A Vitória dos Livros em 5 de Tevet, 5747 (1987)
Minha lembrança mais antiga da sinagoga é observar o rolo da Torá sendo carregado pelo corredor central e ver todos, jovens e velhos, correrem até aquele rolo, tocar com seu sidur,livro de orcom ações, ou as pontas de seu talit em sua capa de veludo bordado e depois beijar o ponto que acabara de tocar a Torá.
Olhos fechados, um olhar meditativo em seus rostos - todo o judaÃsmo parecia, para mim, estar naqueles beijos. Levantei meu sidur, cujas transliterações eu havia tropeçado por uma hora e meia desajeitada, toquei gentilmente a Torá com ele e levei seu canto aos lábios. Pela primeira vez naquela manhã, me senti verdadeiramente em casa.
O Sefer Torá ou pergaminho da Torá é uma figura poderosa - uma rainha cuidadosamente guardada e muito honrada cujas palavras ouvimos serem lidas em voz alta a cada Shabat e em outros dias designados da semana e festas judaicas. Ficamos próximos em sua honra enquanto ela é retirada do aron kodesh ("arca sagrada") e esticamos nossos pescoços para vê-la de relance no meio da multidão.
No entanto, sei de fonte segura que essas demonstrações públicas de afeto e admiração não são o que ela realmente precisa.
"E você deve ensinar a Torá a seus filhos, e deve falar sobre ela quando estiver em casa e quando viajar, antes de se deitar para dormir e ao acordar." (Devarim 6:7)
O que a Torá realmente almeja, o que lhe dá honra e a torna completa, é quando não a honramos apenas quando ela sai de sua arca enfeitada com cortinas de veludo e portando a sua coroa de prata, mas quando vivemos com suas palavras todos os dias de nossa vida. Quando estudamos seus ensinamentos e falamos sobre eles da mesma forma que falamos sobre qualquer outra coisa que nos agrade, que é interessante ou atraente para nós.
Não me entenda mal — não estou sugerindo que eliminemos o ritual da sinagoga. Faz parte do nosso relacionamento. Mas se essa é a extensão de - ou mesmo o foco de - nosso relacionamento com a Torá, é como enviar flores para sua mãe no Dia das Mães e depois não falar com ela o resto do ano. A verdadeira profundidade do relacionamento se expressa em dias e momentos comuns ao longo do ano todo.
Na comunidade Chabad-Lubavitch, o 5º dia de Tevet é marcado como um dia especial e festivo. Esta data celebra a "vitória dos sefarim" – a vitória dos Livros da Torá.
Nesta dia em 1987, a Corte Federal dos Estados Unidos emitiu um decreto sobre a biblioteca Chabad-Lubavitch instalada na Eastern Parkway, 770, no Brooklyn, em Nova York. Diversos livros, muitos deles inestimáveis, raros, tinham sido indevidamente retirados da biblioteca. Quando o caso foi ao tribunal, o que estava em jogo não era apenas a parte da coleção que tinha sido removida, mas a propriedade de toda a biblioteca. Estava em julgamento nosso relacionamento coletivo com a biblioteca e os ensinamentos que os livros representavam.
A decisão da corte – mantida nas subseqüentes apelações – foi que a biblioteca de fato não pertencia a nenhum indivÃduo, mas à comunidade Chabad-Lubavitch. O testemunho mais importante, feito com absoluta sinceridade, foi a declaração da Rebetsin, filha do Rebe Anterior e esposa do Rebe. Em resposta à pergunta de a quem os livros pertenciam, ela respondeu: "Os livros, como meu pai, pertencem aos chassidim."
Os livros, afirmou a corte, não são a propriedade de um indivÃduo, mas sim de uma biblioteca comunitária – e por extensão, de todos os que fazem uso daquela biblioteca.
O Rebe jamais considerou esta vitória como pessoal, ou uma vitória de Chabad-Lubavitch. Ele a considerava uma vitória para todo o povo judeu. Mais que isso, ele a considerava uma vitória dos próprios livros, e ainda, como ele declarou no primeiro aniversário da decisão, para aqueles Rolos de Torá adornados que reverenciamos em todo Shabat.
A verdadeira compleição de um Sefer Torá – dizia o Rebe – está nos sefarim, os livros de Torá impressos – como aqueles que nos foram devolvidos em 5 de Tevet. Livros que se pode carregar junto, roubando alguns momentos para estudar enquanto se espera pelo trem, ou quando se está parado num farol vermelho. Livros que a pessoa lê junto com os filhos no café da manhã. Livros que se usa para convencê-los a escovar os dentes. Livros com os quais você se aninha assim que chega em casa depois de um dia duro de trabalho.
É somente quando usamos nossos livros que completamos – no sentido espiritual – os livros em si, e o Rolo de Torá em cujas palavras eles são baseados.
Seguindo as instruções do Rebe, os chassidim Chabad-Lubavitch têm uma tradição – de quase 20 anos agora – de celebrar 5 de Tevet não apenas com reuniões chassÃdicas, mas também com vendas de livros. Porque a verdadeira vitória para os livros – para a própria Torá – é quando enchemos nossos lares com volumes de livros judaicos, e nossos dias com os seus ensinamentos.
"Livros com Almas" – é assim que o Rebe se referia à biblioteca liberada. Almas que somente podem encontrar sua expressão através de nós.
Todo ano, a Sociedade Editora Kehot, editora oficial de Chabad-Lubavitch, promove uma venda especial de sefarim em homenagem a 5 de Tevet, seguindo as instruções do Rebe sobre como assinalar adequadamente este dia.
Melodia: Didan Notzach