Hora de ousadia americana na questão de israelenses e palestinos
Roger Cohen
O Congresso está rodando em círculos, estudando uma série de medidas simbólicas que registrariam sua desaprovação à forma como George W. Bush conduz a guerra no Iraque. Como são simbólicas, mesmo se aprovadas elas não farão muita diferença.
Enquanto isso, os democratas que agora controlam o Capitólio mostram pouca inclinação para debater um assunto relacionado, Israel e Palestina, onde uma mudança na política americana em um momento de fluidez poderia fazer uma importante diferença.
Israel defendeu a guerra no Iraque por acreditar que a derrubada de Saddam Hussein removeria um inimigo implacável, um importante financiador do terror palestino e um obstáculo para transformação do Oriente Médio em uma direção favorável.
Tudo isto é compreensível, mas quatro anos depois parece hora dos Estados Unidos se renderem e dizer: se estão falando sério sobre um Oriente Médio diferente pós-Saddam, nos mostrem que também falam sério sobre a solução do nexo dos problemas da região, o conflito entre israelenses e palestinos.
Os argumentos israelenses contra um envolvimento sério com os palestinos são conhecidos: não há interlocutor viável; falar com os terroristas do Hamas representaria uma pacificação ao estilo Chamberlain; a ideologia palestina continua tomada por correntes aniquilacionistas; o mergulho em parafuso em Gaza mostra que poço sem fundo um Estado palestino seria.
Isto representa um argumento vigoroso para a imobilidade. Por trás dele, é claro, se encontra um cálculo estratégico. Em Israel, política é freqüentemente guerra por outros meios. Colocando de forma franca, o cálculo é que não há ameaça a Israel por parte dos palestinos. E assim Israel pode estabelecer os termos de sua coexistência com, ou domínio dos, seus vizinhos.
"Desde 2000, não há interesse real no lado israelense de se chegar a um acordo com ninguém", disse Fred Lazin, professor de política da Universidade Ben Gurion, em Negev. "O Irã e talvez a Síria são vistos como ameaças sérias, mas não os palestinos."
Mas ameaças vêm em diferentes formas; feridas nacionais não são todas contadas em sangue. O terrorismo palestino teve um custo pesado sobre os israelenses desde o início deste século; um custo ainda maior foi imposto aos palestinos em troca. A questão incômoda retorna: o que estamos fazendo a estas pessoas no outro lado da cerca-muro-barreira, e como isto está relacionado aos ideais que inspiraram a criação deste Estado? As pessoas do outro lado da barreira tendem a ser desumanizadas -afinal, elas não são visíveis.
Mas mesmo assim os palestinos da Cisjordânia existem o suficiente para tocar a consciência. E, é claro, após 59 anos de conflito, eles não desaparecerão. Não há resposta séria a esta corrosão inexorável da alma israelense a não ser uma paz entre dois Estados. Ehud Olmert, o primeiro-ministro israelense, sabe disto, assim como Ariel Sharon pareceu ter descoberto em seus últimos anos no poder, mesmo querendo arrastar a decisão por anos, talvez décadas. Israel vive há quase seis décadas sem uma constituição ou fronteiras estáveis. Por que a pressa? Porque não há estase no Oriente Médio. As coisas infeccionam por trás da aparência de imobilidade. A demografia caminha a favor dos palestinos. Os árabes estão um pouco mais organizados como a pequena guerra no Líbano mostrou. E, mais importante, porque a guerra no Iraque criou possibilidades que não podem ser ignoradas.
Dois participantes centrais -israelenses e palestinos, judeus e árabes- foram substituídos por três: judeus, sunitas e xiitas. Ou, colocando de outra forma: Israel, árabes e o Irã. A guerra no Iraque favoreceu o Irã e os xiitas de forma exponencial e colocou representantes iranianos como o Hizbollah no cenário central.
Isto é uma ameaça a Israel. Mas em uma vizinhança onde o inimigo do meu inimigo é meu amigo, um triângulo é uma forma interessante. É uma carregada de possibilidades diplomáticas. Os Estados árabes moderados estão alarmados com a ascensão do Irã e suas ambições nucleares; eles podem ver a paz com Israel como uma forma de minar os mulás iranianos.
Este é o motivo dos sauditas terem intermediado um acordo entre o Hamas e o Fatah para formação de um novo governo palestino de coalizão, que "respeitará" os acordos anteriores com Israel. É o motivo para o embaixador saudita nos Estados Unidos, que está de saída, ter comparecido recentemente a um evento patrocinado por organizações judias americanas. Este também é o motivo para outros Estados do Golfo, incluindo o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, estarem sondando Israel.
Nada disto produzirá mudanças significativas sem um forte envolvimento americano. Condoleezza Rice, a secretária de Estado, mostrou recentemente sinais de maior envolvimento; as movimentações no Golfe ocorreram após sua recente visita à região. Ela está tentando fortalecer Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, antes das negociações da próxima semana entre ele e Olmert.
Estas negociações entre três partes terão maior chance de levar a algum lugar se Rice lembrar a Olmert o apoio de Israel à guerra no Iraque nestes termos: vocês queriam um Oriente Médio mais fluido, O.K., agora vamos fazer algo descente com isto.
Isto significa o fim de um apoio americano sem críticas a Israel, uma verdadeira pressão para persuadir Olmert a negociar com Abbas, ousadia suficiente para ir além dos detalhes até uma visão do que é necessário para transformar em realidade um Estado palestino. Também exige uma quebra dos tabus americanos pós-11 de Setembro, que rebaixaram o debate de Israel ao nível indecente (e paralisante) de "se você apoiar os palestinos, você apoiará os terroristas".
Lazin, o professor israelense de política, participou recentemente de um encontro do Comitê Judeu Americano em Nova York e disse que se escrevesse uma crítica favorável para o recente livro de Jimmy Carter, que compara algumas políticas israelenses ao apartheid, ele seria "banido como palestrante em muitos espaços judeus americanos".
O progresso no Oriente Médio exige abertura, debate e franqueza -sobre os palestinos e sobre Israel. Se o Congresso se cansar de gestos simbólicos em relação ao Iraque, ele poderia ser útil tratando disto.
Tradução: George El Khouri Andolfato