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A evolução do conflito no Líbano revela um mau cálculo iraniano


08/08/2006
A evolução do conflito no Líbano revela um mau cálculo iraniano
Por trás da guerra, o que os radicais querem é riscar Israel do mapa, mas ela poderá resultar no efeito contrário, fortalecendo este país na região e na cena internacional

Joschka Fischer* especial para o Le Monde

A guerra que assola atualmente o Líbano não é a do mundo árabe contra Israel, e sim, antes, a das forças radicais da região - do Hamas e da Jihad islâmica palestina assim como do Hizbollah libanês, com o apoio da Síria e do Irã -, que rejeitam fundamentalmente todo acordo com Israel.

Três elementos contribuíram para favorecer o conflito: era preciso aliviar o Hamas da pressão exercida no quadro da comunidade palestina para o reconhecimento de Israel; solapar a democratização do Líbano, que vinha marginalizando a Síria; e, finalmente, evitar o debate em torno do programa nuclear do Irã, ainda que permitindo a este último mostrar para o Ocidente de quais "ferramentas" ele dispõe em caso de conflito.

Os governos árabes moderados estão plenamente conscientes do que está em jogo nesta guerra: de um lado, a hegemonia regional da Síria sobre o Líbano e a Palestina e, numa escala bem maior, a hegemonia reivindicada pelo Irã sobre o Oriente Médio como um todo. Contudo, a guerra no Líbano e em Gaza poderia muito bem se revelar o resultado de um grave erro de avaliação por parte dos radicais. Atirar mísseis sobre Haifa, a terceira cidade a mais importante de Israel, constituía um limite que não deveria ser transposto.

Este ato terá graves repercussões uma vez que ele evidenciou que muito além das questões de território, de restituição, ou de ocupação, o projeto radical coloca em questão a perenidade de Israel.

Mas a frente radical da recusa subestimou a determinação de Israel, assim como a sua força de dissuasão. Ela também revelou para o mundo inteiro as aspirações hegemônicas do Irã. A loucura desta situação é evidente: não é preciso ser dotado de muita imaginação para vislumbrar aquilo com que o Oriente Médio se pareceria caso uma proteção nuclear iraniana abrigasse os radicais. Além disso, esse mau cálculo se tornará flagrante à medida que quatro elementos se impuserem neste conflito:

- a recusa de Israel de se deixar aspirar por um conflito terrestre no Líbano;

- a implementação da resolução 1559 das Nações Unidas, que prevê o desarmamento de todas as milícias do Líbano com a ajuda da comunidade internacional e torna todo retorno à situação anterior impossível;

- a transformação da coalizão composta por países árabes moderados (entre os quais os palestinos moderados), e que se encontra por enquanto no estado de germe, numa iniciativa de paz robusta e séria;

- o sólido envolvimento do Quarteto [Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Rússia], com uma forte participação dos Estados Unidos, para encontrar finalmente uma solução viável para a questão da Palestina e para proporcionar a este país as garantias políticas, econômicas e militares necessárias para a sua sobrevivência.

Israel tem um papel essencial a desempenhar. Por duas vezes, ele já havia procedido a retiradas unilaterais das suas tropas para dentro das suas fronteiras, no sul do Líbano e em Gaza. Por duas vezes, a "terra de paz" preconizada por Israel transformou-se em "terra de guerra".

Israel vive, portanto, sob a ameaça, e a idéia de fazer a paz com os seus vizinhos árabes parece ser mais improvável do que nunca. Contudo, eu penso que esta guerra no Líbano pode abrir um novo caminho para o processo de paz.

O quanto mais cedo o fogo cessar, melhor será. Não podemos nos esquecer de que foi o conflito dentro do próprio Hamas em torno da questão do reconhecimento de Israel que desencadeou o conflito. E tampouco podemos nos esquecer da posição dos governos árabes moderados em relação a esta guerra, nem das intenções ocultas daqueles que a provocaram.

A segurança de Israel torna a reestruturação interna do Líbano e a garantia da soberania do Estado não negociáveis. É exatamente neste momento que deve ser jogada a carta síria e que o presidente Bachar Al-Assad deve ser conduzido rumo à via da normalização. Com o planalto do Golã, Israel detém em suas mãos o elemento-chave. Sem a Síria, o Irã estaria isolado, e a situação no Iraque também se beneficiaria com uma tal mudança. Finalmente, a situação não é tão desesperada assim para os palestinos. Os dirigentes do Fatah e do Hamas que se encontram detidos nos cárceres de Israel conseguiram encontrar um consenso em relação à aceitação de um Estado palestino no interior das fronteiras de 1967. Convém estimular esta nova realidade palestina. Mas, para ser perfeitamente honesto, um retorno à configuração de junho de 1967 não me parece ser exeqüível nem realista.

Em Israel, será que a conscientização da existência de uma ameaça estratégica poderá estar na origem de uma nova abordagem, a qual tornará os debates sobre a terra e as colonizações obsoletos? Em todo caso, tudo leva a pensar que, frente a uma guerra que ameaça a própria existência do país, as questões de segurança regional se verão atribuir uma maior importância. Mas qual estratégia adotará Israel em matéria de segurança para o futuro?

A esta altura dos acontecimentos, o Estado hebraico está colocando toda a ênfase na sua força de dissuasão maciça, mas seria mais sábio se ele tirasse proveito da sua posição de força para tomar a iniciativa política e diplomática com o objetivo de propor uma paz total a todos aqueles que já reconhecem sua existência e se pronunciam a favor de uma renúncia permanente à violência, não só por meio das palavras como também nos fatos.

Já está chegando a hora de considerar a situação de modo mais ambicioso, com vistas mais amplas, tanto para Israel e seus vizinhos quanto para os Estados Unidos e a Europa. Esta guerra oferece uma chance de paz duradoura. Não a deixemos escapar das nossas mãos.

*Joschka Fischer é ex-ministro das relações exteriores e atual vice-chanceler da Alemanha

Tradução: Jean-Yves de Neufville
 

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