07/06/2007
A conquista inexorável da Cidade Antiga de Jerusalém pelos colonos israelenses continua
Para desalojar os muçulmanos e os cristãos, eles distorcem textos de leis, produzem falsos documentos e contam com juízes corruptos
Benjamin Barthe
Correspondente em Jerusalém
Para Ismail Mohammed, um homem baixinho cuja testa está franzida pelas preocupações, a História não se cansa de gaguejar. Este ex-empregado de uma agência de turismo aposentado mora num conjunto de três dormitórios dotado de abóbadas e decrépito, situado logo acima do Muro das Lamentações e da esplanada das Mesquitas. De fato, ele está instalado numa dessas casinhas em forma de escada, um segredo arquitetônico como só a Cidade Antiga de Jerusalém é capaz de abrigar, meio gruta, meio poleiro. "Este é o lugar onde eu nasci e onde moro, junto com a minha mulher, os meus cinco filhos e a minha irmã", diz.
Em meados de maio, assim como ela faz todo ano há mais de quarenta anos, a família observa, a partir do pequeno pátio, as celebrações dos judeus religiosos que ali comparecem para celebrar a "reunificação" da sua "capital", gritando palavras de ordem como "Jerusalém é nossa!". Agendado neste ano para o dia 16 de maio no calendário hebraico, o aniversário corresponde ao dia 7 de junho do calendário cristão, a data da conquista, em 1967, da parte oriental da cidade pelas tropas israelenses, um dos principais feitos ocorridos durante a guerra dos Seis Dias.
Nesta ocasião, que é também, para os palestinos, o símbolo do início da ocupação, Ismail Mohammed sempre se rememora a destruição do bairro dos Maghrebinos, sobre as ruínas do qual foi construído o atual bairro judeu. Vários milhares de muçulmanos e de cristãos foram expulsos para fora da Cidade Antiga, no que se pareceu muito com uma repetição da expulsão da comunidade judaica pela Legião Árabe da Transjordânia em 1948. "Eu sempre me recordo do barulho das máquinas escavadoras", diz Ismail Mohammed. "No rádio, Moshe Dayan [o então ministro da Defesa] dizia que ele queria fazer a paz e, enquanto isso, diante dos meus olhos, as casas dos meus vizinhos estavam sendo derrubadas".
A recordação é tanto mais dolorosa para o idoso que, quarenta anos mais tarde, um destina similar paira sobre eles e seus familiares. Há alguns meses, ele recebeu uma chamada da polícia que lhe anunciou que a sua presença na casa era ilegal na medida em que ele a havia vendido. Estupefato, Ismail correu até a delegacia e recebeu das mãos do delegado principal um ato de venda supostamente assinado por ele, em benefício de outro palestino. Tratava-se de uma falsificação, acusa ele, na qual um colaborador atuou no papel de "laranja".
"As organizações de colonos, dentre as quais se destaca a Ateret Cohanim, estão acostumadas a tramar este tipo de maquinações", confirma Ziad Al-Hamouri, um advogado de Jerusalém. "Elas apostam na complacência de certos juízes, e na facilidade com que se pode aprontar essas artimanhas, que é permitida pela lei dos Ausentes [um texto de 1950 que coloca sob a tutela do Estado todos os bens dos seus antigos proprietários que fugiram durante a primeira guerra árabe-israelense, em 1948], ou ainda, ele se aproveitam do fato de que as suas vítimas não têm os meios necessários para suportar os custos de um processo judiciário, o qual vai sendo prorrogado enquanto for preciso".
"Nós compramos tudo"
Com a sua aposentadoria de 1.600 shekels (cerca de R$ 760) e as sete pessoas que dependem dos seus recursos, Ismail Mohammed já sabe que ele não poderá resistir por muito tempo. "Os israelenses querem que Jerusalém seja unificada, mas eles querem acima de tudo que ela seja povoada apenas por judeus. A celebração da vitória de 1967 equivale à celebração de um assalto. Jerusalém não pertence aos israelenses. Ela pertence às três religiões. Aquele que se recusa a admitir essa evidência incentiva os povos a fazerem a guerra".
Estimulada durante os anos 1980 por Ariel Sharon, então ministro das infra-estruturas, a silenciosa ofensiva dos colonos fez com que eles se tornassem proprietários e passassem a tomar conta de várias dezenas de edifícios dentro dos bairros árabes da Cidade Antiga, onde residem atualmente cerca de 80 famílias. No início dos anos 1990, essas investidas tiveram o seu ritmo diminuído com a publicação de um inquérito oficial, o relatório Klugman, que revelou de qual maneira os agentes de Ateret Cohanim haviam embolsado discretamente mais de US$ 8 milhões, quantias essas que pertenciam ao erário público.
Segundo informa a organização israelense A Paz Agora, no entanto, a passagem de Ariel Sharon pelo cargo de primeiro-ministro entre 2001 e 2005 despertou novamente o seu apetite. "Nós compramos tudo; nós estamos comprando em todo lugar", gaba-se Arieh King, um desses discretos investigadores que, todos os dias espreitam novas presas nas vielas estreitas do bairro muçulmano. "Se eu tivesse todo o dinheiro que eu quisesse, eu poderia mudar a demografia da Cidade Antiga num piscar de olho. O objetivo é de impedir a criação de um Estado palestino que teria Jerusalém como capital".
Abu Walid Dajani, um elegante sexagenário de fino bigode, conhece este perigo melhor do que ninguém. O hotel Imperial que ele gerencia perto da Porta de Jaffa, a entrada oficial da Cidade Antiga, poderia cair muito em breve dentro das redes dos ultranacionalistas. Em 18 de março de 2005, a imprensa israelense revelou que, por intermédio do tesoureiro corrupto do patriarcado ortodoxo, que é o proprietário do lugar, Ateret Cohanim havia se apossado deste edifício impregnado de história, assim como do Petra, um hotel vizinho.
Desde aquele dia funesto, o estabelecimento segue funcionando como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, Abu Walid está aguardando: "Diferentemente do que chegamos a acreditar, parece que a transação não foi finalizada por completo". Segundo o jornal diário "Haaretz", as autoridades israelenses teriam empreendido uma discreta luta interna com Theóphilos, um sucessor do patriarca Irenéos, que foi obrigado a se demitir por causa do escândalo. Caso ele quiser obter o reconhecimento do Estado judeu, uma estampilha indispensável para o seu poder, Theóphilos precisa rubricar o ato de venda.
"Daqui para frente, a Cidade Antiga está submetida à lei da selva", lamenta Abu Walid Dajani. "A ocupação fez com que tudo apodrecesse. Se dentro de um mês, ou de um ano, os colonos se instalarem na recepção e me puserem para fora, então Jerusalém estará acabada".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
A conquista inexorável da Cidade Antiga de Jerusalém pelos colonos israelenses continua
Para desalojar os muçulmanos e os cristãos, eles distorcem textos de leis, produzem falsos documentos e contam com juízes corruptos
Benjamin Barthe
Correspondente em Jerusalém
Para Ismail Mohammed, um homem baixinho cuja testa está franzida pelas preocupações, a História não se cansa de gaguejar. Este ex-empregado de uma agência de turismo aposentado mora num conjunto de três dormitórios dotado de abóbadas e decrépito, situado logo acima do Muro das Lamentações e da esplanada das Mesquitas. De fato, ele está instalado numa dessas casinhas em forma de escada, um segredo arquitetônico como só a Cidade Antiga de Jerusalém é capaz de abrigar, meio gruta, meio poleiro. "Este é o lugar onde eu nasci e onde moro, junto com a minha mulher, os meus cinco filhos e a minha irmã", diz.
Em meados de maio, assim como ela faz todo ano há mais de quarenta anos, a família observa, a partir do pequeno pátio, as celebrações dos judeus religiosos que ali comparecem para celebrar a "reunificação" da sua "capital", gritando palavras de ordem como "Jerusalém é nossa!". Agendado neste ano para o dia 16 de maio no calendário hebraico, o aniversário corresponde ao dia 7 de junho do calendário cristão, a data da conquista, em 1967, da parte oriental da cidade pelas tropas israelenses, um dos principais feitos ocorridos durante a guerra dos Seis Dias.
Nesta ocasião, que é também, para os palestinos, o símbolo do início da ocupação, Ismail Mohammed sempre se rememora a destruição do bairro dos Maghrebinos, sobre as ruínas do qual foi construído o atual bairro judeu. Vários milhares de muçulmanos e de cristãos foram expulsos para fora da Cidade Antiga, no que se pareceu muito com uma repetição da expulsão da comunidade judaica pela Legião Árabe da Transjordânia em 1948. "Eu sempre me recordo do barulho das máquinas escavadoras", diz Ismail Mohammed. "No rádio, Moshe Dayan [o então ministro da Defesa] dizia que ele queria fazer a paz e, enquanto isso, diante dos meus olhos, as casas dos meus vizinhos estavam sendo derrubadas".
A recordação é tanto mais dolorosa para o idoso que, quarenta anos mais tarde, um destina similar paira sobre eles e seus familiares. Há alguns meses, ele recebeu uma chamada da polícia que lhe anunciou que a sua presença na casa era ilegal na medida em que ele a havia vendido. Estupefato, Ismail correu até a delegacia e recebeu das mãos do delegado principal um ato de venda supostamente assinado por ele, em benefício de outro palestino. Tratava-se de uma falsificação, acusa ele, na qual um colaborador atuou no papel de "laranja".
"As organizações de colonos, dentre as quais se destaca a Ateret Cohanim, estão acostumadas a tramar este tipo de maquinações", confirma Ziad Al-Hamouri, um advogado de Jerusalém. "Elas apostam na complacência de certos juízes, e na facilidade com que se pode aprontar essas artimanhas, que é permitida pela lei dos Ausentes [um texto de 1950 que coloca sob a tutela do Estado todos os bens dos seus antigos proprietários que fugiram durante a primeira guerra árabe-israelense, em 1948], ou ainda, ele se aproveitam do fato de que as suas vítimas não têm os meios necessários para suportar os custos de um processo judiciário, o qual vai sendo prorrogado enquanto for preciso".
"Nós compramos tudo"
Com a sua aposentadoria de 1.600 shekels (cerca de R$ 760) e as sete pessoas que dependem dos seus recursos, Ismail Mohammed já sabe que ele não poderá resistir por muito tempo. "Os israelenses querem que Jerusalém seja unificada, mas eles querem acima de tudo que ela seja povoada apenas por judeus. A celebração da vitória de 1967 equivale à celebração de um assalto. Jerusalém não pertence aos israelenses. Ela pertence às três religiões. Aquele que se recusa a admitir essa evidência incentiva os povos a fazerem a guerra".
Estimulada durante os anos 1980 por Ariel Sharon, então ministro das infra-estruturas, a silenciosa ofensiva dos colonos fez com que eles se tornassem proprietários e passassem a tomar conta de várias dezenas de edifícios dentro dos bairros árabes da Cidade Antiga, onde residem atualmente cerca de 80 famílias. No início dos anos 1990, essas investidas tiveram o seu ritmo diminuído com a publicação de um inquérito oficial, o relatório Klugman, que revelou de qual maneira os agentes de Ateret Cohanim haviam embolsado discretamente mais de US$ 8 milhões, quantias essas que pertenciam ao erário público.
Segundo informa a organização israelense A Paz Agora, no entanto, a passagem de Ariel Sharon pelo cargo de primeiro-ministro entre 2001 e 2005 despertou novamente o seu apetite. "Nós compramos tudo; nós estamos comprando em todo lugar", gaba-se Arieh King, um desses discretos investigadores que, todos os dias espreitam novas presas nas vielas estreitas do bairro muçulmano. "Se eu tivesse todo o dinheiro que eu quisesse, eu poderia mudar a demografia da Cidade Antiga num piscar de olho. O objetivo é de impedir a criação de um Estado palestino que teria Jerusalém como capital".
Abu Walid Dajani, um elegante sexagenário de fino bigode, conhece este perigo melhor do que ninguém. O hotel Imperial que ele gerencia perto da Porta de Jaffa, a entrada oficial da Cidade Antiga, poderia cair muito em breve dentro das redes dos ultranacionalistas. Em 18 de março de 2005, a imprensa israelense revelou que, por intermédio do tesoureiro corrupto do patriarcado ortodoxo, que é o proprietário do lugar, Ateret Cohanim havia se apossado deste edifício impregnado de história, assim como do Petra, um hotel vizinho.
Desde aquele dia funesto, o estabelecimento segue funcionando como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, Abu Walid está aguardando: "Diferentemente do que chegamos a acreditar, parece que a transação não foi finalizada por completo". Segundo o jornal diário "Haaretz", as autoridades israelenses teriam empreendido uma discreta luta interna com Theóphilos, um sucessor do patriarca Irenéos, que foi obrigado a se demitir por causa do escândalo. Caso ele quiser obter o reconhecimento do Estado judeu, uma estampilha indispensável para o seu poder, Theóphilos precisa rubricar o ato de venda.
"Daqui para frente, a Cidade Antiga está submetida à lei da selva", lamenta Abu Walid Dajani. "A ocupação fez com que tudo apodrecesse. Se dentro de um mês, ou de um ano, os colonos se instalarem na recepção e me puserem para fora, então Jerusalém estará acabada".
Tradução: Jean-Yves de Neufville