A Resposta de Dom Isaac Abravanel ao Édito de Expulsão
Vossa Majestade, Abraham Sênior e eu agradecemos-vos por essa oportunidade de fazer nossa última declaração em favor da comunidade judaica que representamos. Condes, duques e marqueses da corte, cavaleiros e damas (...), não há grande honra em um judeu ter que suplicar pela segurança de seu povo.
Mas é uma desgraça maior ainda quando o Rei e a Rainha de Castela e Aragão, ou melhor, de toda a Espanha, têm que buscar sua glória na expulsão de um inofensivo povo.
Creio ser muito difícil entender como cada homem, mulher e criança judia pode ser uma ameaça à Fé Católica. É uma acusação muito forte.
Nós vos destruímos?
É o oposto na verdade. Admitis nesse édito ter-nos todos os judeus confinados a quarterões restritos e terdes limitado nossos direitos legais e sociais, sem mencionar que nos forçaram a usar distintivos vergonhosos? Não nos cobrais impostos opressivamente? Não nos aterrorizastes dia e noite com vossa diabólica Inquisição? Deixai-me fazer claro esse assunto a todos os presentes: não permitirei que a voz de Israel seja silenciada neste dia.
Escutai, ò Céus, e dai ouvidos, Rei e Rainha da Espanha, a mim, Isaac Abravanel, que vos fala. Eu e minha família somos descendentes diretos do Rei Davi. Verdadeiro sangue real, o sangue do Messias, corre em minhas veias. É a minha herança, e eu a proclamo agora em nome do Deus de Israel.
Em favor do meu povo, o povo de Israel, escolhido por Deus, declaro-o inocente de todos os crimes de que é acusado nesse édito de abominação. O crime, a transgressão, sois vós que tendes que carregar, não nós. O decreto perverso que proclamais hoje será a vossa queda. E este ano, o qual imaginais ser o ano da maior glória da Espanha, se tornará da Espanha o ano de maior vergonha.
Como honra é a recompensa do indivíduo virtuoso, então conhecida mundialmente é a obrigação própria de reis e rainhas para nobres feitos. Então, também, quando atos indecorosos são cometidos por um indivíduo, a reputação daquela pessoa sofre as conseqüências. E quando reis e rainhas agem vergonhosamente, fazem a si mesmos grande ofensa. Como é dito, quanto maior é a pessoa que erra, maior o erro.
Erros, quando reconhecidos cedo, podem ser corrigidos. O tijolo desprendido que suportava a estrutura pode ser re-inserido em sua posição. Assim também, um édito errôneo se apanhado em tempo pode ser desfeito. Porém zelo religioso tem minado a razão, e o mau conselho perverteu profundamente o juízo. O erro do édito logo será irreversível, assim como a ação que ele proclama. Sim, meu rei e rainha, escutai-me bem: erro, vosso erro, profundo e incorrigível, de um modo que a Espanha nunca viu antes. Vós e somente vós sois responsáveis.
Como as armas medem a força de uma nação, as artes e as letras medem o seu refinamento. Sim, vós tendes humilhado os mouros com a força de vossos exércitos, provando serdes hábeis na arte da guerra. Mas e o vosso secreto estado mental? Com que direito os vossos inquisidores correm o interior do reino queimando livros em milhares de fogueiras públicas? Com que autoridade os clérigos agora querem queimar a grandiosa biblioteca árabe deste grande palácio mouro e destruir seus manuscritos inestimáveis? Com que direito? Com que autoridade? Porque, é com a vossa autoridade, meu rei e minha rainha.
Nos vossos corações, desconfiais do poder do conhecimento, e respeitais apenas a força. Conosco, judeus é diferente. Estimamos imensamente o conhecimento. Em nossas casas e em nossas casas de orações, o aprendizado é uma ocupação para toda a vida. Aprender é nossa paixão, está no centro de nossos seres; é a razão, de acordo com nossos sábios, para a qual fomos criados. Nosso impetuoso amor pelo conhecimento tem contrabalanceado vosso excessivo amor por poder. Poderíamos ter nos beneficiado da proteção oferecida pelos vossos exércitos reais, e vós poderíeis ter tirado maior proveito dos avanços de nossa comunidade e da troca de conhecimento. Eu vos digo que poderíamos ter nos ajudado um ao outro.
Como somos lembrados de nossa própria impotência, então vossa nação sofrerá das forças do desequilíbrio que pusestes em movimento. Pelos séculos vindouros, vossos descendentes pagarão caro pelo vosso presente erro. Como está nas armas a vossa admiração, certamente vos tornareis uma nação de conquistadores - cobiçando ouro e despojos, vivendo pela espada e governando com punho de aço. Todavia vos tornareis uma nação de iletrados; vossas instituições de conhecimento, temendo a contaminação herética de idéias estranhas de outras terras, e de outros povos, não serão mais respeitadas. No curso do tempo, o outrora grande nome da Espanha se tornará um provérbio murmurado entre as nações: Espanha, a pobre e ignorante; Espanha, a nação que tanto prometia e todavia terminou tão pequena.
E então um dia a Espanha se questionará: o que nos sucedeu? Por que somos motivo de riso entre as nações? E os espanhóis daqueles dias olharão em seu passado e se perguntarão por quê isso veio a acontecer. E aqueles que são honestos apontarão para este dia e para estes tempos quando a sua queda como nação começou. E como causa de sua ruína serão mostrados ninguém mais além de seus reverenciados soberanos católicos, Fernando e Isabel, conquistadores dos mouros, que expulsaram os judeus, fundaram a Inquisição, e destruíram a mente investigadora na Espanha.
Este édito é um testemunho da fraqueza da cristandade. Mostra que nós judeus somos capazes de ganhar os séculos - velho argumento das duas fés. Explica porque há "falsos cristãos", isto é, cristãos cuja fé foi balançada pelos argumentos do judeu que conhece mais.
Ele explica porque a nação cristã seria tão lesada quanto clama ser. Desejando silenciar a oposição judaica, a maioria cristã decidiu não argumentar mais, antes prefere eliminar a fonte de tão perigoso contra-argumento. A oportunidade não será concedida aos judeus depois de hoje.
Esta é a última oportunidade em solo espanhol para defender nossa situação. Nestes últimos momentos de liberdade garantidos a mim pelo rei e pela rainha, eu como porta-voz da comunidade judaica espanhola, me alongarei ainda em um ponto de disputa teológica. Deixar-vos-ei uma mensagem de separação, mesmo que vós não a apreciareis.
A mensagem é simples. O histórico povo de Israel, como tem tradicionalmente se constituído, é o juiz final de Jesus e de suas reivindicações de ser o Messias. Como o Messias foi destinado à salvação de Israel, cabe a Israel decidir quando é que foi salvo. Nossa resposta, a única resposta que importa, é que Jesus foi um falso Messias. Já que o povo de Israel vive, e que continua a ser rejeitado pelo próprio povo de Jesus, vossa religião nunca será validada como verdade. Podeis converter todos os povos e selvagens do mundo, porém como não converteram os judeus, não tendes provado nada exceto o vosso poder de persuadir o mal informado.
Nós vos abandonamos com este confortante saber. Porque mesmo que disponhais de poder, nós temos a mais elevada verdade. Mesmo que possais dispor de nossas pessoas, não podeis dispor de nossas almas e da verdade histórica à qual apenas nós levamos testemunho.
Ouvi, rei e rainha da Espanha, pois neste dia tendes sido acrescentados à lista dos malfeitores contra o remanescente da Casa de Israel. Se procurais destruir-nos, vossos desejos serão para nada, porque maiores e mais poderosos dominadores tentaram nos exterminar, e todos falharam. Na verdade, nós prosperaremos em outras terras longe daqui. Aonde quer que vamos, o Deus de Israel é conosco. E quanto a vós, Rei Fernando e Rainha Isabel, a mão do Senhor vos alcançará e punirá a arrogância do vosso coração.
Pena de vocês, autores de iniqüidade. Pelas gerações vindouras, será contado e recontado quão desamável foi vossa fé e quão cega a vossa visão. Entretanto, maior que vossos atos de ódio e fanatismo, a coragem do povo de Israel será lembrada por se manter de pé frente à força da Espanha Imperial, apegados à herança religiosa de nossos pais, resistindo a vossos engodos e inverdades.
Expulsai-nos, tirai-nos desta terra a qual não menos que vós a estimamos.
Mas nós nos lembraremos de vós, Rei e Rainha da Espanha, assim como nossos Livros Sagrados lembram daqueles que buscaram o nosso mal. Nós judeus visitaremos vossos feitos nas páginas da História... e a memória dos nossos sofrimentos inflingirão maior dano no vosso nome do que qualquer coisa que vós algum dia esperais fazer a nós.
Nós nos lembraremos de vós e de vosso vil Édito de Expulsão para sempre.
Bom artigo!
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