O Ato de Escutar
O capítulo 10 do Levítico nos proporciona um exemplo extraordinário de crescimento humano. No início da parashá, Moisés exercita sua liderança ao supervisionar a ordenação de Aarão e seus filhos, bem como os sacrifícios pelos quais eles são responsáveis. As energias de Moisés são focalizadas em assegurar que são seguidos os comandos que ele recebeu de Deus. Quando os filhos de Aarão oferecem "fogo estranho" e morrem por um fogo que Deus envia para consumi-los, Moisés responde como um líder cuja intenção é compartilhar a sua própria perspectiva e entendimento. Ele toma a morte súbita deles e a transforma em uma lição para Aarão — e, por extensão, para todo o povo (Levítico 10:1-3). Ao longo da primeira parte deste capítulo, nem Aarão nem o povo desafiam as orientações ou interpretações de Moisés.
Após a visão aterrorizante das mortes de seus filhos, e depois de ouvir as palavras de Moisés, Aarão fica calado. Em silêncio, ele ouve as instruções de Moisés sobre como deve ser o seu luto. Em silêncio, ele assiste os corpos dos seus filhos serem removidos do santuário. A voz de Moisés continua dirigindo a ação. Quando os sacrifícios estão sendo completados, Aarão não participa deles, conforme ele, o sumo sacerdote, havia sido ordenado por Deus. Enraivecido, Moisés reprova Aarão por não seguir o ritual tal como está proscrito (Levítico 10:16-18).
Aarão escuta o castigo de Moisés e conclui que o irmão assumiu conclusões incorretas sobre ele e seus motivos. Em vez de reagir mudando o seu comportamento ou se desculpando, Aarão opta por esclarecer ao irmão os fatores que levou em conta ao tomar a sua decisão. Aarão quebra o seu padrão de complacência com todas as orientações de Moisés — e fala. Ele diz: " Eis que hoje ofereceram seu sacrifício de pecado e sua oferta de elevação diante do Eterno; e me aconteceram tais coisas. Se eu tivesse comido do sacrifício do pecado do dia, agradaria aos olhos do Eterno?" (Levítico 10:19).
As palavras de Aarão deixam claro que a sua decisão de não participar do sacrifício não fora um lapso da sua parte. Embora bem ciente da ordem, ele também enfrentava um dilema. Aarão queria agir de um modo agradável a Deus, mas o resultado futuro desta ação não estava claro. Sim, como sumo sacerdote, ele recebera ordens de participar do sacrifício. Mas, como um enlutado, que era o modo como mais se sentia emocionalmente, ele não podia comer. Ao voltar-se para seu irmão, Moisés, esperando compreensão, Aarão sublinha como o seu desejo de agradar a Deus — para agir de forma que recebesse a Sua aprovação — guiara a sua decisão e a ação (ou, neste caso, inação) subseqüente. Aarão esperava que a sua escolha o fizesse subir no conceito de Deus.
O capítulo termina com o versículo seguinte, Levítico 10:20, que é curto mas aberto a uma variedade de interpretações. Começa com as palavras: "E Moisés escutou...". De repente, o homem que costuma dar ordens, falando e dirigindo as ações dos demais, agora está calado. Ele está escutando: escutando o seu irmão, escutando a experiência e voltado para a perspectiva do seu irmão. E por este ato de escutar, escutar de verdade, Moisés entende que as suas suposições estavam incorretas. Ele entende que enquanto ele só havia podido ver uma opção, Aarão havia visto outras. Ao escutar, Moisés torna-se capaz de se mover de uma posição de julgamento severo — encarando Aarão e suas ações desfavoravelmente — para uma posição de compreensão da decisão e aceitação das escolhas do seu irmão.
A capacidade de Moisés de mudar e crescer é indicada na segunda metade do versículo, que não se presta a uma tradução fácil. O seu uso de um pronome masculino indefinido na frase veiitáv beenáv pode ser traduzido como: "E ele [Aarão] ou esta [a decisão] era agradável sob o ponto de vista de Moisés"; ou "Ele [o Moisés] aprovara ele [Aarão] ou a sua ação"; ou "Ele [Aarão] ou a sua ação subiu na estima de Moisés". Independente de como esta frase é traduzida, Moisés vem a entender o comportamento e a motivação do seu irmão de um modo novo. Ele é capaz de mudar a sua perspectiva e, com isso, a sua reação emocional. Ele não só aceita e aprova o que o seu irmão fez, mas também muda o seu julgamento de valor.
Escutar, escutar de verdade, é uma atividade realmente exigente e complexa, que oferece ao ouvinte uma oportunidade de crescimento. Quando escutamos alguém verdadeiramente, quando não ouvimos somente as palavras, mas também a importância delas para o orador em um nível emocional, nós nos transformamos. Em outras palavras, nós ficamos cara a cara com quem nós somos e com as suposições e julgamentos que carregamos dentro de nós. E assim como Moisés, quando escutamos, descobrimos que, no final, somos nós que mudamos. Somos nós que nos beneficiamos da oportunidade de renovar a nossa impressão de alguém a quem julgamos severamente no passado. Somos nós que podemos nos mover de modo que os outros e suas ações possam "subir no nosso conceito" e" "agradarem" aos nossos olhos.
Rabina Nancy H. Wiener, diretora clínica do Centro Jacob e Hilda Blaustein para Aconselhamento Pastoral e professora adjunta de Pastoral Care and Counselling do Hebrew Union College– Jewish Institute of Religion (HUC-JIR), na cidade de Nova York. Ela também é rabina da Pound Ridge Jewish Community, uma chavurá reformista, em Pound Ridge, Nova York.
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Tradução: Uri Lam