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Livro chama povo judeu de "invenção"

Apesar dos registros históricos incompletos e fragmentados, especialistas geralmente concordam que algumas crenças da histórica judaica simplesmente não se sustentam: não houve uma expulsão repentina de todos os judeus de Jerusalém em 70 a.C., por exemplo. Além disso, os judeus modernos devem sua ancestralidade tanto aos convertidos do primeiro milênio e da Idade Média quanto aos judeus da Antiguidade.

Outras teorias, como a noção de que muitos palestinos atuais podem legitimamente alegar serem descendentes dos judeus antigos, são familiares e temas de importantes estudos, ainda que não exista nenhuma resposta definitiva.

Mas, apesar de essas ideias serem lugar-comum entre os historiadores, elas ainda tendem a provocar controvérsias cada vez que vêm à tona para o público, além do mundo acadêmico. O último exemplo é o livro "The Invention of The Jewish People" (A invenção do povo judeu, em tradução literal), que passou meses na lista de best-sellers em Israel e não tem tradução para inglês.

Misturando a academia renomada com teorias duvidosas, o autor Shlomo Sand, professor da Universidade de Tel Aviv, constrói uma narrativa com uma exposição surpreendente de fatos históricos suprimidos. A versão traduzida de sua polêmica alimentou uma nova onda de cobertura na Grã-Bretanha e provocou debates ferrenhos na internet e em salas de pesquisadores.

Teoria

Sand, especialista em França moderna, não na história judaica, candidamente coloca que seu objetivo é escavar as origens das reivindicações judaicas pela terra de Israel, ao demonstrar que eles não constituem um "povo", que compartilhasse um passado racial e biológico. O livro foi amplamente condenado e louvado, com base frequentemente na concordância ou divergência do leitor com seu conteúdo político.

A resposta veemente a esses argumentos familiares – tanto os razoáveis quanto os revoltantes – ressalta o desafio de destrinchar o fato histórico apegado a uma teia de religião, mitos políticos e memórias.

Considere, por exemplo, a afirmação de Sand de que os camponeses árabe-palestinos são descendentes dos originais fazendeiros judeus. Há quase um século, os primeiros sionistas e nacionalistas árabes apregoaram uma relação de sangue com base na potencial aliança em suas respectivas batalhas por independência. O primeiro premiê de Israel, David Bem-Gurior, e Yitzhak Bem Zvi, presidente israelense que ficou mais tempo no cargo, usaram esse forte argumento em um livro que escreveram em conjunto em 1918.

No ano seguinte, Emir Feisal, que organizou a revolta árabe contra o Império Otomano e tentou criar uma nação árabe unida, assinou o acordo de cooperação com o líder sionista Chaim Weizmann, que declarou que ambos estavam "cientes das afinidades raciais e vínculos remotos que existiam entre os árabes e judeus".

Mais tarde, ambos os lados abandonaram o assunto quando perceberam que não favorecia mais seus objetivos políticos (apesar de não ter surgido nenhum consenso final sobre a ligação ancestral entre palestinos e judeus, Harry Ostrer, diretor do Programa de Genética Humana do Langone Medical Center, da Universidade de Nova York, que estuda a organização genética dos judeus, disse que "a hipótese de uma linha descendente entre os povos parece razoável").

Território

Livros que contestam a história bíblica e convencional são continuamente publicados, mas o que distingue as controvérsias sobre as origens das discussões sobre a realidade da existência do êxodo do Egito e do Jesus histórico é que está tão vinculado à geopolítica.

A Declaração de Independência israelense coloca que: "após ser exilado à força de sua própria Terra, o Povo manteve a fé nela durante a Diáspora e nunca deixaram de orar e esperar pelo retorno a ela". A ideia do exílio injusto e do retorno legítimo embasa tanto a convicção judaica quanto a palestina de que cada um deles tem direito a terra.

Dado que a missão de Sand é tirar o crédito da reivindicação histórica dos judeus pelo território, ele faz de tudo para mostrar que as linhas ancestrais desse povo não levam de volta à antiga Palestina. Ele ressuscita a primeira teoria levantada por historiadores do século 19 de que os judeus da Europa Central e Oriental, a quem 90% dos judeus americanos remetem suas raízes, são descendentes dos cazares, povo turco que aparentemente se converteram ao judaísmo e criaram um império no Cáucaso no século oito.

Essa ideia intriga escritores e historiadores. Em 1976, Arthur Koestler escreveu "The Thirteen Tribe" (A Tribo dos Treze, em tradução literal) na esperança de que assim combateria o antissemitismo. Se os judeus contemporâneos fossem descendentes dos cazares, não poderiam ser responsáveis pela crucificação de Jesus.

Até agora, estudiosos que se especializaram no assunto rejeitaram repetidamente a teoria, concluindo que os fragmentos de evidência são inconclusivos ou enganadores, disse Michael Terry, bibliotecário chefe do departamento judaico da Biblioteca Pública de Nova York. Ostrer disse que a genética também não sustenta a teoria dos cazares.

Evidências

Isso não anula a questão de que a conversão teve um papel substancial na histórica judaica – uma proposição que muitos acham surpreendente, dado que os judeus atuais tendem a desencorajar a conversão e costumam dificultar esse processo.

Lawrence H. Schiffman, presidente do departamento Skirball de Estudos Hebraicos e Judaicos da Universidade de Nova York, disse que a maioria dos historiadores concorda que, durante alguns séculos, os judeus do Oriente Médio – mercadores, escravos e prisioneiros, refugiados religiosos e econômicos – se espalharam pelo mundo. Muitos se casaram com pessoas das populações locais, que então se converteram ao judaísmo.

Também há evidência de que, na Antiguidade e no primeiro milênio, o judaísmo era uma religião que induzia pessoas à conversão e que em certas ocasiões até usavam a força para isso. Quanto à pesquisa genética, Ostrer disse que até agora "está bem claro que a maioria dos grupos judaicos tem ancestrais semitas, que são originários do Oriente Médio, e que eles têm relações mais próximas uns com os outros do que com grupos não judeus". Mas ele acrescentou que também ficou claro que muitos judeus são descendentes mestiços.

"A ancestralidade misturada explica os cabelos loiros e os olhos azuis dos judeus asquenazitas, cujos avôs e bisavôs vivem em shtetls (cidades com população predominantemente judaicas) há dois ou três gerações atrás", disse Ostrer. "Eles trouxeram consigo os genes ligados à coloração da pele para a Europa Oriental. Esses genes provavelmente não foram uma contribuição de seus vizinhos cossacos".

Divergências

Sand acusa os historiadores sionistas do século 19 em diante – os mesmos acadêmicos em cujos trabalhos ele baseia seu caso – de esconder a verdade criando um mito sobre raízes compartilhadas para fortalecer sua agenda nacionalista. Ele explica que não descobriu nenhuma informação nova, mas que "organizou o conhecimento de uma forma diferente". Em outras palavras, ele está fazendo precisamente o que ele acusa os sionistas de fazerem – formatar o material para se encaixar em uma narrativa.

Nesse sentido, Sand está mexendo em uma tradição há muito estabelecida. Assim como "The Illustrated History of the Jewish People" (A História Ilustrada do Povo Judeu, em tradução literal), editado por Nicholas Lange (Harcourt, 1997), aponta, "toda geração de historiadores judeus enfrentaram a mesma tarefa: recontar e adaptar a história para que ela se adéqüe às necessidades de sua própria situação". O mesmo pode ser dito de todas as nações e religiões.

Talvez seja por isso que – nos argumentos de ambos os lados – alguns mitos persistem com teimosia, não importa o quanto sejam desmentidos, enquanto outros fatos indubitáveis constantemente não conseguem ganhar atenção.


Por PATRICIA COHEN



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Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força jamais o resgata.
Magal
http://twitter.com/magal

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