanos, hindus e umbandistas. Nos países de inverno rigoroso a entrada do verão, no mês de junho, era comemorada festivamente com fogueiras, cânticos, danças e muita alegria.

As fogueiras de Lag baOmer estão relacionadas a Rabi Akiva e a dois discípulos seus: Rabi Shimon Bar Iochai (o mais famoso para os cabalistas) e Bar Kochba.

No século II EC, quando o principal líder espiritual judaico era Rabi Akiva, Israel estava sob jugo romano. Com a proibição de Roma ele passou a ensinar Torá clandestinamente, constituindo assim o primeiro e significativo grupo de criptojudeus da história e na terra de Israel (por terem que estudar a Torá e praticar judaísmo secretamente). 

Todavia, discórdia e conflitos irromperam entre os discípulos de Rabi Akiva e milhares deles morreram de peste nas semanas entre Pessach e Shavuot. Um dos motivos pelos quais o 33º dia (Lag baOmer) é considerado alegre é justamente porque, nesse dia, as mortes cessaram. Os estudantes fingiam ser caçadores, levando arcos e flechas para a floresta e assim despistavam os soldados romanos. 

A fogueira era usada no alto de uma colina para comunicar a aproximação de romanos. 
O imperador Adriano queria transformar Jerusalém numa cidade romana e reconstruir o Templo para consagrá-lo aos deuses pagãos. Os judeus se lembraram de Antíoco e a heróica insurreição dos Macabeus. 

Chefiados por Bar Kochba (que chegou a ser considerado Messias por muitos judeus de sua geração), conseguiram, no 33º dia da contagem do Omer, expulsar as guarnições romanas de muitas localidades e chegaram mesmo a libertar Jerusalém. Para anunciar o início da revolta e sinalizar a localização dos guerreiros, fogueiras foram acesas.

Rabi Shimon Bar Iochai, segundo a tradição, se escondeu dos romanos durante 13 anos numa gruta em Meron, ao norte de Israel, junto com seu filho, quando escreveu o Zohar, livro básico da mística judaica. Ele faleceu em Lag baOmer e deixou instruções para que o aniversário de sua morte fosse celebrado com festejos, não tristeza. Nesse dia, os chassidim têm o costume de ir a Meron, cantar e dançar em torno de seu túmulo. 

Meninos que estejam cortando os cabelos pela primeira vez (aos 3 anos de idade) esperam para fazê-lo lá, durante o Lag baOmer; e as mechas de cabelo são jogadas numa grande fogueira acesa perto do túmulo do Rabi Shimon.
Na véspera, os campos e montanhas próximos ficam repletos de pessoas, muitas acampadas. Ao cair da noite, fazem fogueiras gigantes, iluminando simbolicamente a escuridão com a luz da Torá. A festa é chamada de Hilulá (banquete de núpcias) de Rabi Shimon bar Iochai - uma celebração não apenas aqui neste mundo, mas no mundo superior.

As festas juninas são festas pagãs que o cristianismo assumiu, dando um novo sentido: as fogueiras preparadas em homenagem aos santos de junho (Antônio, João e Pedro) têm origem em um trato feito pelas primas Isabel (mãe de João Batista) e Maria (mãe de Jesus); a primeira teria mandado acender uma fogueira no topo de um monte para avisar sua prima que seu filho havia nascido. 

Receberam o nome de juninas (chamada inicialmente de joaninas, de São João) porque vieram de países europeus cristianizados. Quando os primeiros seguidores da fé cristã chegaram à Europa vindos do Oriente Médio, encontraram povos com suas próprias tradições. Para cativá-los, foi preciso adaptar as festividades deles à cristandade. Trazidas para o Brasil pelos portugueses, foram incorporadas aos costumes das populações indígenas e afro-brasileiras. O Brasil foi descoberto em 1500, e em Portugal já se comemorava estas festas há muito tempo.

Nesta época, na Península Ibérica, outras fogueiras marcavam um longo período de trevas na história judaica: as dos autos-de-fé da Inquisição, onde milhares de marranos foram mortos. Reforçava-se assim, morbidamente, a relação de fogueiras com criptojudeus: as do período romano, como símbolo da resistência e da vitória; as da Inquisição, como poder aniquilador da intolerância.

Não há como deixar de perceber também a influência judaica nas festas juninas, como reflexo das fogueiras de Lag baOmer. Tanto em Portugal, devido à maciça presença de judeus em suas terras, comprovadamente pelo menos desde o século IV, quanto nas colônias, particularmente no Brasil, especialmente no nordeste, onde sabidamente cristãos-novos se estabeleceram no período colonial e, onde um período de liberdade religiosa pode ser observado sob o domínio holandês, reavivando a chama de um judaísmo mantido em segredo pelos cristãos-novos marranos.

Assim, ao arderem as fogueiras de Lag baOmer, lampejam fagulhas de um passado heróico, iluminando as trevas da intolerância religiosa – que muitos cristãos, até hoje, ao pularem as fogueiras juninas, saltam também sobre um passado oculto de seus ancestrais.

* Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professora, fundadora e ex- Coordenadora do Setor de Hebraico da UERJ, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos UERJ, Professora e Coordenadora do Setor de Hebraico UFRJ (aposentada), escritora.

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