O Destino de Haffmann

O Destino de Haffmann

magal53
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O destino de Haffmann

FranƧois Ć© um homem comum que pretende comeƧar uma famĆ­lia com a mulher amada. Ele vive nos anos 1940 e trabalha para um joalheiro talentosĆ­ssimo. Mas, eles estĆ£o diante da ocupaĆ§Ć£o alemĆ£ na Segunda Guerra Mundial.

O primeiro indĆ­cio de que O Destino de Haffmann serĆ” pautado por uma linguagem mais clĆ”ssica aparece num aspecto convencional da direĆ§Ć£o de fotografia assinada por Denis Rouden. 
O filtro que deixa a imagem com um tom ligeiramente amarelado faz alusĆ£o ao sĆ©pia normalmente atribuĆ­do aos retratos envelhecidos pelo tempo. Portanto, essa construĆ§Ć£o visual do passado acontece por meio de um lugar-comum, absolutamente funcional, mas ainda assim um lugar-comum. 
O destino de Haffmann

A trama se passa no comeƧo dos anos 1940, numa Paris cada vez mais dominada por soldados nazistas. 
Joseph (Daniel Auteuil) Ć© proprietĆ”rio de uma joalheria bem-sucedida que precisa repensar a sua vida, bem como a de seus familiares, quando os judeus (como eles) comeƧam a ser perseguidos. Sem muito tempo para organizar tudo, propƵe ao Ćŗnico funcionĆ”rio, FranƧois (Gilles Lellouche), um plano que envolve a venda de fachada do empreendimento e a posterior devoluĆ§Ć£o do mesmo ao seu legĆ­timo dono. 
Alguns problemas fazem com que as coisas nĆ£o saiam como o desejado e o cenĆ”rio improvĆ”vel que se estabelece Ć© o seguinte: FranƧois e sua esposa, Blanche (Sara Giraudeau), administrando a joalheria e morando na casa confortĆ”vel do antigo patrĆ£o e este confinado no porĆ£o, com medo de ser levado para um campo de concentraĆ§Ć£o. A partir daĆ­ acontece uma interessante dinĆ¢mica de transformaĆ§Ć£o de estatutos.

Talvez o grande tema desse longa-metragem selecionado para o 13Āŗ Festival Varilux de Cinema FrancĆŖs seja o quĆ£o inescrupuloso alguĆ©m pode se tornar (ou se revelar) em tempos de crise. 

O cineasta Fred CavayĆ© assina o roteiro ao lado de Sarah Kaminsky e ambos partem de uma peƧa teatral escrita por Jean-Philippe Daguerre. Se hĆ” algo que o filme mantĆ©m de sua matriz teatral Ć© a importĆ¢ncia dada Ć s interpretaƧƵes para a construĆ§Ć£o de um conto moral que tem a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo. 

Enquanto os soldados nazistas tomam as ruas e reduzem drasticamente os judeus da paisagem local, FranƧois ascende como um pequeno empresĆ”rio de sucesso. 

Detalhe: ainda vendendo as joias produzidas por seu antigo patrĆ£o que passa os dias esperando uma oportunidade para sair do porĆ£o da prĆ³pria casa. 


ƀ medida que FranƧois estreita relaƧƵes com um oficial alemĆ£o apaixonado por joias e mulheres, cresce a sensaĆ§Ć£o de que a nova posiĆ§Ć£o social comeƧa a pesar como algo determinante para expor traƧos atĆ© entĆ£o escondidos de sua personalidade. E quem mais sofre na pele Ć© Blanche, a esposa que carrega constantemente no semblante a mortificaĆ§Ć£o diante da transformaĆ§Ć£o do homem humilde com quem se casou num capitalista desalmado. De certo modo, para FranƧois a guerra Ć© positiva, pois coloca em seu colo os meios necessĆ”rios para modificar a sua estatura social.

Voltando Ć  importĆ¢ncia fundamental dos intĆ©rpretes. Enquanto a trama avanƧa de modo cronologicamente conservador, com inĆ­cio, meio e fim sendo desenhados claramente (o que nĆ£o Ć© nenhum demĆ©rito), o que hĆ” de mais desafiador em O Destino de Haffmann estĆ” nas pequenas batalhas travadas pelos atores em cena. Daniel Auteuil apresenta nuances fundamentais para construir o homem que passa a ser tratado como vassalo em seu lar. 

Longe de modelos rĆ­gidos demais para parecerem humanos, ele oscila entre a gentileza e a imposiĆ§Ć£o ao retornar para casa e mudar ligeiramente os planos que ele mesmo traƧou para escapar da morte. Note como Haffman continua “mandando” em FranƧois e na esposa e, ainda assim, demonstra desconforto por estar impondo a sua presenƧa naquele novo espaƧo familiar. Aos poucos, ele Ć© destituĆ­do simbolicamente de sua posiĆ§Ć£o como proprietĆ”rio e cai vertiginosamente numa lĆ³gica de exploraĆ§Ć£o que beira a escravidĆ£o. 

JĆ” Gilles Lellouche ganha um verdadeiro presente com seu personagem, o sujeito manco (fraturado pela vida?) que nĆ£o se faz de rogado ao decretar agressivamente as suas vontades. Num momento, FranƧois manifesta carinho pela esposa, no outro, empurra goela abaixo dela um plano para combater a frustraĆ§Ć£o da nĆ£o paternidade. Gradativamente, se transforma em alguĆ©m com poder suficiente para mandar e nĆ£o mais ouvir.


O destino de Haffmann

Completando o trio principal do longa-metragem estĆ” Sara Giraudeau, a atriz que representa o fiel da balanƧa. A sua Blanche fica entre esses homens levados a trocar de lugar e compƵe muito bem o equilĆ­brio da trinca. 

O cineasta Fred CavayĆ© oferece aos intĆ©rpretes espaƧos de desenvolvimento das emoƧƵes dos personagens para alĆ©m do que o texto expƵe, ou seja, hĆ” nĆ£o ditos e hesitaƧƵes tĆ£o ou mais indicativas do que as aƧƵes tensionadas pelos tempos de guerra. 


Ainda quanto ao vĆ­nculo com a matriz teatral, o realizador mantĆ©m a trama acontecendo, basicamente, na casa/joalheria, recorrendo aos exteriores somente em transiƧƵes sem muita importĆ¢ncia especĆ­fica. Pena que ele nĆ£o invista mais numa claustrofobia que evidentemente atinge tanto o casal (que tenta se reconfigurar sob um novo teto) quanto o homem escondido no porĆ£o (que busca sobreviver ao permanecer incĆ³gnito). 

Um pouco de indeterminaĆ§Ć£o dos papeis tambĆ©m faria bem ao filme, por exemplo, com o realizador nĆ£o demarcando tanto a que lugares uns e outros pertencem. Talvez o resultado ganharia espessura e densidade se as fronteiras fossem mais cinzentas e menos preto e brancas nessa inversĆ£o entre Joseph e FranƧois. 

De todo modo, o filme Ć© competente em contar uma histĆ³ria indicativa de muitas que acontecerem na Segunda Guerra Mundial: homens perdendo tudo, obrigado ao exĆ­lio; outros se rendendo Ć s oportunidades imbuĆ­das de perversidade; e as mulheres sofrendo com os desmandos de machos-alfa.

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