Análise: A sombra do terrorismo iraquiano no norte da África
Jean-Pierre Tuquoi
Um novo grupo terrorista islâmico apareceu recentemente no Magreb (norte da África). Sob o nome de Ansar al islam fi Sahara al bilad al mulazamin (os partidários do profeta no Saara, o país daqueles que trajam o véu), ele difundiu um primeiro comunicado na forma de um vídeo, no final de junho, na Internet. Nele é feita menção à "guerra santa" contra a Espanha, a França, a Argélia, a Mauritânia, a Frente Polisário (qualificada de "regime corrupto"), e, mais particularmente alvejado, o Marrocos, cujo rei, Mohamed VI, é tratado de "tirano", o qual "proporciona o seu apoio ao tirano da época, os Estados Unidos, [e] ergue o estandarte dos cruzados e dos sionistas".
Os americanos levam a ameaça a sério. Entre o final de junho e o início de julho, três responsáveis da administração Bush para questões de segurança viajaram para Rabat: o diretor do FBI, Robert Mueller, o da CIA, Michael Hayden, e a conselheira do presidente Bush para a segurança interna, Frances Fragos Townsend. As autoridades espanholas aconselharam aos seus súditos que pretendem viajar para o Marrocos a "reforçar a sua vigilância e a evitar lugares muito freqüentados". Na França, o ministério das relações exteriores não fez nenhuma recomendação particular.
Quem são aqueles que se escondem por trás deste grupo terrorista cujo nome é inspirado naquele de um grupo epônimo que segue em atividade no Iraque, onde ele apareceu há seis anos tendo como líder e porta-bandeira Abu Moussab Al-Zarkaoui, morto em 2006 durante um bombardeio americano? Os serviços de inteligência europeus pensam que os seus animadores são militantes islâmicos marroquinos e argelinos que se refugiaram na Espanha para fugir a repressão no seu país de origem. Os seus colegas argelinos, por sua vez, se dizem convencidos de que se trata na realidade de um braço do ex-Grupo Salafista para a Predicação e o Combate (GSPC), que se mantém ativo na faixa do deserto do Sahel situada entre o Marrocos, a Mauritânia e o norte do Mali.
Mas a identidade dos terroristas é secundária. Mais importante é o fenômeno do qual eles são representativos: a implantação no Magreb de grupos terroristas que até então privilegiavam o Iraque. Isso porque o Ansar al Islam não é o único dentre eles. O apelo para formar uma "Internacional da jihad" remonta a cerca de um ano. Ele foi proferido pelo número dois da Al Qaeda, Ayman Al-Zawahiri, quando, em setembro de 2006, este convidou o GSPC, o último movimento armado ainda em atividade na Argélia, a se juntar à Al Qaeda. Em janeiro de 2007, esta aliança estava consumada. O GSPC dissolveu-se e tornou-se a Organização da Al Qaeda no país do Magreb islâmico. Portanto, apenas a "filial" da região do Sahel, se assim podemos chamá-la, não aceitou aquele acordo e optou por fazer aliança com o grupo Ansar al Islam, e não com a Al Qaeda. Entre os dois grupos, existem poucas diferenças.
Desde a reorganização terrorista, três atentados kamikazes, idênticos pelo seu modo operatório - um veículo lotado de explosivos corre em grande velocidade contra o alvo - provocaram a morte de dezenas de pessoas na Argélia. O imponente palácio do governo, sede de vários ministérios, uma delegacia de polícia próxima do aeroporto de Argel, e um quartel militar no leste do país foram os alvos desses ataques. Todos os atentados foram reivindicados pelo braço argelino da Al Qaeda. Anteriormente, este tipo de ação era muito raro na Argélia. Um único atentado kamikaze de grandes dimensões chegou a ser registrado na Argélia durante a "guerra suja" dos anos 1990.
Ao se aliarem à nebulosa terrorista Al Qaeda, conforme observam os especialistas ocidentais, os militantes islâmicos magrebinos podem esperar asceder a novas fontes de financiamento e de abastecimento em material, assim como a um know-how técnico, os quais irão torná-los muito mais perigosos. O outro risco que esta aliança traz é o de que os novos "detentores da franquia" da Al Qaeda ampliem o seu campo de atividade e privilegiem alvos europeus ou anglo-saxônicos nos países do Magreb ou próximos desta região. Até hoje, os temores se revelaram desnecessários. Nenhuma conexão de financiamento ou de abastecimento em armas que conduziria ao Oriente Médio chegou a ser desmantelada no Magreb. E nenhum atentado recente na África do Norte foi dirigido contra um alvo ocidental. Os fatos também desmentiram aqueles que temem ver os militantes islâmicos argelinos, marroquinos ou tunisianos unirem as suas forças. A cooperação ainda é embrionária, mesmo se um grupo terrorista foi desmantelado na Mauritânia, no qual atuavam juntos três marroquinos, um mauritano e um saudita. Cada um desses grupos prefere atuar por conta própria e ignora o seu vizinho, mesmo que isso signifique lançar mão de uma capacidade de improvisar. Uma prova disso foi o comportamento suicida do grupo de kamikazes que foi desmantelado na primavera em Casablanca pelos serviços de segurança marroquinos. Cercados pela polícia, os jovens jihadistas se suicidaram, evitando provocar outras vítimas colaterais.
Mas a "Internacional jihadista" está operando muito mais na direção inversa. Os militantes islâmicos magrebinos partem para o Iraque e, numa proporção menor, para a Somália. Esta movimentação é muito mais intensa do que a ajuda e os conselhos que eles chegam a receber do exterior. "Para todos os jihadistas, a prioridade atual é o Iraque, e não o Magreb", observa Fernando Reinares, um especialista do islamismo no Real Instituto Elcano de Madrid. "As ações internas não constituem uma prioridade para os militantes islâmicos magrebinos. A conexão marroquina, por exemplo, está atuando no sentido de recrutar homens para operações externas ao reino. Assim, mais de cem marroquinos foram localizados no Iraque. Em sua maioria, eles são executores; de certa forma, são soldados recrutados na população magrebina tal como o exército francês fazia durante a época colonial", confirmou um universitário marroquino, Mohamed El Ayadi, por ocasião de um colóquio do Instituto Francês das Relações Internacionais, em Paris.
Mesmo se nada tangível até agora veio dar força à idéia de que a Al Qaeda e a sua organização estão no processo de se disseminar no Magreb, a idéia permanece viva. Ela serve de instrumento para os atores, qualquer que seja o campo ao qual eles pertencem. Os Estados Unidos usam-na como argumento para legitimar as justificativas e as razões do seu combate contra o terrorismo internacional. Aos regimes marroquino, argelino e tunisiano, ela permite desenvolver um aparelho de manutenção da segurança, além de um arsenal repressivo que escandaliza os defensores dos direitos humanos. Por fim, ao exportar o seu selo, a Al Qaeda desponta aos olhos dos seus simpatizantes como o adversário único dos cruzados, os ocidentais.
Tradução: Jean-Yves de Neufville