Uma visĆ£o mais profunda
Baseado nos Ensinamentos do Rebe
Fonte: LicutĆŖ Sichot vol. X, pĆ”gs. 7-12
Na narrativa da CriaĆ§Ć£o, um detalhe nos intriga com a forƧa do mistĆ©rio: por que a luz foi criada antes de tudo o mais, quando nĆ£o havia nada para se beneficiar dela? A explicaĆ§Ć£o rabĆnica apenas aumenta o mistĆ©rio, pois nos diz que a luz foi imediatamente “oculta para os justos no Mundo Vindouro.” O Rebe explica a dificuldade e elucida as implicaƧƵes da narrativa da CriaĆ§Ć£o para o indivĆduo e a conduta de sua vida.
1 – A Primeira CriaĆ§Ć£o
“E D'us disse “Que haja luz, e houve luz.”1 Este foi o primeiro dos pronunciamentos pelos quais D'us criou o mundo, e a luz foi a primeira de todas as criaƧƵes.
Mas por que foi assim? Pois a luz nĆ£o tem valor por si mesma; sua utilidade depende da existĆŖncia das outras coisas que sĆ£o iluminadas por ela, ou que se beneficiam dela.
Portanto, por que a luz foi criada quando nada mais existia?
AlguĆ©m poderia dizer que esta foi simplesmente uma preparaĆ§Ć£o para as coisas que mais tarde seriam feitas (na maneira que o Talmud2 diz que o homem foi criado por Ćŗltimo para que tudo estivesse Ć disposiĆ§Ć£o dele). Pois se Ć© assim, a luz deveria ter sido criada pouco antes dos animais (que podem distinguir entre luz e escuridĆ£o), ou pouco antes das plantas (que crescem com a ajuda da luz), no terceiro dia da criaĆ§Ć£o.
2 – A Luz Oculta
Os Rabinos3 explicam que a luz feita no primeiro dia foi “oculta para os justos no Mundo Vindouro”. PorĆ©m isso Ć© paradoxal. Como todo o propĆ³sito da luz Ć© iluminar, por que teria sido escondida logo depois de ser criada; a prĆ³pria negaĆ§Ć£o de sua razĆ£o de ser? E embora os Rabinos tenham explicado por que a luz deveria ter sido escondida, ainda precisamos entender por que, se D'us previu isto, mesmo assim Ele a criou no inĆcio.
Um outro comentĆ”rio precisando de explicaĆ§Ć£o Ć© aquele do Zohar,4 dizendo que as palavras hebraicas para “luz” e “segredo” sĆ£o numericamente equivalentes.5 A equivalĆŖncia numĆ©rica Ć© um sinal de que as duas coisas estĆ£o relacionadas uma com a outra (pois como as coisas foram criadas atravĆ©s das permutaƧƵes das letras dos pronunciamentos Divinos, duas coisas cujos nomes sĆ£o formados por letras do mesmo valor partilham uma forma essencial comum). PorĆ©m mais uma vez temos um paradoxo: a luz Ć©, pela sua essĆŖncia, uma coisa revelada, e um segredo Ć© necessariamente oculto. Como podem dois opostos partilhar uma forma em comum?
3 – A Arquitetura do Universo
Para resolver essas dificuldades devemos considerar uma declaraĆ§Ć£o feita pelo Midrash:6 “Assim como um rei que deseja construir um palĆ”cio nĆ£o o faz espontaneamente, mas consulta os desenhos dos arquitetos, tambĆ©m D'us olhou na TorĆ” e criou o mundo.”
Em outras palavras, examinando a ordem pela qual um homem comeƧa a fazer algo que exige planejamento e previsĆ£o, podemos aprender algo sobre a ordem de D'us em trazer o mundo Ć existĆŖncia. Primeiro, Ele fixa em Sua mente o propĆ³sito que Ele deseja que Sua obra atinja. Somente entĆ£o comeƧa o trabalho.
Este, por assim dizer, foi o procedimento de D'us. E o propĆ³sito do mundo que Ele estava para criar (um local onde a luz Divina seria oculta7 nas pesadas mortalhas da existĆŖncia material) era que deveria ser purificado e a luz pura de D'us restaurada. Ele procurou, em Ćŗltima anĆ”lise, “uma morada nos mundos inferiores”8 significando que Sua ocultaĆ§Ć£o (escuridĆ£o) seria transformada numa presenƧa revelada (luz). Como entĆ£o a luz era o propĆ³sito da criaĆ§Ć£o, e o propĆ³sito Ć© a primeira coisa a ser decidida na ordem de uma obra, a luz foi criada no primeiro dia. A intenĆ§Ć£o de todas as criaƧƵes subsequentes foi captada naquela frase inicial: “Que haja luz”.
4 – A Luz ImplĆcita
HĆ”, no entanto, uma alusĆ£o Ć luz em cada um dos dias subsequentes da criaĆ§Ć£o. Pois cada dia de trabalho terminava com o pronunciamento “E D'us viu que era bom”. E a palavra “bom” alude Ć luz, como estĆ” escrito: “E D'us viu a luz9, que era boa.” Ocorre que a luz estava presente em cada dia da criaĆ§Ć£o, mas como Ć© possĆvel, se a luz Ć© o propĆ³sito da criaĆ§Ć£o, e como tal explĆcita somente no final?
A resposta Ć© que o propĆ³sito se manifesta de suas maneiras:
(i) explicitamente no inĆcio de uma obra; e
(ii) implicitamente em cada estĆ”gio da obra, dirigindo cada esforƧo num padrĆ£o prĆ©-arranjado, para que se conforme com o projeto original.
Segue entĆ£o que houve dois aspectos na luz primitiva: primeiramente quando foi revelada, como propĆ³sito da criaĆ§Ć£o, no primeiro dia, antes de qualquer outra coisa existente; e em segundo, como era sentida indiretamente (e portanto somente sugerida) nos outros dias, modelando o restante da criaĆ§Ć£o rumo Ć sua funĆ§Ć£o.
5 – RevelaĆ§Ć£o e Cumprimento
Agora podemos entender por que o Zohar enfatiza a conexĆ£o entre “luz” e “segredo”, e por que o Rebe disse que estava oculta para os justos no Mundo Vindouro.
Enquanto um prĆ©dio estĆ” em construĆ§Ć£o, sua forma final nĆ£o estĆ” aparente, exceto na mente do arquiteto. Sua forma final Ć© revelada somente quando a obra Ć© completada.
Assim foi com o mundo: somente quando tinha sido levado Ć sua perfeiĆ§Ć£o, pelo nosso serviƧo durante os 6.000 anos10 que precedem o Mashiach, seu propĆ³sito (a luz) serĆ” revelado.
A luz agora estƔ oculta, mas no Mundo Vindouro (quando nosso serviƧo mundano terƔ sido completado) ela brilharƔ novamente como fez no primeiro dia.
Mas tudo que estĆ” escondido, estĆ” escondido em algum lugar. Onde a luz estĆ” escondida? Os Rabinos dizem:11 na TorĆ”. Pois assim como os desenhos de um arquiteto orientam as mĆ£os do empreiteiro, a TorĆ” nos guia – atravĆ©s do estudo e do cumprimento dos mandamentos – a modelar o mundo para a sua realizaĆ§Ć£o.
6 – Do Mundo ao Homem
Cada pessoa Ć© um microcosmo do mundo, e o destino do mundo Ć© seu. Pois entĆ£o essa ordem de histĆ³ria espiritual Ć© tambĆ©m uma ordem de serviƧo individual.
“Luz” Ć© o propĆ³sito de cada judeu: transformar sua situaĆ§Ć£o e ambiente em luz. NĆ£o meramente afastando a escuridĆ£o (o mal) evitando o pecado, mas transformando a escuridĆ£o em luz, comprometendo-se positivamente com o bem.
E sua ordem deve ser aquela de D'us no ato da criaĆ§Ć£o: primeiro deve formular Seu propĆ³sito. Imediatamente, quando acorda do sono (quando ele Ć© uma “nova criaĆ§Ć£o”12) – na verdade a todo momento, pois o mundo Ć© continuamente criado de novo,13 ele deve reconhecer que sua tarefa Ć© “Que haja luz.”
EntĆ£o ele deve deixar seu propĆ³sito estar implĆcito em cada uma de suas aƧƵes – alinhando-as com a TorĆ”, o projeto da criaĆ§Ć£o.
7 – Trevas em Luz
Se a luz Ć© o propĆ³sito de toda coisa criada, entĆ£o deve ser tambĆ©m o propĆ³sito da prĆ³pria escuridĆ£o. Pois a escuridĆ£o tem um propĆ³sito, nĆ£o meramente deveria existir para ser evitada (deveria apresentart ao homem um escolha entre bem e mal), mas deveria ser transformada em luz.
E se um homem Ć s vezes se desesperar, na opressiva escuridĆ£o de um mundo desregrado,14 de fazer a luz prevalecer, ainda mais de transformar o mal em bem, ele Ć© comandado desde o inĆcio: “No (ou em prol do) inĆcio, D'us criou…” E os Rabinos traduzem isto como: “Pelo bem de Israel, que sĆ£o chamados “o princĆpio da produĆ§Ć£o de (D'us), e em prol da TorĆ”, que Ć© chamada “o princĆpio” do caminho (de D'us)”15
O mundo foi feito assim para que Israel atravĆ©s da TorĆ” o transformasse na eterna luz da presenƧa revelada de D'us, no cumprimento messiĆ¢nico das palavras de Yeshayahu16: “O sol nĆ£o serĆ” mais sua luz durante o dia, nem pelo brilho a lua lhe darĆ” luz: PorĆ©m o Eterno serĆ” para ti uma luz eterna.”
Bereshit 1:3
Sanhedrin 31 a
Chagigah, 12 a. Bereshit Rabbah, 3:6
Parte III, 28 b
A derivaĆ§Ć£o das associaƧƵes de significado utilizando valores numĆ©ricos das letras hebraicas Ć© conhecido como Guematria. Cf. o Tanya, parte II, cap. 1
Bereshit Rabbah, inĆcio.
“Mundo” e “oculto” sĆ£o semanticamente relacionados em hebraico (olam-he’elam).
Cf. Tanya, parte I, cap. 36
Bereshit 1:4, cf Sotah, 12 a.
Correspondendo aos Seis Dias da CriaĆ§Ć£o.
Midrash Ruth, em Zohar Chadash, 85 a.
Yalkut Shimoni sobre Salmos
Tanya, parte II, inĆcio
“DesperdĆcio e vĆ”cuo, e escuridĆ£o estavam sobre a face da profundeza murmurante.” Bereshit 1:2.
Cf. Rashi, Bereshit 1:1.
Yeshayahu 60:19.
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