 | | Ali Hijazi vendia cosméticos brasileiros em Dahye |
Mahmoud carregava uma metralhadora americana M16 com aparência de nova, ao contrário da maioria dos colegas dele, que portava velhos fuzis AK-47 de fabricação russa. Não era necessária uma insígnia para ficar claro que ele era um dos militantes do Hezbollah que mantiveram guarda segunda-feira nos subúrbios de Dahye, no sul de Beirute. O Hezbollah patrulha os escombros da cidade para organizar a visita dos refugiados, que aproveitaram o primeiro dia do cessar-fogo para conferir a destruição e para evitar que jornalistas ou "espiões" tentem olhar o que não devem. Mas o Hezbollah não tem problemas com a mídia observando a destruição causada pelos ataques israelenses. "Holla! Como estas?", perguntou Mahmoud em espanhol depois de a reportagem da BBC Brasil ter se identificado. E apontou para uma rua por onde a visita poderia começar. Mas apontar não era necessário porque a destruição está por todos os lados. Visita Depois deste primeiro encontro com um "soldado do Hezbollah", a visita transcorreu de maneira relativamente livre. Em algumas outras ocasiões, militantes pediram identificação de jornalistas mas apenas em uma rua um rapaz - desarmado e se desculpando - pediu que a reportagem não entrasse. A primeira parada foi a loja de Ali Hijazi, ou o que sobrou dela. Na loja Glória, ele vendia cosméticos, a maioria importados do Brasil. Agora a loja, que era no térreo de um prédio, está soterrada sob os escombros de outros quatro andares que desabarem num ataque de Israel. Hijazi nasceu no Líbano mas tem também as nacionalidades paraguaia e brasileira. Sair do Líbano "Trabalhei quinze anos em Ciudad del Leste e voltei para cá no ano 2000 para investir nesta loja. Agora está tudo em escombros", lamenta em português perfeito. "Vou voltar para o Paraguai ou para o Brasil. Não tenho como começar tudo de novo aqui. Não dá mais para viver aqui", diz ele, que calcula ter perdido US$ 600 mil na destruição da loja. Ele ainda tem que voltar para o sul do Líbano para ver em que condições está a casa onde morava e que deixou no começo dos ataques.  |
| Destruição em Dahye está por toda parte |
Ao contrário de outros refugiados, que tiveram que ficar em casas de conhecidos ou se amontoar em escolas e parques, Hijazi - que está em algum ponto entre classe média alta e alta - conseguiu se instalar num bom hotel de Beirute.
"Se eu estou sofrendo assim imagina quem perdeu tudo, tudo mesmo", diz. Fumaça Bem em frente à loja de Hijazi havia um prédio de dez andares. A construção foi um dos alvos de Israel nos últimos ataques antes do cessar-fogo - na madrugada de segunda-feira - e ainda estava fumegando no início da noite. Muitos dos moradores e curiosos que foram visitar o subúrbio usavam máscaras cirúrgicas. Além de evitar a poeira e a fumaça dos incêndios que ainda duravam, as máscars também tentavam afastar o mau cheiro. Era um odor constante pelo bairro, que poderia tanto estar vindo do lixo que sobrou nas ruas quando o bairro foi abandonado quanto de corpos ainda não localizados sob os escombros. Mais provavelmente, as duas coisas. Busca Além do cheiro, os libaneses que queriam procurar suas coisas no meio dos escombros tinham que se submeter a outro grande risco: o de bombas não detonadas que se escondem no meio de áreas bombardeadas. Nestes subúrbios elas não estão aparecendo de maneira evidente mas a experiência diz que devem estar em qualquer lugar. E indica muito cuidado na hora de explorar as casas em ruínas.  |
| Moradores revoltados com destruição acabam apoiando o Hezbollah contra Israel |
Mas são vidas que também estão debaixo dos escombros e qualquer coisa encontrada vale muito.
"Todas as minhas fotos, meus registros de família, vídeos estavam aqui. Toda a história da vida da minha família estava aqui", lamenta o designer Khalil Tawil, que explorava o que sobrou de sua casa de 4 andares - agora uma pilha de pedras - em Dahye com a mulher e a filha de sete anos de idade. A menina, Zeina, ainda conseguiu achar um de seus brinquedos: um grande urso de pelúcia quase maior do que ela, muito empoeirado mas aparentemente sem ferimentos mais graves. "Agora minha filha odeia judeus. Antes ela nem sabia o que era isso. Agora ela odeia judeus", diz Tawil. "O que fizeram com a gente? Destruíram a vida de muitas pessoas", lamenta enquanto a mulher chora ao lado dele recolhendo alguns tapetes enrolados que acabaram ficando na superfície. Hezbollah Neste momento uma outra mulher começa a gritar e exibir uma foto de Hassan Nassrallah. Tinha aparência de pouco mais de trinta anos e roupas à ocidental. Ela não queria conversar. Queria só desabafar. "Não podem fazer isso com a gente. Eu nunca fui Hezbollah e agora me tornei soldado do Hezbollah. Todos os libaneses agora são Hezbollah" gritava em inglês perfeito e chorando de maneira quase convulsiva. Manifestações de apoio ao Hezbollah apareciam todo o tempo, e por todas as ruas no bairro: bandeiras cartazes e discursos mostravam um grande apoio ao grupo xiita. Por alí, apesar da destruição, as pessoas pareciam concordar antecipadamente com o discurso que Hassan Nasrallah faria horas depois: aquela tinha sido uma vitória estratégica e histórica para o Hezbollah porque o grupo conseguiu se manter na ofensiva mesmo depois de mais de um mês de violentos ataques israelenses. Sinais remanescentes de antes dos ataques - cartazes e bandeiras danificados - mostravam que a área era definitivamente repleta de simpatizantes de Nasarallah. É possível - embora ainda não comprovado de maneira independente - que Israel tenha, como afirma, destruído depósitos de armas e centros de operações do Hezbollah na área. Mas a aliança da população local com o grupo xiita - que nesta área já existia antes - só parece ter sido reforçada.
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