Ariel Sharon, um ilusionista

Ariel Sharon, um ilusionista

magal53
0
UMA VISƃO ƁRABE

Ariel Sharon, um ilusionista
RAMI G. KHOURI
DA AGENCE GLOBAL, EM BEIRUTE

A saĆŗde de Ariel Sharon parece finalmente ter posto fim Ć  carreira polĆ­tica ativa de um homem largamente saudado no Ocidente como "pacificador" ousado e inovador. A visĆ£o que se tem dele no mundo Ć”rabe Ć© consideravelmente diferente e bem menos aduladora. Em sua vida polĆ­tica, diferentemente de suas escapadas militares, Sharon, quando nĆ£o conseguiu forjar estratĆ©gias e polĆ­ticas bem-sucedidas, frequentemente empregou tĆ”ticas de brilho efĆŖmero. Ele era um ilusionista polĆ­tico que subiu ao palco num momento em que seu povo precisava do tipo de forƧa emocional e poder reconfortante que ele possuĆ­a, mas ele deixa para trĆ”s uma paisagem confusa, fraturada e incerta, tanto em Israel quanto na Palestina.
Sharon encerra sua vida pĆŗblica tendo manifestamente deixado de realizar a Ćŗnica coisa que afirma ter sido aquela pela qual lutou com mais afinco durante toda sua vida: assegurar a seguranƧa e aceitaĆ§Ć£o de Israel no Oriente MĆ©dio. Em Ćŗltima anĆ”lise, a confianƧa que ele depositou na forƧa militar e na ousadia tĆ”tica garantiu momentos de alto teor dramĆ”tico, mas foi estrategicamente falha.
Ele nĆ£o Ć© tanto um homem de paz quanto um criador de caos, como seus sucessores no poder em Israel nĆ£o tardarĆ£o a constatar. Sharon foi hospitalizado na semana passada durante um episĆ³dio de polĆ­tica externa que constitui um testemunho ironicamente chocante da combinaĆ§Ć£o mortĆ­fera de seu amadorismo polĆ­tico e da confianƧa que ele depositava no emprego da forƧa. Ele estava freneticamente, quase histericamente recriando no norte da faixa de Gaza o mesmo tipo de "zona de seguranƧa" que se mostrou um fracasso colossal quando ele a experimentou no sul do LĆ­bano, mais de duas dĆ©cadas atrĆ”s.
Em 1982, o ExĆ©rcito israelense, sob seu comando, ocupou boa parte do sul do LĆ­bano, onde permaneceu atĆ© 2000, recorrendo a todas as combinaƧƵes possĆ­veis de forƧa bruta, intimidaĆ§Ć£o polĆ­tica, forƧas libanesas que agiam em seu nome e amplas e irrestritas medidas punitivas, morte e destruiĆ§Ć£o para reprimir uma populaĆ§Ć£o libanesa que rejeitava a ocupaĆ§Ć£o pelo ExĆ©rcito israelense. Israel finalmente retirou suas forƧas unilateralmente, na primavera de 2000. Sharon nunca aprendeu a liĆ§Ć£o do sul do LĆ­bano: que apenas um vizinho Ć”rabe verdadeiramente livre e soberano pode ser um vizinho pacĆ­fico de Israel.
Sua exageradamente elogiada e divulgada retirada unilateral da faixa de Gaza nem propiciou um avanƧo no processo de paz com os palestinos nem trouxe paz e tranquilidade a essa fronteira com Israel. Foi uma retirada de mĆ”gico, um ato de ilusionismo, sendo que Israel ainda controla muitas dimensƵes da vida, da movimentaĆ§Ć£o e da economia palestinas na faixa de Gaza. Sua construĆ§Ć£o do muro de separaĆ§Ć£o que vem isolando cada vez mais algumas comunidades palestinas, incluindo BelĆ©m e JerusalĆ©m Oriental, a parte Ć”rabe da cidade, vem se somando Ć  ampliaĆ§Ć£o contĆ­nua que ele promoveu dos assentamentos judaicos na CisjordĆ¢nia, tendo o efeito de elevar o ressentimento palestino a novos nĆ­veis -o que, em Ćŗltima anĆ”lise, se traduz em novas formas de resistĆŖncia.
Incapaz de ou indisposto a aceitar o consenso global de que, em Ćŗltima anĆ”lise, Israel deve retirar-se de todos os territĆ³rios ocupados em 1967, Sharon jogou por terra as negociaƧƵes de territĆ³rio por paz que estavam levando Ć  soluĆ§Ć£o de dois Estados. Ele substituiu essa abordagem por seu unilateralismo prĆ³prio: a construĆ§Ć£o da barreira de separaĆ§Ć£o, a retirada de Gaza, o assassinato constante de militantes polĆ­ticos e o hĆ”bito de decidir quando e se os palestinos podiam ser incluĆ­dos em discussƵes polĆ­ticas.
Sharon se negou a tratar com Iasser Arafat, mas depois mostrou que nĆ£o podia fazer nada quando se viu diante do recĆ©m-eleito presidente palestino, Mahmoud Abbas, que fez sua campanha com base na plataforma de pĆ“r fim Ć  resistĆŖncia armada e de negociar a paz com Israel. Incapaz de fazer a paz com os palestinos, ele iludiu os ingĆŖnuos americanos. Sharon vendeu a imagem de "pacificador" a uma Casa Branca tĆ£o desinformada e beligerante quanto ele quando se tratava de lidar com os palestinos dentro dos limites impostos pelas leis internacionais, o que dirĆ” da decĆŖncia humana comum.
Ariel Sharon deixa para trĆ”s uma paisagem ensangĆ¼entada e fraturada, definida pela tensĆ£o e os confrontos com os palestinos, e a confusĆ£o no seio da sociedade israelense. Isso acontece porque, em Ćŗltima anĆ”lise, suas polĆ­ticas mostraram ser mais bravatas do que coragem real, baseada na honestidade.
Durante o Ćŗltimo quarto de sĆ©culo ele ocupou cargos que definiram as polĆ­ticas israelenses de defesa, seguranƧa e ocupaĆ§Ć£o, a ampliaĆ§Ć£o dos assentamentos israelenses e, mais recentemente, a polĆ­tica externa global.
Ele empregou esse tempo para gerar comunidades palestinas fragmentadas, com freqĆ¼ĆŖncia destituĆ­das de lĆ­deres, compostas de palestinos comuns irados e revoltados.
O trabalho que fez em sua vida agora se voltou contra ele sob diversas formas, incluindo a situaĆ§Ć£o de anarquia vigente em muitas partes da Palestina, uma lideranƧa palestina fraca e desacreditada, a incerteza em relaĆ§Ć£o ao status futuro da faixa de Gaza, a grande probabilidade de o Hamas e outros setores islĆ¢micos se saĆ­rem muito bem nas eleiƧƵes parlamentares palestinas deste mĆŖs e, por fim, o aumento do sentimento antiisraelense em todo o mundo Ć”rabe e mesmo fora dele.
Se a medida de um homem Ć© dada pelos resultados do trabalho de sua vida, entĆ£o Ariel Sharon, nesta semana, deve ser visto como um grande promotor do caos, da confusĆ£o, da incerteza e do medo. Encerrar esse legado numa estratĆ©gia que leva uma naĆ§Ć£o inteira a tentar retirar-se atrĆ”s de uma muralha nĆ£o apenas constitui um fracasso polĆ­tico grande e duradouro, como tambĆ©m uma grande tragĆ©dia humana envolvendo guerreiros audaciosos que nĆ£o conseguiram parar de guerrear e que, quando as rĆ©deas do poder lhes foram entregues, se voltaram a truques de ilusionismo.

Rami G. Khouri Ć© editor-chefe do jornal "Daily Star", de Beirute, publicado em todo o Oriente MĆ©dio juntamente com o "International Herald Tribune".
TraduĆ§Ć£o de Clara Allain

Postar um comentƔrio

0ComentƔrios
* Please Don't Spam Here. All the Comments are Reviewed by Admin.

Os comentĆ”rios sĆ£o de responsabilidade exclusiva de seus autores e nĆ£o do Blog. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.NĆ£o publicamos comentĆ”rios anĆ“nimos. Coloque teu URL que divulgamos

Os comentĆ”rios sĆ£o de responsabilidade exclusiva de seus autores e nĆ£o do Blog. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.NĆ£o publicamos comentĆ”rios anĆ“nimos. Coloque teu URL que divulgamos

Postar um comentƔrio (0)

#buttons=(Accept !) #days=(20)

Our website uses cookies to enhance your experience. Learn More
Accept !