Testemunha relembra nazistas no banco dos réus
Uma série de eventos está sendo realizada na Alemanha para marcar os 60 anos dos Tribunais de Nuremberg, nos quais nazistas tiveram que responder por crimes que cometeram durante a Segunda Guerra Mundial.
Um ex-promotor e outras testemunhas vão voltar à corte onde membros do regime de Hitler foram julgados e onde 12 deles foram condenados à morte.
Markus Wolf, ex-diretor do Serviço de Inteligência da Alemanha Oriental, testemunhou os Tribunais de Nuremberg, quando trabalhava como radiojornalista.
Hoje, com 82 anos, ele relembra ter visto alguns dos mais notórios membros do regime nazista no banco dos réus como "funcionários de uma estação de trem ou de uma agência de correios".
Leia o depoimento que Wolf concedeu à correspondente da BBC em Berlim Tristana Moore:
"O diretor do departamento de jornalismo estava procurando por alguém para mandar a Nuremberg. Eu percebi que iria ser um evento histórico, então me ofereci para ir e fui enviado como correspondente especial.
Eu estava na sétima fileira do tribunal Palácio de Justiça, em Nuremberg, e perante meus olhos estavam pessoas que haviam sido responsáveis por coisas terríveis. Eles eram os maiores líderes do regime nazista que ainda estavam vivos, já que Hitler já havia morrido, e estavam sendo julgados por crimes de guerra.
Na época, quando a guerra acabou, a maioria dos alemães acreditava que os nazistas iriam receber punições duras. Talvez eu fosse inocente, mas eu havia visto fotografias de todos esses líderes nazistas, quando eles ainda viviam seus tempos de glória. Então, em Nuremberg, o que eu vi foram pessoas normais, simples, sentadas no banco dos réus. Eles pareciam funcionários de uma estação de trem ou de uma agência de correios.
Não eu
Eu estava decepcionado. Depois de ser interrogado pelo promotor americano, Robert H. Jackson, Hermann Göring, como outros líderes nazistas, disse que ele não sabia de nada sobre aqueles crimes.
Durante o tribunal, os presentes viram um terrível documentário sobre os campos de concentração. Eles haviam sido filmados pelas tropas aliadas depois de elas terem liberado os campos.
Mas, durante todo o processo, a defesa argumentou que os réus não sabiam de nada. Apenas Hitler, eles disseram, era responsável. Ninguém tentou defender a ideologia nazista ou os atos cometidos durante o terceiro reich.
Um após o outro, os réus nazistas foram convocados a depor e responderam a perguntas. Eles tinham advogados e tudo funcionava como uma espécie de tribunal anglo-americano. Mas os réus negaram qualquer conhecimento dos crimes indescritíveis que foram cometidos.
Eu aprendi tanto sobre a história contemporânea da Alemanha naqueles julgamentos.
Eles foram uma fantástica sinopse dos anos entre 1933 e 1945, esclarecendo como os nazistas chegaram ao poder e lançando uma luz sobre a demagogia de Hitler. Não podemos esquecer que muitos alemães apoiavam Hitler, ele chegou ao poder com a ajuda dos capitalistas e líderes empresariais alemães.
Quando se reflete sobre aquele tempo, dá para concluir que muitas pessoas estavam fingindo não ver os crimes que estavam ocorrendo na frente delas.
Da mesma forma, quando os tribunais de Nuremberg estavam em andamento em 1945, muitos alemães não queriam ouvir nada sobre os campos de concentração. Eles estavam se comportando da mesma forma que os nazistas no banco dos réus, como Hermann Göring e Albert Speer, que viraram os rostos para o lado quando os filmes sobre os campos foram exibidos.
Responsabilidade
Às vezes é difícil encarar o que aconteceu, entender a dimensão dos crimes. Algumas testemunhas que prestaram depoimento eram ex-prisioneiros dos campos.
Também falou o ex-comandante encarregado de Auschwitz. Ele descreveu como milhares de pessoas foram mortas. Ele respondeu às perguntas da promotoria como um bom burocrata alemão, ou um oficial, sem revelar nenhuma emoção. Aqueles eram tempos difíceis, pois eu tinha que captar as informações e descrever esses eventos traumáticos em meus boletins de rádio.
No meu boletim final, eu disse que esperava que, depois dos tribunais de Nuremberg, viesse uma era sem guerras, agressões ou crimes contra a humanidade. Mas essa esperança eras apenas uma ilusão.
Nuremberg lançou as bases da lei internacional. O povo alemão não poderia ter levado esses nazistas à Justiça. Eu tive que explicar às pessoas que os julgamentos eram dos vitoriosos na guerra, já que foram os aliados que os organizaram. No final, dois réus foram libertados. Eu era contra isso, mas a verdade é que o fato de terem sido anunciadas diferentes sentenças provava que a justiça estava sendo feita.
Eu nunca esquecerei aquele ano, de novembro de 1945 a outubro de 1946, quando os nazistas foram condenados.
Ele influenciou o resto da minha vida. Depois dos tribunais de Nuremberg, na Alemanha Oriental, eu percebi que tinha uma imensa responsabilidade de proteger nosso país e o resto do mundo, para que os horrores do regime nazista não se repetissem."