Sefarad é o nome hebraico da Península Ibérica, já mencionado na profecia de Abdias como um dos lugares habitados por exilados de Jerusalém. Sefaradi é o termo usado para designar os descendentes dos judeus expulsos da Espanha em 1492, e que mantêm sua identidade e seu patrimônio hispânico, preservando seus costumes, rituais religiosos e o fundo lingüístico castelhano.
O ano de 1492 é importante não só para a História da Espanha, mas também para a História da língua espanhola e, conseqüentemente para a da língua sefaradi. Quatro fatos concorrem para isso: a conquista de Granada, último baluarte dos muçulmanos na Península Ibérica; a expulsão dos judeus, que levaram sua cultura e seu idioma para os países que os acolheram; a publicação da primeira gramática escrita em língua neolatina, o castelhano; e o descobrimento da América. Com a publicação da gramática castelhana e a viagem de Colombo, começa também a viagem do castelhano pelas terras do Novo Mundo.
Os lingüistas convencionaram dividir a história da língua sefaradi em três partes: Sefarad 1, referente à Espanha medieval; Sefarad 2, correspondente aos primeiros lugares de assentamento, após a expulsão; e Sefarad 3, resultante dos movimentos migratórios iniciados em meados do século 19.
Quando se fala nos oito séculos que durou a ocupação árabe, faz-se freqüentemente referência a uma Espanha muçulmana e a uma Espanha cristã. Mas nunca ou quase nunca se fala de uma Espanha judia. Embora os judeus nunca tivessem tido um território que lhes pertencesse de pleno direito, é mais verdadeiro dizer-se que a Espanha judia não é outra coisa senão toda a Espanha. Desde tempos remotos e até os últimos anos do século 15 houve, em todo o território peninsular, comunidades de judeus.
As distintas línguas pré-romanas, faladas pelos primitivos povoadores da Península (iberos, lígures, celtas, tartéssios, aquitânios) começaram a ser abandonadas a partir do século 3 a.C., quando Roma iniciou a colonização da Hispania. Todas as regiões – com exceção do País Basco – passaram a utilizar-se do latim como meio de comunicação. O latim clássico era falado e escrito pelos mais cultos. O latim vulgar, que servia unicamente de expressão oral para a classe média e a popular, foi o que substituiu as línguas dos primitivos ocupantes da Península.
Após a invasão dos bárbaros germânicos (alanos, vândalos, suevos e visigodos, sucessivamente), a partir do século 5, e a fragmentação do Império Romano em reinos independentes, com o subseqüente isolamento cultural, o latim vulgar iniciou um processo evolutivo que veio a desenvolver as pequenas divergências lingüísticas existentes em cada país já havia tempo.
Na Espanha, foram os visigodos os que mais tempo permaneceram (cerca de 300 anos). Durante a época visigótica, a língua latina continuou a ser o meio de expressão mais geral na Península, já que os invasores abandonaram o próprio idioma, adotando o dos vencidos, muito superiores a eles em número e cultura. O latim vulgar, acrescido de vocábulos germânicos ou concretamente visigóticos, evoluiu tão rapidamente que, por volta do século 7, já oferece a forma de uma língua romance rudimentar. Língua romance é a denominação dada às modificações regionais do latim vulgar, das quais derivaram as línguas neolatinas.
A invasão islâmica, em 711, e a imediata destruição da monarquia visigoda deram origem a vários dialetos que iriam substituir o pré-romance falado em toda a Espanha no século 7. Cada um dos reinos cristãos que compõem o que hoje é o reino da Espanha começou a desenvolver formas idiomáticas que vão diferenciando-se progressivamente.
O movimento de Reconquista antiislâmico, que havia começado já em 718, favoreceu a formação de núcleos cristãos no norte e no noroeste, proporcionando a formação dos seguintes dialetos, todos de origem latina: o galego, o leonês, o castelhano, o navarro-aragonês e o catalão. Acrescente-se a eles o moçárabe. Enquanto o árabe era a língua da administração e da cultura, o moçárabe era usado em família pelos cristãos e judeus que viviam em ambiente árabe. Com a Reconquista, o moçárabe foi desaparecendo, não só pela migração para regiões cristianizadas, como também pelo abandono voluntário e pela adoção do castelhano. No século 11, o castelhano começou a expandir-se, dominando os outros dialetos nos séculos seguintes.
Estudos recentes demonstram que, já no século 10, havia começado nas comunidades de Sefarad 1 o processo de integração ao romance e de abandono do uso do hebraico. Carmen Hernández González, em Un viaje por Sefarad: la fortuna del judeoespañol , nos informa que, da segunda metade do século 13 até o momento da expulsão, a população judia usava o mesmo sistema lingüístico da população não-judia, com seus modismos próprios culturais e com as diferentes variações regionais: o galego; o catalão, com a variante valenciana; o castelhano, com a variante andaluza; e o navarro-aragonês.
O hebraico, só o conhecia uma minoria erudita que tinha acesso aos estudos rabínicos; os demais o utilizavam para meldar, ou seja, para as orações e para os termos relacionados com a liturgia, costumes, festividades e conceitos do mundo da ética judia. Podemos, então, dizer que os judeus de Sefarad 1 falavam os mesmos dialetos de seus vizinhos, entremeando sua fala com termos hebraicos, quando se referiam a costumes judaicos, ou empregando expressões próprias. Após a expulsão, levaram seu idioma para o espaço geográfico e cultural que os lingüistas chamam de Sefarad 2.
Muitos partiram para Portugal, de onde foram expulsos em 1497, dirigindo-se para os Países Baixos ou para o sul da França ou para a Itália. Outro grupo, muito numeroso, foi acolhido pelo Império Otomano, ao qual pertenciam os atuais países: Turquia, Grécia, Albânia, Bulgária, Romênia, Bósnia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro, Eslovênia, Macedônia, Bulgária e a parte sul da Romênia, além de todo o norte da África, pelo lado da Argélia, Tunísia e Líbia.
No auge de seu poder, também integravam esse Império partes da Hungria e da Rússia; Iraque, Síria, Cáucaso, Palestina, Egito e parte da Arábia. Outros emigraram para o norte da África, cruzando o Estreito de Gibraltar e o mar de Alborán. Em todos esses países, a língua foi se enriquecendo com novas palavras, mantendo, no entanto, as raízes ibéricas combinadas com as de tradição hebraica.
Do progressivo afastamento dessas duas comunidades originaram-se dois grupos lingüísticos: o oriental e o do norte da África.
Apesar das várias denominações dadas ao judeu-espanhol, tais como língua sefaradi, judeu-espanhol, espanyol, spanyolit, djidió, djudió, djudezmo, cada vez mais vai se firmando o uso do termo ladino para o judeu-espanhol falado pelo ramo lingüístico oriental. A Autoridad Nasionala del Ladino, organismo oficial criado em 1997, em Israel, tem por objetivo o estudo do ladino, sua proteção e preservação e edita periodicamente, em judeu-espanhol, a revista Aki Yerushalayim. O termo “ladino”, proveniente de latinus, _a, _um, com a sonorização do “t” intervocálico, usual na passagem do latim para o português e o espanhol, vem do verbo enladinar, que significa ‘traduzir ao espanhol’.
Haquetia é o termo com o qual os sefaradis da região do Estreito designam sua língua. Para a sua origem há duas hipóteses: a primeira é a de que seria derivado do verbo árabe haka, que significa ‘falar’ ou ‘conversar’. A segunda é a de que derivaria de Haquito, apócope de Ishaquito, diminutivo de Ishac, por ser Isaac um nome muito usado entre os judeus da Espanha.
A haquetia surgiu do encontro entre o fundo lingüístico comum trazido da Península e o árabe dialetal marroquino, com alguns empréstimos do berbere, do português, do francês e do inglês. Alegria Bendelac, da Penn State University, opina que a história dessa formação e suas modalidades exatas ainda não foram pesquisadas devidamente e teme que isso nunca ocorra, por falta de documentos suficientes.
A partir de meados do século 19, uma série de reveses resultou em novas migrações, configurando-se o espaço geográfico-histórico-cultural denominado Sefarad 3.
Em 1860, por causa da guerra entre a Espanha e o Marrocos, ocorreu a primeira grande migração, que prosseguiu com regularidade até 1914. Entre 1918 e 1939 também houve grandes movimentos migratórios.
Com a independência do Marrocos, em 1956, intensificou-se a diáspora que já havia levado grande parte da comunidade da Região do Estreito a assentar-se na Espanha, França, Israel, Canadá, Estados Unidos, Canárias e em vários países da América Latina. Os emigrados adquiriram novas línguas ou reforçaram o uso do espanhol moderno − peninsular ou americano − e do francês.
Com o desmembramento do Império Otomano, em 1923, e o nascimento de novos estados balcânicos − nos quais se passou a exigir a integração lingüística −, além da contínua migração para diferentes países da Europa, como Bélgica, Espanha ou França, das Américas, como Estados Unidos, México, Cuba, Venezuela, Argentina, Uruguai e Brasil, e, principalmente, para Israel, a língua sefaradi, que constituía uma espécie de sinal de identidade entre seus falantes, passou a ser utilizada somente em âmbito familiar ou dentro de um pequeno círculo de amizades.
No entanto, apesar de dispersos em muitos países, os sefaradis sentiram o perigo do desaparecimento do judeu-espanhol e vêm lutando para preservar sua cultura, seus valores, sua tradição e sua língua. Formaram comunidades novas, ativas e unidas, principalmente em Madri, Paris, Buenos Aires, Caracas, Lima, Toronto, Montreal e Israel. No Brasil, grupos de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul vêm se esforçando em manter a riqueza cultural sefaradi, principalmente por meio da música.
Moshé Saul, diretor da revista Aki Yerushalayim, diz: Ya no se puede más avlar de uma agonia del djudeoespanyol, sigun se uzava azer asta ultimamente, sino ke, a la kontra, podemos dizer que somos testigos del principio del renasimiento.
Cecilia Fonseca da Silva, licenciada em Letras Neolatinas e especialista em Filologia Hispano-americana, é autora, entre outros livros didáticos, de Español a través de textos (Estudio contrastivo para brasileños), Editora Ao Livro Técnico, Rio de Janeiro.
Coisas Judaicas
Olá, Jorge:
ResponderExcluirGostei de ver meu texto no seu blog. Vou virar seguidora.
Dias buenos ke tengash!
Cecilia.
Muito obrigado. Seja bem-vinda
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