23/11/2006
ENTREVISTA: Shlomo Ben Ami, escritor e diplomata israelense "Com os palestinos não é preciso fazer amor, mas a paz"
Juan Cruz em Santiago
Shlomo Ben Ami, diplomata israelense, ex-ministro e vice-presidente do Centro Internacional de Toledo para a Paz, acredita que os EUA "não entendem nada" do que acontece no Oriente Médio e considera a guerra do Iraque "o erro" que melhor traduz essa ignorância. Em uma entrevista que deu na terça-feira (21/11) na Fundação Caixa Galicia, em Santiago, expôs seus pontos de vista sobre o chamado conflito de civilizações. Em uma conversa posterior com EL PAÍS, falou sobre a guerra que seu país mantém contra os palestinos.
"Com os palestinos, os israelenses não têm de fazer amor, mas a paz", diz Ben Ami, que acaba de publicar pela Ediciones B seu novo livro, "Cicatrices de Guerra, Heridas de Paz" [Cicatrizes de guerra, feridas de paz].
El País - É terrível viver no meio desse tormento. Agora, outra vez o Líbano.
Shlomo Ben Ami - Vivemos uma situação de instabilidade que vem de divisões históricas e que agora é estimulada pelas repercussões da guerra do Iraque, que foi um erro dos EUA. O que estamos vendo no Líbano é o precário equilíbrio interno da sociedade e do sistema político libanês e das forças que atuam de fora. E a guerra recente criou mais condições para a instabilidade. Tudo isso nos leva a esse tipo de assassinatos.
EP - O senhor diz que para os americanos a paz árabe-israelense não é uma prioridade.
Ben Ami - Pelo menos para o governo Bush. Sua prioridade foi o Oriente Médio mais amplo, a luta contra os países-vilões, como Irã e Iraque. Preocupou-se com a Coréia do Norte, a China... e a democratização do Irã e Iraque. Equivocaram-se. Acreditavam também que ao resolver esses grandes problemas criariam as condições para solucionar o conflito entre palestinos e israelenses. Mas a única coisa que criaram foi instabilidade e caos.
EP - A mudança nos EUA é um alívio?
Ben Ami - Minha impressão é que o atual governo israelense não queria que mudasse a política que foi aplicada até hoje pelos EUA. O primeiro-ministro Ehud Olmert pecou por indiscrição quando foi se encontrar com Bush e fez declarações que vão contra o estado de espírito que gerou a vitória democrata: disse que a guerra do Iraque tinha criado mais estabilidade na região. Quando todo mundo, incluindo Tony Blair, considera que essa guerra foi um erro! Talvez Olmert pense que não é bom mudar; mas há pessoas no governo - o ministro da Justiça, por exemplo - que dizem que Israel tem de iniciar negociações com a totalidade do mundo árabe, com base na proposta de paz árabe.
EP - A proposta espanhola serve para alguma coisa?
Ben Ami - Há um artigo meu no jornal "Haretz" desta quarta-feira em que digo que essa iniciativa vai no bom caminho. Não há possibilidade de negociações livres e abertas. Por isso toda iniciativa que venha da comunidade internacional e que seja bem articulada tem possibilidades. Na iniciativa franco-hispano-italiana há fatores que valorizo: a proposta de uma força de interposição em Gaza, a criação de uma conferência de paz. Mas isso deve ser feito com a cumplicidade americana. Se não aderirem, há poucas perspectivas. Israel não estudou suficientemente essas propostas, mas é óbvio que não entraria em uma conferência aberta. Haveria possibilidade se de antemão se decidissem quais são os parâmetros da paz. Não se deve deixá-los em aberto.
EP - E o que quer Israel?
Ben Ami - Posso dizer com conhecimento de causa que a grande maioria dos israelenses gostaria de ver uma solução de dois Estados. Intuo que uma solução de dois Estados também é a posição do povo árabe, do povo palestino. O problema é que os sistemas políticos não são capazes de traduzir esse anseio das populações em realidade política, o que dá ainda mais razão para iniciativas internacionais. As partes hoje são quase geneticamente incapazes de resolver o problema.
EP - Está pior para os palestinos, como o senhor mesmo diz.
Ben Ami - Isso é claro. Israel, com todas as suas dificuldades, é uma sociedade de modo geral estável, próspera, sua economia cresce com um dinamismo inegável... está muito menos mal do que os palestinos, é verdade.
EP - O senhor defende um diálogo político do Ocidente com o islã político, inclusive com o Hamas.
Ben Ami - A doutrina americana em torno da democratização é errada. Não é possível pensar em uma democratização do mundo árabe de acordo com parâmetros ocidentais. O que se está conseguindo é que os líderes sejam pró-ocidentais e as massas antiocidentais. As massas vêem o islã como uma alternativa à corrupção, à incompetência. Se o Ocidente não quer ser hipócrita e quer ter credibilidade, precisa fechar essa brecha entre as massas e os líderes e respeitar a democracia islâmica. É preciso respeitar os partidos que entram na política, porque representam as pessoas que querem bem-estar, trabalho... o Hamas não fará um reconhecimento explícito de Israel, mas há muitas coisas práticas que pode fazer com Israel fora das questões de princípio. Pode haver um espaço comum em torno do qual sentar-se para falar; é preciso criar o costume de trabalhar juntos.
EP - Mas há ódio.
Ben Ami - As situações de conflito criam ódio. Eu não creio que se deva fazer amor entre palestinos e israelenses. O que é preciso é fazer a paz. São coisas diferentes.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
ENTREVISTA: Shlomo Ben Ami, escritor e diplomata israelense "Com os palestinos não é preciso fazer amor, mas a paz"
Juan Cruz em Santiago
Shlomo Ben Ami, diplomata israelense, ex-ministro e vice-presidente do Centro Internacional de Toledo para a Paz, acredita que os EUA "não entendem nada" do que acontece no Oriente Médio e considera a guerra do Iraque "o erro" que melhor traduz essa ignorância. Em uma entrevista que deu na terça-feira (21/11) na Fundação Caixa Galicia, em Santiago, expôs seus pontos de vista sobre o chamado conflito de civilizações. Em uma conversa posterior com EL PAÍS, falou sobre a guerra que seu país mantém contra os palestinos.
"Com os palestinos, os israelenses não têm de fazer amor, mas a paz", diz Ben Ami, que acaba de publicar pela Ediciones B seu novo livro, "Cicatrices de Guerra, Heridas de Paz" [Cicatrizes de guerra, feridas de paz].
El País - É terrível viver no meio desse tormento. Agora, outra vez o Líbano.
Shlomo Ben Ami - Vivemos uma situação de instabilidade que vem de divisões históricas e que agora é estimulada pelas repercussões da guerra do Iraque, que foi um erro dos EUA. O que estamos vendo no Líbano é o precário equilíbrio interno da sociedade e do sistema político libanês e das forças que atuam de fora. E a guerra recente criou mais condições para a instabilidade. Tudo isso nos leva a esse tipo de assassinatos.
EP - O senhor diz que para os americanos a paz árabe-israelense não é uma prioridade.
Ben Ami - Pelo menos para o governo Bush. Sua prioridade foi o Oriente Médio mais amplo, a luta contra os países-vilões, como Irã e Iraque. Preocupou-se com a Coréia do Norte, a China... e a democratização do Irã e Iraque. Equivocaram-se. Acreditavam também que ao resolver esses grandes problemas criariam as condições para solucionar o conflito entre palestinos e israelenses. Mas a única coisa que criaram foi instabilidade e caos.
EP - A mudança nos EUA é um alívio?
Ben Ami - Minha impressão é que o atual governo israelense não queria que mudasse a política que foi aplicada até hoje pelos EUA. O primeiro-ministro Ehud Olmert pecou por indiscrição quando foi se encontrar com Bush e fez declarações que vão contra o estado de espírito que gerou a vitória democrata: disse que a guerra do Iraque tinha criado mais estabilidade na região. Quando todo mundo, incluindo Tony Blair, considera que essa guerra foi um erro! Talvez Olmert pense que não é bom mudar; mas há pessoas no governo - o ministro da Justiça, por exemplo - que dizem que Israel tem de iniciar negociações com a totalidade do mundo árabe, com base na proposta de paz árabe.
EP - A proposta espanhola serve para alguma coisa?
Ben Ami - Há um artigo meu no jornal "Haretz" desta quarta-feira em que digo que essa iniciativa vai no bom caminho. Não há possibilidade de negociações livres e abertas. Por isso toda iniciativa que venha da comunidade internacional e que seja bem articulada tem possibilidades. Na iniciativa franco-hispano-italiana há fatores que valorizo: a proposta de uma força de interposição em Gaza, a criação de uma conferência de paz. Mas isso deve ser feito com a cumplicidade americana. Se não aderirem, há poucas perspectivas. Israel não estudou suficientemente essas propostas, mas é óbvio que não entraria em uma conferência aberta. Haveria possibilidade se de antemão se decidissem quais são os parâmetros da paz. Não se deve deixá-los em aberto.
EP - E o que quer Israel?
Ben Ami - Posso dizer com conhecimento de causa que a grande maioria dos israelenses gostaria de ver uma solução de dois Estados. Intuo que uma solução de dois Estados também é a posição do povo árabe, do povo palestino. O problema é que os sistemas políticos não são capazes de traduzir esse anseio das populações em realidade política, o que dá ainda mais razão para iniciativas internacionais. As partes hoje são quase geneticamente incapazes de resolver o problema.
EP - Está pior para os palestinos, como o senhor mesmo diz.
Ben Ami - Isso é claro. Israel, com todas as suas dificuldades, é uma sociedade de modo geral estável, próspera, sua economia cresce com um dinamismo inegável... está muito menos mal do que os palestinos, é verdade.
EP - O senhor defende um diálogo político do Ocidente com o islã político, inclusive com o Hamas.
Ben Ami - A doutrina americana em torno da democratização é errada. Não é possível pensar em uma democratização do mundo árabe de acordo com parâmetros ocidentais. O que se está conseguindo é que os líderes sejam pró-ocidentais e as massas antiocidentais. As massas vêem o islã como uma alternativa à corrupção, à incompetência. Se o Ocidente não quer ser hipócrita e quer ter credibilidade, precisa fechar essa brecha entre as massas e os líderes e respeitar a democracia islâmica. É preciso respeitar os partidos que entram na política, porque representam as pessoas que querem bem-estar, trabalho... o Hamas não fará um reconhecimento explícito de Israel, mas há muitas coisas práticas que pode fazer com Israel fora das questões de princípio. Pode haver um espaço comum em torno do qual sentar-se para falar; é preciso criar o costume de trabalhar juntos.
EP - Mas há ódio.
Ben Ami - As situações de conflito criam ódio. Eu não creio que se deva fazer amor entre palestinos e israelenses. O que é preciso é fazer a paz. São coisas diferentes.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves