Ao longo de nossa história, em duas ocasiões o matrimônio entre integrantes de diferentes tribos judaicas foi proibido.
A primeira proibição ocorreu na época de Moisés e ordenada por Deus. Ao responder a Moisés uma pergunta relacionada às filhas de Zelofeade (Números 27), Deus preceituou que não havendo um filho homem, as filhas herdem as propriedades do pai. Ainda vigorava a proibição bíblica de mulheres se casarem com homens de outras tribos, para evitar que se uma filha herdasse a porção de terreno da Terra de Israel atribuída ao pai dela, esse terreno acabasse passando para o domínio da outra tribo através do casamento intertribal. A Torá (ibid. 36:8-9) ordena: “E toda filha que receber uma herança [inexistindo um filho homem] das tribos dos filhos de Israel se casará com alguém da família da tribo de seu pai, para que cada um dos filhos de Israel herde a herança de seus pais e não passe a herança de uma tribo a outra, pois os filhos de Israel hão de se vincular cada qual à sua herança.”
Essa lei foi uma fonte de dificuldades para os israelitas, especialmente para as mulheres diretamente afetadas por ela, por proibir o casamento intertribal. O Talmud (Bava Batra 121b) prova exegeticamente que essa não era uma lei que vigoraria para sempre, mas se destinava apenas à geração que herdou a Terra de Israel. No entanto, o povo continuou a observá-la mesmo depois de Josué dividir a terra entre as tribos.
A segunda vez que uma proibição com características similares vigorou foi na época dos juízes, como consequência da batalha entre a tribo de Benjamim e as outras tribos. Devido ao episódio da concubina de Guivá, o povo de Israel aceitou sobre si a proibição de casar-se com integrantes da tribo de Benjamim. O versículo (Juízes 21:1) declara: “Então os homens de Israel fizeram um juramento em Mitspá, dizendo: Ninguém de nós entregará a sua filha por mulher aos benjamitas.”
Essa lei revelou-se ainda mais problemática que a anterior, pois os sobreviventes da tribo de Benjamim não tinham com quem casar e a tribo enfrentava o risco de extinção. Uma solução parcial foi alcançada ao se permitir que os filhos de Benjamim se casassem com moças de Iavesh Guilád, uma vez que essa cidade tinha sido destruída por não ter tomado parte da guerra contra Benjamim. No entanto, apenas 400 moças sobreviveram em Iavesh Guilád, e da tribo de Benjamim restaram ainda cerca de 200 homens solteiros.
Os sábios daquela geração ordenaram então aos sobreviventes da tribo de Benjamim que se dirigissem a Shiló e tomassem como esposas as mulheres que ali se reuniam, que tinham vindo para a celebração anual na qual as filhas de Israel saíam e dançavam nos vinhedos em busca de maridos. Isso solucionaria o problema imediato e não violaria a proibição de “entregá-las”, já que os homens da tribo de Benjamim as “tomariam” à força. Assim, o versículo (ibid. 21:20-22) declara:
E ordenaram aos filhos de Benjamim, dizendo: “Ide e ficai de tocaia nas vinhas, e observai, e quando saírem as filhas de Shiló a dançar em rodas, saí das vinhas e agarrai cada um a sua mulher, das filhas de Shiló, e ide à terra de Benjamim. E quando os seus pais ou seus irmãos vierem brigar conosco, diremos a eles: Tende compaixão deles [dos filhos de Benjamim]… e vós não as destes a eles, para que sejais culpados [por violação do juramento].”
Embora esses planos tenham solucionado o problema de curto prazo dos 600 sobreviventes da guerra civil entre Benjamim e o resto de Israel, o problema de longo prazo não foi solucionado. Os sábios daquela geração determinaram então que a proibição decretada em Mitspá só se aplicasse à geração que efetivamente tivesse formulado o juramento. Por conseguinte, no futuro, os homens de Benjamim poderiam se casar com mulheres de todas as tribos.
No entanto, perdurava um problema: havia uma outra proibição – desde os tempos de Moisés – que impedia o matrimônio entre integrantes de diferentes tribos. Foi então que os sábios depreenderam exegeticamente que a proibição da Torá relativa a casamentos intertribais não estava mais em vigor, uma vez que a Terra de Israel já tinha sido repartida entre as tribos.
Segundo a tradição, a decisão de revogar as proibições tanto de matrimônios intertribais quanto de matrimônios com integrantes da tribo de Benjamim foi tomada no dia 15 de Av. Nós encontramos prova disso no texto do Livro de Juízes (ibid. vers. 19), onde consta que quando os sábios disseram aos filhos de Benjamim para se dirigirem a Shiló onde encontrariam mulheres para desposar, eles mencionaram: “Eis que há uma festa do Eterno em Shiló, celebrada desde tempos antigos…” Essa festa era a celebração do 15 de Av, que após o fim das mortes no deserto passou a ser comemorado como data festiva.
Como no Iom Kipúr
O clima festivo que impregna as comemorações de 15 de Av tem como origem a alegria do povo judeu por ter sido perdoado do pecado dos espiões. Nesse sentido, o espírito do dia se assemelha ao de Iom Kipúr.
Foi no dia de Iom Kipúr que Deus Se reconciliou com os israelitas, depois do pecado do bezerro de ouro. Foi no dia de Iom Kipúr que Moisés desceu do Monte Sinai trazendo as segundas Tábuas da Lei, depois da quebra das primeiras.
Como ambas as datas marcam momentos de perdão e purificação, as primeiras gerações não hesitaram em estabelecê-las como dias das filhas de Israel saírem para dançar nos vinhedos, pois não temiam que isso caracterizasse uma quebra dos limites da modéstia. Não havia razão para temer que as pessoas cedessem às tentações, uma vez que a essência desses dias é estar livre dos pecados. É por essa razão que o versículo de Juízes (21:19) fala do dia 15 de Av como uma festa para Deus – ou seja, uma festa em que tudo é feito com pureza, totalmente em nome do Céu.
Desde os tempos antigos, a essência da pujança da santidade de Israel encontra expressão nas barreiras de recato que o nosso povo – muito mais do que qualquer outro – levantou. Graças a elas, a alegria do matrimônio judaico é muito maior do que a de qualquer outro povo, pois os laços que unem marido e mulher – regidos pela Torá e pela observância das mitsvót – constituem um ato de santificação, que atesta que toda a vida de um judeu é sagrada. Assim, os sábios ensinam que todos os pecados dos noivos são perdoados no dia do casamento, para que eles possam começar a vida familiar com santidade, “sem trazer sobre os ombros um cesto cheio de pecados”. Há sábios que consideram que os pecados são perdoados com o intuito de promover a harmonia no lar, de modo que, se uma desgraça ocorrer, Deus nos livre, nem o marido nem a mulher possam acusar um ao outro de culpa pelo infortúnio devido a eventuais pecados anteriores.
Nas gerações antigas, os dias festejados com maior exaltação eram Iom Kipúr e 15 de Av, nos quais Deus perdoava os pecados do povo de Israel. A última Mishná do Tratado de Taanit declara:
Nunca houve dias de celebração para o povo de Israel como 15 de Av e Iom Kipúr. As jovens de Jerusalém saíam vestindo roupas brancas emprestadas [para não demonstrarem as suas posições sociais]. A filha do rei emprestava a roupa da filha do sumo sacerdote, a filha do sumo sacerdote emprestava a roupa da filha do assistente do sumo sacerdote, a filha do assistente do sumo sacerdote emprestava a roupa da filha do sacerdote que tinha sido ungido para acompanhar os exércitos nas guerras, a filha do sacerdote que tinha sido ungido para acompanhar os exércitos nas guerras emprestava a roupa da filha de um sacerdote comum, e todas as filhas de Israel emprestavam roupas umas das outras para não envergonharem as desfavorecidas.
Antes as roupas deviam ser mergulhadas ritualmente [pois o povo naquela época observava as leis de pureza ritual com muito rigor]… as filhas de Jerusalém saíam e dançavam nos vinhedos, e quem não era casado ia para lá.
E o que era dito a ele? “Rapaz! Olhe e faça a sua escolha. Não procure a beleza, considere a família, [pois está escrito]: Passageira é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Eterno por todo o sempre será louvada (Provérbios 31:30) e Concedei-lhe do fruto de suas mãos, e que seja louvada por suas obras nos portões (ibid. vers. 31).” E um [outro] versículo declara [a respeito do marido que as mulheres escolheriam]: “Saí, filhas de Tsión, e contemplai o Rei Salomão, com a coroa com que o coroou sua mãe no dia do seu casamento e no dia do júbilo do seu coração” (Cântico dos Cânticos 3:11). O dia do seu casamento se refere ao [dia da] outorga da Torá; o dia do júbilo do seu coração se refere ao [dia da] construção do Templo de Jerusalém – que ele seja reconstruído logo, em nossos dias. E assim como o lar coletivo de Israel tem como base a Torá e o serviço a Deus, que também os nossos lares sejam construídos com base na Torá e no serviço a Deus.
E o que diziam as moças bonitas? “Procure a beleza, pois a essência da mulher é a sua beleza.”
E o que diziam as moças nobres? “Considere a família, pois o propósito da mulher é ter filhos.”
E o que diziam as moças simples? “Tome posse de sua aquisição em nome do Céu, desde que nos enfeite de joias de ouro” [pois se não fosse a pobreza que as faz parecerem simples, as filhas de Israel seriam todas belas].
Como era grande a santidade desses dois dias! Em todos os outros dias festivos, nos locais de concentração pública os funcionários dos tribunais preparavam divisórias para separar os homens das mulheres e evitar assim a frivolidade [vide Talmud, Sucá 51a]. Mas nesses dias de festa isso não era necessário, pois cada israelita cuidava de manter ativas as suas barreiras pessoais de recato e santidade, a níveis compatíveis com a pureza dessas datas.
As próprias palavras da Mishná deixam isso evidente: “Nunca houve dias de celebração para o povo de Israel como 15 de Av e Iom Kipúr, quando as jovens de Jerusalém saíam.” Nesses dias não havia razão para temer a queda dos padrões da moralidade, diferentemente do que ocorria durante as outras festividades, quando havia o risco de que as barreiras do recato pudessem vir a ser derrubadas e, por isso, as moças não saíam, pois “mais que em suas vestimentas recobertas de ouro, a dimensão de sua honra está em seu interior” (Salmos 45:14).
Depois que o Templo foi destruído, a alegria genuína do cumprimento das mitsvót diminuiu e as barreiras da pureza e do recato foram derrubadas. Também as alegrias imensas e puras do 15 de Av e do Iom Kipúr cessaram.
Que todas as alegrias retornem em breve – com a reconstrução do Templo de Jerusalém em nossos dias!
Fonte: https://blog.sefer.com.br/