Minha lembranƧa mais antiga da sinagoga Ʃ observar o rolo da TorƔ sendo carregado pelo corredor central e ver todos, jovens e velhos, correrem atƩ aquele rolo, tocar com seu sidur,livro de orcom aƧƵes, ou as pontas de seu talit em sua capa de veludo bordado e depois beijar o ponto que acabara de tocar a TorƔ.

Olhos fechados, um olhar meditativo em seus rostos - todo o judaĆ­smo parecia, para mim, estar naqueles beijos. Levantei meu sidur, cujas transliteraƧƵes eu havia tropeƧado por uma hora e meia desajeitada, toquei gentilmente a TorĆ” com ele e levei seu canto aos lĆ”bios. Pela primeira vez naquela manhĆ£, me senti verdadeiramente em casa.

O Sefer TorĆ” ou pergaminho da TorĆ” Ć© uma figura poderosa - uma rainha cuidadosamente guardada e muito honrada cujas palavras ouvimos serem lidas em voz alta a cada Shabat e em outros dias designados da semana e festas judaicas. Ficamos prĆ³ximos em sua honra enquanto ela Ć© retirada do aron kodesh ("arca sagrada") e esticamos nossos pescoƧos para vĆŖ-la de relance no meio da multidĆ£o.

No entanto, sei de fonte segura que essas demonstraƧƵes pĆŗblicas de afeto e admiraĆ§Ć£o nĆ£o sĆ£o o que ela realmente precisa.

"E vocĆŖ deve ensinar a TorĆ” a seus filhos, e deve falar sobre ela quando estiver em casa e quando viajar, antes de se deitar para dormir e ao acordar." (Devarim 6:7)

O que a TorĆ” realmente almeja, o que lhe dĆ” honra e a torna completa, Ć© quando nĆ£o a honramos apenas quando ela sai de sua arca enfeitada com cortinas de veludo e portando a sua coroa de prata, mas quando vivemos com suas palavras todos os dias de nossa vida. Quando estudamos seus ensinamentos e falamos sobre eles da mesma forma que falamos sobre qualquer outra coisa que nos agrade, que Ć© interessante ou atraente para nĆ³s.

NĆ£o me entenda mal — nĆ£o estou sugerindo que eliminemos o ritual da sinagoga. Faz parte do nosso relacionamento. Mas se essa Ć© a extensĆ£o de - ou mesmo o foco de - nosso relacionamento com a TorĆ”, Ć© como enviar flores para sua mĆ£e no Dia das MĆ£es e depois nĆ£o falar com ela o resto do ano. A verdadeira profundidade do relacionamento se expressa em dias e momentos comuns ao longo do ano todo.


Na comunidade Chabad-Lubavitch, o 5Āŗ dia de Tevet Ć© marcado como um dia especial e festivo. Esta data celebra a "vitĆ³ria dos sefarim" – a vitĆ³ria dos Livros da TorĆ”.

Nesta dia em 1987, a Corte Federal dos Estados Unidos emitiu um decreto sobre a biblioteca Chabad-Lubavitch instalada na Eastern Parkway, 770, no Brooklyn, em Nova York. Diversos livros, muitos deles inestimĆ”veis, raros, tinham sido indevidamente retirados da biblioteca. Quando o caso foi ao tribunal, o que estava em jogo nĆ£o era apenas a parte da coleĆ§Ć£o que tinha sido removida, mas a propriedade de toda a biblioteca. Estava em julgamento nosso relacionamento coletivo com a biblioteca e os ensinamentos que os livros representavam.

A decisĆ£o da corte – mantida nas subseqĆ¼entes apelaƧƵes – foi que a biblioteca de fato nĆ£o pertencia a nenhum indivĆ­duo, mas Ć  comunidade Chabad-Lubavitch. O testemunho mais importante, feito com absoluta sinceridade, foi a declaraĆ§Ć£o da Rebetsin, filha do Rebe Anterior e esposa do Rebe. Em resposta Ć  pergunta de a quem os livros pertenciam, ela respondeu: "Os livros, como meu pai, pertencem aos chassidim."

Os livros, afirmou a corte, nĆ£o sĆ£o a propriedade de um indivĆ­duo, mas sim de uma biblioteca comunitĆ”ria – e por extensĆ£o, de todos os que fazem uso daquela biblioteca.

O Rebe jamais considerou esta vitĆ³ria como pessoal, ou uma vitĆ³ria de Chabad-Lubavitch. Ele a considerava uma vitĆ³ria para todo o povo judeu. Mais que isso, ele a considerava uma vitĆ³ria dos prĆ³prios livros, e ainda, como ele declarou no primeiro aniversĆ”rio da decisĆ£o, para aqueles Rolos de TorĆ” adornados que reverenciamos em todo Shabat.

A verdadeira compleiĆ§Ć£o de um Sefer TorĆ” – dizia o Rebe – estĆ” nos sefarim, os livros de TorĆ” impressos – como aqueles que nos foram devolvidos em 5 de Tevet. Livros que se pode carregar junto, roubando alguns momentos para estudar enquanto se espera pelo trem, ou quando se estĆ” parado num farol vermelho. Livros que a pessoa lĆŖ junto com os filhos no cafĆ© da manhĆ£. Livros que se usa para convencĆŖ-los a escovar os dentes. Livros com os quais vocĆŖ se aninha assim que chega em casa depois de um dia duro de trabalho.

Ɖ somente quando usamos nossos livros que completamos – no sentido espiritual – os livros em si, e o Rolo de TorĆ” em cujas palavras eles sĆ£o baseados.

Seguindo as instruƧƵes do Rebe, os chassidim Chabad-Lubavitch tĆŖm uma tradiĆ§Ć£o – de quase 20 anos agora – de celebrar 5 de Tevet nĆ£o apenas com reuniƵes chassĆ­dicas, mas tambĆ©m com vendas de livros. Porque a verdadeira vitĆ³ria para os livros – para a prĆ³pria TorĆ” – Ć© quando enchemos nossos lares com volumes de livros judaicos, e nossos dias com os seus ensinamentos.

"Livros com Almas" – Ć© assim que o Rebe se referia Ć  biblioteca liberada. Almas que somente podem encontrar sua expressĆ£o atravĆ©s de nĆ³s.

Todo ano, a Sociedade Editora Kehot, editora oficial de Chabad-Lubavitch, promove uma venda especial de sefarim em homenagem a 5 de Tevet, seguindo as instruƧƵes do Rebe sobre como assinalar adequadamente este dia.

Melodia: Didan Notzach