O exemplo de Viktor Frankl

O exemplo de Viktor Frankl

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O EXEMPLO DE VIKTOR FRANKL

Sheila Sacks



Prisioneiro de um campo de concentraĆ§Ć£o nazista, esse cidadĆ£o austrĆ­aco teve a sua famĆ­lia exterminada, mas superou a dor e a tragĆ©dia de maneira excepcional. Seu livro "Em Busca de Sentido" (Diga Sim Ć  Vida, de Qualquer Maneira) tornou-se um dos mais lidos em todo o mundo.


Viktor Frankl faleceu em 1997, aos 92 anos. Precursor da atual literatura de auto-ajuda, gĆŖnero que jĆ” provou ser um autĆŖntico caƧa-nĆ­queis para as editoras de todo o mundo, o psiquiatra e filĆ³sofo austrĆ­aco, fundador da Logoterapia – um mĆ©todo original de tratamento psicolĆ³gico - sobreviveu a Auschwitz e a sua tragĆ©dia pessoal, apostando na forƧa da vida, investindo na busca de um propĆ³sito e jogando todas as fichas no poder do espĆ­rito. Assim ele transcendeu Ć  dor e ao sofrimento e deixou de heranƧa uma terapia que tem ajudado milhƵes de pessoas a superar o "vazio existencial" (expressĆ£o criada por ele), uma epidemia mortal que vem se alastrando, silenciosamente, pelos subterrĆ¢neos da alma humana.


LIVRO DA DƉCADA


No inĆ­cio dos anos 90, uma pesquisa realizada entre os leitores dos Estados Unidos apontou os dez livros que mais influenciaram as suas vidas. No topo da lista nĆ£o houve surpresa: a BĆ­blia continuava liderando com facilidade (fato que se repete atĆ© os dias de hoje nos EUA). A consulta, conduzida pela prestigiosa instituiĆ§Ć£o norte-americana "Library of Congress" - a maior biblioteca do mundo com um acervo de 29 milhƵes de livros -, em parceria com o Clube do Livro, tambĆ©m consagrou um texto escrito em 1945 (e somente traduzido para o inglĆŖs em 1959) por um mĆ©dico judeu vienense, intitulado "Man's Search for Meaning" (Em Busca de Sentido, na ediĆ§Ć£o brasileira). O autor, Viktor Emil Frankl, tinha sobrevivido a trĆŖs longos e sofridos anos em campos de extermĆ­nios nazistas, apĆ³s os quais descreveu a sua terrĆ­vel experiĆŖncia e a de outros prisioneiros submetidos a atrocidades indescritĆ­veis, sob a Ć³tica de um psicĆ³logo. Publicado pela primeira vez em Viena, em 1946, o livro de pouco mais de cem pĆ”ginas, e escrito em nove dias, trazia uma mensagem estimulante jĆ” a partir do tĆ­tulo: "Trotzdem jĆ” zum Leben sagen" (Diga sim Ć  vida, de qualquer maneira). Espantoso para quem acabara de perder seus entes queridos de modo tĆ£o bĆ”rbaro: o pai, no campo de Theresienstadt (RepĆŗblica Tcheca); a mĆ£e e o irmĆ£o caƧula, em Auschwitz (PolĆ“nia); e a esposa grĆ”vida, em Bergen-Belsen (Alemanha).

JUNTO AOS PAIS

Em sua autobiografia, publicada em 1995, Frankl lembra que teve a oportunidade de escapar ao horror nazista: "Eu esperei alguns anos atĆ© obter o visto de imigraĆ§Ć£o para os Estados Unidos. Finalmente, um pouco antes do ataque a Pearl Habor (7/12/1941), fui convidado a ir Ć  embaixada para pegar o meu visto. AĆ­ entĆ£o, eu hesitei, pois como poderia deixar meus pais para trĆ”s? Eu jĆ” imaginava qual seria o destino deles: deportaĆ§Ć£o para um campo de concentraĆ§Ć£o. Poderia eu dizer adeus e deixĆ”-los entregues a prĆ³pria sorte? O visto era pessoal, exclusivo para a minha pessoa". ƀ Ć©poca, Frankl tinha 36 anos e era diretor do setor de Neurologia do Hospital Rothschild, tendo trabalhado antes, por quatro anos, no Hospital Geral de Viena, no tratamento de pacientes com tendĆŖncias ao suicĆ­dio. Ele conta que quando chegou em casa naquele dia, encontrou o pai, em lĆ”grimas: "Os nazistas atearam fogo na sinagoga, disse-me, mostrando um pedaƧo de mĆ”rmore que ele conseguira salvar. Na peƧa estava gravada, em dourado, uma Ćŗnica letra hebraica, justamente a letra inicial do quarto Mandamento - Honra teu pai e tua mĆ£e." Diante disso, Frankl telefonou para a Embaixada Americana e cancelou o visto. "Talvez a decisĆ£o que eu tomei jĆ” estivesse comigo hĆ” muito tempo, e na realidade somente escutei o eco da voz de minha consciĆŖncia", concluiu.

PONTO DE VISTA

O jornalista, escritor e speechwriter (redator de discursos) do presidente George W. Bush, o norte-americano Matthew Scully, observa que Frankl publicou "Em Busca de Sentido" um ano antes do surgimento de "O DiĆ”rio de Anne Frank" (1947). Ambos os livros ganharam o mundo, mas os autores tiveram destinos distintos. "No caso de Frankl, a sorte o conduziu para uma direĆ§Ć£o diferente. Depois da perda da esposa no Holocausto, ele casou-se novamente, escreveu outros 32 livros, criou um mĆ©todo de psicoterapia, construiu um instituto em Viena que leva o seu nome, deu palestras ao redor do mundo, e permaneceu vivo para ver o seu livro ser traduzido para 27 idiomas." Em 2007, a obra jĆ” havia atingido a cifra de 12 milhƵes de exemplares vendidos.

No encontro que teve com Frankl, em Viena, em 1995, o jornalista demonstrou a sua surpresa pelo livro nĆ£o ser o segundo mais lido na biblioteca do Museu do Holocausto, em Washington, onde "O DiĆ”rio de Anne Frank" reinava e ainda reina absoluto (24 milhƵes de cĆ³pias em 55 idiomas). Frankl atribuiu o fato ao tom conciliatĆ³rio que sempre adotou em suas mensagens e que desagradava a muitos: "Em todo o meu livro Em Busca de Sentido vocĆŖ nĆ£o vai encontrar a palavra 'judeu'. Eu nĆ£o acentuei a minha condiĆ§Ć£o de judeu e nem de ter sofrido como um judeu", afirmou. Na entrevista Frankl tambĆ©m fez questĆ£o de igualar a sua dor Ć  de qualquer outro ser humano submetido a uma situaĆ§Ć£o de horror. "Sou 100% contra a tese de culpa coletiva", enfatizou. "Parto do fundamento de que a culpa, a priori, Ć© individual." ReforƧando essa posiĆ§Ć£o, Frankl jĆ” havia dito, em outra ocasiĆ£o, que mesmo nos estreitos limites de um campo de concentraĆ§Ć£o, ele somente encontrara dois gĆŖneros de pessoas: as decentes e as sem decĆŖncia. "Nenhuma sociedade estĆ” imune aos dois, portanto, havia no campo guardas decentes e prisioneiros sem decĆŖncia, notadamente os capos, que insultavam e torturavam os seus prĆ³prios companheiros em troca de vantagens pessoais."

ESCONDENDO O INIMIGO

O antropĆ³logo Richard A.Shweder, escritor, professor e presidente do ComitĆŖ de Desenvolvimento Humano da Universidade de Chicago,destaca o fato de que Frank surpreendeu o mundo ao afirmar que o espĆ­rito humano encontrava maneiras de alcanƧar a dignidade mesmo na lama de Auschwitz. "Ele argumentava que um prisioneiro tornava-se digno ou nĆ£o a partir de uma decisĆ£o prĆ³pria interior, e nĆ£o somente em conseqĆ¼ĆŖncia das condiƧƵes do campo." Para Frankl, ninguĆ©m melhora ou evolui enxergando-se como vĆ­tima. Cada pessoa Ć© capaz de se sobrepor a situaƧƵes degradantes, "jĆ” que a saĆŗde mental estĆ” relacionada com as decisƵes e nĆ£o com as condiƧƵes".

Um fato interessante ilustra esse ponto de vista. Quando os aliados libertaram os campos de concentraĆ§Ć£o, duas prisioneiras judias sobreviventes do Holocausto esconderam um oficial da SS, de nome Hoffman, e sĆ³ concordaram em entregĆ”-lo Ć s autoridades com a condiĆ§Ć£o de que ele nĆ£o fosse maltratado. Frankl foi testemunha em seu julgamento e, durante algum tempo, manteve correspondĆŖncia com o oficial, tentando confortĆ”-lo, jĆ” que o homem vivia atormentado por sua participaĆ§Ć£o no processo de extermĆ­nio implantado pela mĆ”quina nazista.


CONSELHOS


Frank tambĆ©m lembra em seu livro uma das primeiras recomendaƧƵes que, recĆ©m-chegado a Auschwitz, recebeu de um prisioneiro veterano: "NĆ£o tenha medo! NĆ£o se amedronte com as seleƧƵes! Mas uma coisa eu peƧo para vocĆŖ... faƧa a barba diariamente, mesmo que tenha de usar um fragmento de espelho... mesmo que vocĆŖ tenha que dar o seu Ćŗltimo pedaƧo de pĆ£o para isso. VocĆŖ ficarĆ” com uma aparĆŖncia mais jovial e o ato de se barbear darĆ” a sua face mais rubor. Se vocĆŖ quiser sobreviver, sĆ³ existe um jeito: Mostre-se saudĆ”vel para o trabalho."

JĆ” nos momentos de intensa frustraĆ§Ć£o, recorda Frankl, o artifĆ­cio era orientar os pensamentos para as coisas mais triviais, como, por exemplo, achar um pedaƧo de arame para substituir o cadarƧo podre de um sapato. Ele tambĆ©m se forƧava a pensar acerca de seu futuro, apĆ³s a libertaĆ§Ć£o.

NAS ESCOLAS

Admirador das teorias de Viktor Frankl e autor de um livro que aborda a crise espiritual nos Estados Unidos (This Unbearable Boredom of Being: The Crisis of Meaning in AmĆ©rica, com prefĆ”cio de Frankl), o fĆ­sico Genrich L. Krasko defende a inclusĆ£o de "Em Busca do Sentido" no currĆ­culo das escolas norte-americanas. Cientista que serviu no "US Army Research Laboratory" e antigo professor no Departamento de Engenharia Nuclear do Instituto de Tecnologia de Cambridge, Krasko acredita que a juventude teria muito a aprender com esse importante texto, principalmente para entender como a vida em um mundo livre - em contraste com o cotidiano dos campos de concentraĆ§Ć£o – Ć© tĆ£o confortĆ”vel e plena. Krasko tambĆ©m destaca o pensamento de Frankl acerca da felicidade, que introduz um Ć¢ngulo diverso do tradicional: "Frankl defendia que as pessoas mentalmente sĆ£s e equilibradas sĆ£o aquelas que aceitam seu fardo e nĆ£o consideram a felicidade um direito lĆ­quido e certo. A visĆ£o do sofrimento nĆ£o Ć© um obstĆ”culo para a felicidade, mas freqĆ¼entemente o meio indispensĆ”vel para atingi-la."

Nas diversas universidades norte-americanas onde lecionou - entre elas a de Harvard – Frankl sempre enfatizava para os seus alunos que cada pessoa deve ir ao encontro de sua missĆ£o. "O homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido da vida. Por isso Ć© preciso trabalhar por algo alĆ©m de si mesmo."

NOBEL DA PAZ

Viktor Frankl foi professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Medicina de Viena atĆ© 1990, quando se aposentou aos 85 anos (ele tambĆ©m praticava o alpinismo e tirou o seu brevĆŖ de piloto de aeroplano aos 67 anos). Doutor em Filosofia, Frankl recebeu o tĆ­tulo de "Doutor Honoris Causa" em 29 universidades de todo o mundo, entre elas, as federais de BrasĆ­lia e do Rio Grande do Sul, e a de Haifa (proferiu palestras em 209 faculdades nos cinco continentes). Membro honorĆ”rio da Academia AustrĆ­aca de CiĆŖncias e CidadĆ£o HonorĆ”rio de Viena, Frankl foi considerado pelo "American Journal of Psychiatry", o mais importante pensador desde Freud e Adler. A Logoterapia ou AnĆ”lise Existencial - mĆ©todo psicolĆ³gico criado por Frankl - Ć© conhecida como "A Terceira Escola Vienense de Psicoterapia" (a primeira Ć© a PsicanĆ”lise Freudiana e a segunda Ć© a Psicologia Individual de Adler). Pelo conjunto de sua obra, o seu nome foi proposto para o PrĆŖmio Nobel da Paz por iniciativa da PontifĆ­cia Universidade CatĆ³lica do Rio Grande do Sul e pela Faculdade do Texas. Atualmente existem "Institutos Viktor Frankl de Logoterapia" em dezenas de paĆ­ses, inclusive no Brasil e em Israel.


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  1. SOU UMA PESSOA PEQUENA DIANTE DOS MEUS PROBLEMAS E DO MUNDO,MAS ME SINTO UM GIGANTE QUANDO LEIO VIKTOR FRANKL,UM HOMEM DO SƉCULO,COM ELE O SOFRIMENTO GANHOU SENTIDO NOS CAMPOS,TODOS NOS TEMOS OS NOSSOS CAMPOS DE CONCENTRAƇƃO DIƁRIO.LI TODOS OS SEUS LIVROS EM PORTUGUES E AFIRMO QUE Ɖ UM DOS MELHORES LIVROS QUE JA LI E RELEIO SEMPRE.QUEM QUISER PODE SE COMUNICAR COMIGO PARA TROCAR EXPERIƊNCIAS DE VIKTOR FRANKL E SEUS DISCƍPULOS.SERƁ UM ENORME PRAZER.PARABƉNS PELO AUTOR DESTE BLOG.

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