Os terroristas estão aqui?
ESPECIAIS
A segurança de Mohamed Tarabain Chamas intimida. Para chegar à sala dele, é preciso ultrapassar uma barreira de homens armados com pistolas e escopetas - ÉPOCA contou dez pelo caminho. Nem parece que vamos ao encontro de um negociante, o administrador da Galeria Pagé, prédio comercial de cinco andares e 165 lojas no centro de Ciudad del Este, cidade paraguaia vizinha a Foz do Iguaçu. Pode-se argumentar que a segurança ostensiva é comum nos centros de compra paraguaios. Para quem acabou de chegar do Brasil, o cenário parece dar razão ao governo dos Estados Unidos, país onde Chamas está proibido de entrar. Ele é acusado pelas autoridades americanas de ser responsável pela contra-informação da organização islâmica libanesa Hezbollah - o Partido de Deus - na região que separa Brasil, Paraguai e Argentina, mais conhecida como Tríplice Fronteira.
De acordo com o governo de Washington, a Galeria Pagé, administrada por Chamas, seria uma espécie de ninho do terror islâmico na região. De lá, Chamas faria contatos freqüentes com radicais islâmicos no Irã e no Líbano. Com voz baixa e pausada, Chamas tenta desfazer a má impressão assim que se chega a sua sala. Diz que seu esquema de segurança é proporcional à ineficácia da polícia local. "Temos de dar segurança aos lojistas. Trabalhamos com mercadorias. O dinheiro circula", afirma. Ele e outros oito muçulmanos radicados no Brasil e no Paraguai são acusados pelo governo dos EUA de financiar o terror islâmico. O nome deles aparece em um relatório do Departamento do Tesouro americano, entregue em dezembro do ano passado a autoridades brasileiras, paraguaias e argentinas. De acordo com o documento, Chamas e os demais suspeitos levantariam dinheiro por meio do contrabando, do tráfico de drogas e de armas, da falsificação de dólares e de passaportes. O lucro desses crimes ajudaria a bancar as atividades de grupos terroristas do Oriente Médio.
A Tríplice Fronteira é ponto de entrada de contrabando, pirataria, armas e drogas |
Há muito tempo Washington encara com desconfiança as comunidades muçulmanas de Foz do Iguaçu e de Ciudad del Este e tenta convencer os governos da região de que o terror não é coisa de outro continente. Até hoje não se descobriu nenhuma célula terrorista na Tríplice Fronteira. Ela seria, segundo os americanos, um refúgio para terroristas procurados, onde eles encontrariam abrigo e conseguiriam documentos falsos para viajar. Também seria um dos centros de coleta de recursos para financiar grupos radicais como o Hezbollah, organização fundada em 1982 para resistir à ocupação israelense do Líbano e considerada terrorista pelo governo de países como Estados Unidos ou Inglaterra - o Brasil considera o Hezbollah um partido político e um movimento de resistência. As suspeitas de presença de terroristas na Tríplice Fronteira envolvem não apenas o Hezbollah, mas também organizações como a Irmandade Muçulmana egípcia e até mesmo a Al Qaeda, rede comandada por Osama Bin Laden, que assumiu a responsabilidade pelo ataque às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001.
Sabe-se que, em 1995, Khalid Shaikh Mohammed, um dos mentores dos ataques de 11 de setembro, passou cerca de 20 dias no Brasil para visitar integrantes da comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu. Lá, teria ajudado a fundar uma entidade beneficente que seria financiadora da Al Qaeda. Capturado no Paquistão, hoje ele está preso na base americana de Guantánamo, vizinha a Cuba. Em 1996, a polícia brasileira descobriu que o libanês Marwan Al Safadi, perito em explosivos acusado de participar em 1993 do primeiro atentado ao World Trade Center, em Nova York, vivia em Foz do Iguaçu. De lá, Safadi fugiu para o Paraguai, onde foi preso e depois extraditado para os EUA.
CATIVEIRO Mohamad Fayez Barakat, segundo os eua, faz parte da rede de financiamento do Hezbollah. na semana passada, o comerciante foi seqüestrado |
Esse tipo de história mostra por que a questão da Tríplice Fronteira foi um dos itens mais sensíveis na agenda da visita do presidente George W. Bush ao Brasil durante a semana passada. Não estava na pauta pública, dominada pelo etanol e pela busca de um acordo energético na área de biocombustíveis. Era, porém, um tema fundamental nas conversas reservadas entre diplomatas dos dois países. A Tríplice Fronteira tornou-se foco das preocupações dosEUA depois dos ataques de 11 de setembro. A posição do governo brasileiro - invariável sob Lula ou Fernando Henrique Cardoso - tem sido negar a presença na região de terroristas e a existência de uma rede de financiamento ilegal de grupos extremistas. As polícias brasileira, argentina e paraguaia acompanham a movimentação de imigrantes muçulmanos na região desde que a Embaixada de Israel em Buenos Aires foi alvejada por um carro-bomba, em 1992, num atentado que matou 29 pessoas e feriu mais de cem. Imaginava-se, na época, que na Argentina já havia uma rede terrorista articulada, fato confirmado dois anos depois num segundo atentado em Buenos Aires, contra a Associação Mutual Israelita Argentina, que provocou a morte de 86 pessoas. Autoridades argentinas já afirmaram publicamente ter indícios de que os responsáveis pelos dois atentados tenham entrado no país pela região da Tríplice Fronteira.
E o Brasil? Estará livre de tragédias desse tipo? As acusações das autoridades americanas fazem algum sentido ou são pura fantasia, movidas apenas pelos interesses geopolíticos dos EUA no Oriente Médio? É verdade que o governo americano está naturalmente inclinado a potencializar o risco de terror em todo o mundo, por isso essas acusações devem ser vistas com cautela. Também é justificável a preocupação do Brasil em evitar a demonização de uma região e de uma comunidade de cerca de 700 mil pessoas, formada em sua maioria por gente respeitável. Mas até que ponto, ao crer que o Brasil seria um porto seguro livre de atentados, não estamos sendo ingênuos?
Para responder a essa pergunta, ÉPOCA conversou nas últimas três semanas com autoridades brasileiras, paraguaias e americanas sobre a suposta presença de bases de apoio ao extremismo islâmico na Tríplice Fronteira. Procurou os nove homens citados no relatório do Tesouro americano, seus parentes e amigos para discutir as denúncias contra eles (leia o quadro na sequência da matéria).
Chamas, o administrador da Galeria Pagé, aparenta tranqüilidade quando comenta as acusações. Recebeu ÉPOCA para conversar e aceitou posar para fotos montado em sua moto. Afirmou não ter nada a esconder. Disse ser um cidadão típico da comunidade árabe. Sobre sua mesa de trabalho, um exemplar do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, um aparelho de fax, um telefone fixo, o celular e um computador. Um monitor de vídeo reproduz as imagens do circuito interno de TV da Galeria Pagé. Na sala de reuniões ao lado, há uma máquina de café e uma TV de 29 polegadas geralmente sintonizada nos canais de notícias árabes Al Jazeera e Sirian Channel.
Nascido no Paraguai, Chamas afirma ter vindo com 1 mês de vida para o Brasil, onde se naturalizou. Conta que estudou em colégio católico até os 12 anos, quando a mãe decidiu mandá-lo ao Líbano para adquirir costumes muçulmanos. Foram dois anos de idas e vindas até ele estabelecer-se na Tríplice Fronteira. Chamas diz ser formado em Administração e afirma que trabalhou na loja de calçados do pai em Foz do Iguaçu, até assumir a administração da Galeria Pagé, há 18 anos. Fluente em português, árabe e guarani, ele diz falar os idiomas estrangeiros somente no horário de trabalho. "Nos fins de semana, só converso em português", afirma.
Os terroristas estão aqui?
ESPECIAIS
A segurança de Mohamed Tarabain Chamas intimida. Para chegar à sala dele, é preciso ultrapassar uma barreira de homens armados com pistolas e escopetas - ÉPOCA contou dez pelo caminho. Nem parece que vamos ao encontro de um negociante, o administrador da Galeria Pagé, prédio comercial de cinco andares e 165 lojas no centro de Ciudad del Este, cidade paraguaia vizinha a Foz do Iguaçu. Pode-se argumentar que a segurança ostensiva é comum nos centros de compra paraguaios. Para quem acabou de chegar do Brasil, o cenário parece dar razão ao governo dos Estados Unidos, país onde Chamas está proibido de entrar. Ele é acusado pelas autoridades americanas de ser responsável pela contra-informação da organização islâmica libanesa Hezbollah - o Partido de Deus - na região que separa Brasil, Paraguai e Argentina, mais conhecida como Tríplice Fronteira.
De acordo com o governo de Washington, a Galeria Pagé, administrada por Chamas, seria uma espécie de ninho do terror islâmico na região. De lá, Chamas faria contatos freqüentes com radicais islâmicos no Irã e no Líbano. Com voz baixa e pausada, Chamas tenta desfazer a má impressão assim que se chega a sua sala. Diz que seu esquema de segurança é proporcional à ineficácia da polícia local. "Temos de dar segurança aos lojistas. Trabalhamos com mercadorias. O dinheiro circula", afirma. Ele e outros oito muçulmanos radicados no Brasil e no Paraguai são acusados pelo governo dos EUA de financiar o terror islâmico. O nome deles aparece em um relatório do Departamento do Tesouro americano, entregue em dezembro do ano passado a autoridades brasileiras, paraguaias e argentinas. De acordo com o documento, Chamas e os demais suspeitos levantariam dinheiro por meio do contrabando, do tráfico de drogas e de armas, da falsificação de dólares e de passaportes. O lucro desses crimes ajudaria a bancar as atividades de grupos terroristas do Oriente Médio.
A Tríplice Fronteira é ponto de entrada de contrabando, pirataria, armas e drogas |
Há muito tempo Washington encara com desconfiança as comunidades muçulmanas de Foz do Iguaçu e de Ciudad del Este e tenta convencer os governos da região de que o terror não é coisa de outro continente. Até hoje não se descobriu nenhuma célula terrorista na Tríplice Fronteira. Ela seria, segundo os americanos, um refúgio para terroristas procurados, onde eles encontrariam abrigo e conseguiriam documentos falsos para viajar. Também seria um dos centros de coleta de recursos para financiar grupos radicais como o Hezbollah, organização fundada em 1982 para resistir à ocupação israelense do Líbano e considerada terrorista pelo governo de países como Estados Unidos ou Inglaterra - o Brasil considera o Hezbollah um partido político e um movimento de resistência. As suspeitas de presença de terroristas na Tríplice Fronteira envolvem não apenas o Hezbollah, mas também organizações como a Irmandade Muçulmana egípcia e até mesmo a Al Qaeda, rede comandada por Osama Bin Laden, que assumiu a responsabilidade pelo ataque às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001.
Sabe-se que, em 1995, Khalid Shaikh Mohammed, um dos mentores dos ataques de 11 de setembro, passou cerca de 20 dias no Brasil para visitar integrantes da comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu. Lá, teria ajudado a fundar uma entidade beneficente que seria financiadora da Al Qaeda. Capturado no Paquistão, hoje ele está preso na base americana de Guantánamo, vizinha a Cuba. Em 1996, a polícia brasileira descobriu que o libanês Marwan Al Safadi, perito em explosivos acusado de participar em 1993 do primeiro atentado ao World Trade Center, em Nova York, vivia em Foz do Iguaçu. De lá, Safadi fugiu para o Paraguai, onde foi preso e depois extraditado para os EUA.
CATIVEIRO Mohamad Fayez Barakat, segundo os eua, faz parte da rede de financiamento do Hezbollah. na semana passada, o comerciante foi seqüestrado |
Esse tipo de história mostra por que a questão da Tríplice Fronteira foi um dos itens mais sensíveis na agenda da visita do presidente George W. Bush ao Brasil durante a semana passada. Não estava na pauta pública, dominada pelo etanol e pela busca de um acordo energético na área de biocombustíveis. Era, porém, um tema fundamental nas conversas reservadas entre diplomatas dos dois países. A Tríplice Fronteira tornou-se foco das preocupações dosEUA depois dos ataques de 11 de setembro. A posição do governo brasileiro - invariável sob Lula ou Fernando Henrique Cardoso - tem sido negar a presença na região de terroristas e a existência de uma rede de financiamento ilegal de grupos extremistas. As polícias brasileira, argentina e paraguaia acompanham a movimentação de imigrantes muçulmanos na região desde que a Embaixada de Israel em Buenos Aires foi alvejada por um carro-bomba, em 1992, num atentado que matou 29 pessoas e feriu mais de cem. Imaginava-se, na época, que na Argentina já havia uma rede terrorista articulada, fato confirmado dois anos depois num segundo atentado em Buenos Aires, contra a Associação Mutual Israelita Argentina, que provocou a morte de 86 pessoas. Autoridades argentinas já afirmaram publicamente ter indícios de que os responsáveis pelos dois atentados tenham entrado no país pela região da Tríplice Fronteira.
E o Brasil? Estará livre de tragédias desse tipo? As acusações das autoridades americanas fazem algum sentido ou são pura fantasia, movidas apenas pelos interesses geopolíticos dos EUA no Oriente Médio? É verdade que o governo americano está naturalmente inclinado a potencializar o risco de terror em todo o mundo, por isso essas acusações devem ser vistas com cautela. Também é justificável a preocupação do Brasil em evitar a demonização de uma região e de uma comunidade de cerca de 700 mil pessoas, formada em sua maioria por gente respeitável. Mas até que ponto, ao crer que o Brasil seria um porto seguro livre de atentados, não estamos sendo ingênuos?
Para responder a essa pergunta, ÉPOCA conversou nas últimas três semanas com autoridades brasileiras, paraguaias e americanas sobre a suposta presença de bases de apoio ao extremismo islâmico na Tríplice Fronteira. Procurou os nove homens citados no relatório do Tesouro americano, seus parentes e amigos para discutir as denúncias contra eles (leia o quadro na sequência da matéria).
Chamas, o administrador da Galeria Pagé, aparenta tranqüilidade quando comenta as acusações. Recebeu ÉPOCA para conversar e aceitou posar para fotos montado em sua moto. Afirmou não ter nada a esconder. Disse ser um cidadão típico da comunidade árabe. Sobre sua mesa de trabalho, um exemplar do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, um aparelho de fax, um telefone fixo, o celular e um computador. Um monitor de vídeo reproduz as imagens do circuito interno de TV da Galeria Pagé. Na sala de reuniões ao lado, há uma máquina de café e uma TV de 29 polegadas geralmente sintonizada nos canais de notícias árabes Al Jazeera e Sirian Channel.
Nascido no Paraguai, Chamas afirma ter vindo com 1 mês de vida para o Brasil, onde se naturalizou. Conta que estudou em colégio católico até os 12 anos, quando a mãe decidiu mandá-lo ao Líbano para adquirir costumes muçulmanos. Foram dois anos de idas e vindas até ele estabelecer-se na Tríplice Fronteira. Chamas diz ser formado em Administração e afirma que trabalhou na loja de calçados do pai em Foz do Iguaçu, até assumir a administração da Galeria Pagé, há 18 anos. Fluente em português, árabe e guarani, ele diz falar os idiomas estrangeiros somente no horário de trabalho. "Nos fins de semana, só converso em português", afirma.