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Jornalistas brasileiros são mantidos reféns pelo Hezbollah

Jornalistas brasileiros são mantidos reféns pelo Hezbollah


Tariq Saleh/Beirute
Não foi minha primeira vez, tampouco será a última. Mas foi uma amostra mais real do que as experiências anteriores, de como o Hezbollah, uma mistura de partido político, milícia e assistência social, possui uma mão sobre o Líbano que se sobressai à do governo.
Na semana passada, o Hezbollah prendeu eu e a equipe da TV Globo, formada pelo repórter Marcos Losekann e o cinegrafista Paulo Pimentel. Fomos detidos por mais de cinco horas.
Não, não fomos agredidos fisicamente, mas o fomos moralmente. Não fomos torturados, nem colocados em cativeiro como os paranóicos islamofobíacos adoram pregar. Mas o Hezbollah mostrou a sua cara, mostrou que tem duas facetas – a resistência a Israel e a resistência ao próprio Líbano.
No dia 15 de agosto, eu, o Losekann e o Pimentel estavámos no subúrbio sul de Beirute para uma reportagem sobre um restaurante temático que serve sanduíches com nomes de armamentos e ao som de tiroteios e veículos militares. Conhecida como Dahiyeh, a área é um dos redutos do Hezbollah no país.
Com vistos legais e credenciais do Ministério de Informação libanês, fomos mesmo assim conseguir uma permissão do escritório de imprensa do Hezbollah. Obviamente que uma área tão militarizada e estratégica ao grupo xiita não será um convite a jornalistas, especialmente estrangeiros.
Mas a permissão nos foi negada. Por isso ligamos para o dono do restaurante temático, cujo nome é Buns and Guns (Pães e Armas). Com a conclusão nossa de que a filmagem e entrevista se daria dentro de seu restaurante, uma propriedade privada, decidimos seguir adiante. As tomadas externas seriam rápidas. Afinal, tínhamos permissão do governo, o governo libanês, em que o Hebollah faz parte com ministros.
Errado, o Hezbollah político é uma coisa, o militar é outra totalmente diferente. Em menos de 20 minutos, uma Mercedez-Benz preta com dois homens dentro chegam. Eles pedem para que entremos no carro. Um daqueles momentos em que devemos pensar rapidamente. O que fazer? Desobedecer e protestar? Ou seguir suas ordens para não piorar a situação? Escolhemos a segunda.
Eu já havia sido detido pelo Hezbollah antes, no sul do Líbano. Eu sabia que o grupo não era uma Al Qaeda ou grupos terroristas. Quanto a isso, não estava preocupado (e acho que tampouco estavam o Losekann e o Pimentel).
- Entrem no carro, cadê o cinegrafista? – perguntou um dos Hezbolinhas.
- Ele está vindo. Mas o que houve? Temos permissão do governo. – protestei.
- Não interessa, por favor nos acompanhem, é aqui do lado e não vai demorar muito. – respondeu o homem, barba por fazer, cabelo raspado e uma tatuagem no braço esquerdo.
Entramos e o equipamento colocado no porta-malas. Fomos levados para atrás d euma grande mesquita ali perto, onde homens carregando fuzis Kalashnikovs (Ak-47) conversavam tranquilamente.
- De onde vocês são? – me perguntou um deles.
- Do Brasil.
- Não se preocupem, apenas vamos checar algumas informações.
Nossos passaportes foram confiscados, nossas agendas, relógios, celulares e equipamentos. E, após um revista de nossas bolsas, um carro com cortinas pretas estacionou para nos levar à próxima parada.
- Não se preocupem, não vai demorar – disse um deles, que trouxe água para bebermos.
Dali fomos levados para um prédio, sem que pudéssemos ver o trajeto. Recebidos por um rapaz que, ironicamente, ostentava um boné do Brasil. Desta vez fomos separados e levados cada um a uma pequena sala. Eu entrei em um onde havia uma pequena poltrona, um cinzeiro e uma cesta de lixo. Na frente da poltrona um vidro espelhado, daqueles que se vê em filmes, onde os policiais podem ver o crimonoso, sem que ele possa vê-los.
Após um certo tempo, que calculei uns 15 minutos, um homem fala do outro lado e faz a perguntas d sempre: meu nome, nomes dos meus pais, data de nascimento. Procedimento padrão.
- Por que você está no Líbano?
- Vim para comer sanduíches de shawarma e falafel. – respondi.
- Isso aqui é coisa séria, responda a pergunta.
- Acho que é meio óbvio, sou jornalista, então vim para fazer meu trabalho.
Após outras perguntas sem importância, ele devolve meu relógio. Logo olho para a tampa e vejo se não removida, no caso de terem colocado algum dispositivo dentro. A tampa aparentemente não havia sido removida, já que ainda havia acúmulo de sujeira nas arestas e que teriam saído no caso de tentarem remover. Mas provavelmente foi escaneado para descobrirem algum localizador. Sim, ao contrário do que pensam, o Hezbollah detém certas tecnologias.
Depois de uma hora de espera, fomos retirados das salas. Todos nós estávamos tranquilos. Eu achei que dali seríamos liberados, o Losekann achava que não, e ele estava certo. De novo dentro do carro com cortinas pretas e o calor insuportável.
Depois de rodarmos mais um pouco, chegamos a um parque de diversões. Isso mesmo, com restaurantes, salas de jogos e famílias se divertindo. Atrás do restaurante (sempre atrás), sentamos em uma mesa grande e dois jovens vieram falar conosco. Separadamente fomos entrevistados. Mas desta vez eles preenchiam um relatório, questionário pronto.
- Me fale de você, seus pontos positivos e negativos.
- Isso é uma entrevista de emprego? – perguntei.
- Não, mas para nós é importante.
Depois de vários questionamentos, eu me dei conta do que estava acontecendo. Eles estavam nos cansando, nos castigando. Perguntaram até se queríamos beber algo, chá ou água. Certamente a Al Qaeda não trata assim seus "hóspedes", pensei pra mim. Depois de mais um tempo pediram a se nha do meu e-mail. Eu protestei e disse que não ia dizer. Eles insistiram. Como tenho outros e-mails que uso nestas situações, passei um que continha mensagens atualizadas mas sem importância. Obviamente que depois trocaria a senha.
Enquanto meus colegas eram "entrevistados", fiquei me perguntando como o Líbano chegou a isto. O Hezbollah, de uma resistência a ocupação israelense no sul do país, se transformou em um Estado dentro do Estado, um resistência aos próprios libaneses.
Desde que fomos detidos, o grupo violou vários direitos humanos e regras de imprensa. Mas sempre é assim, é fácil criticar o outro. Ali, sentado naquele lugar, em que eu estava cansado de ficar tantas horas respondendo perguntas óbvias, comecei a refletir.
Em 2006, durante a devastadora guerra com Israel, o grupo xiita foi rápido ao criticar o bombardeio israelense ao prédio da emissora Al Manar, de sua propriedade, como um atentado à liberdade de expressão e imprensa. Estaria com toda a razão se, em maio detse ano, suas milícias não tivessem ateado fogo ao prédio da emissora Future TV, o jornal al-Mustaqbal e a rádio al-Sharq, propriedade de Saad Hariri, rival político do Hezbollah.
Ao prender jornalistas, como vários outros antes de nós, o grupo mostra que não tem razõ ao criticar os militares israelenses ou os americanos (quando em 2003, na invasão oa Iraque, tanques americanos acertaram o escritório da emissora Al Jazeera, matando o repórter Tarik Ayoub).
- Aqui estão suas coisas, podem pegar tudo e vamos levá-los para que possam pegar um táxi.
- Onde está o cartão de memória de minha câmera? – perguntei eu, e informando ao rapaz que só havia fotos minhas na memória.
- Vamos ficar com o cartão, depois de averiguarmos, te ligo e você poderá pegá-la em alguns dias.
- Pode ficar com ela. – devolvi.
- Não ficamos com nada, não roubamos propriedade de outros. – falou o hezbolinha.
- Vocês já roubaram nossa dignidade e liberdade. – respondi.
Dali, entramos num carro com dois homens armados com fuzis. Pegamos um táxi após mais de cinco horas de detenção pelo Hezbollah. No caminho só tive uma certeza – o Hezbollah é um câncer que corrói o Líbano. Mas esta doença só poderá ser derrotada pelos próprios libaneses, não por interesses ou agendas estrangeiras.
Mas como fazer isso em um país profundamente dividido? Ainda não há resposta.
Tariq Saleh é jornalista brasileiro e correspondente para a BBC em Beirute, cobrindo Oriente Médio e África. É colaborador da Folha de S.Paulo e revistas brasileiras e estrangeiras e também produtor freelancer de TV na região.


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...::: Carol Herling - Jornalista :::...

"preocupe-se mais com a sua consciência do que com sua reputação, pois a sua consciência é o que você é, e a sua reputação o que os outros pensam sobre você... e o que eles pensam é única e exclusivamente problema deles".

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Magal
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