
As pesquisas apontam um virtual empate entre os dois maiores partidos, o Likud, de Netanyahu, e o centrista Azul e Branco, liderado pelo ex-comandante do Exército Benny Gantz, numa repetição do roteiro que se desenrolou cinco meses atrás. Parece o mesmo filme, mas algumas mudanças no cenário abrem a possibilidade de um desfecho diferente, e sugerem que, pela primeira vez em muitos anos, Netanyahu poderá perder a maioria formada por partidos religiosos e de direita que garantiu seu longo domínio na política de Israel.
A maior ameaça ao status quo vem de um antigo aliado, Avigdor Lieberman. Chefe de gabinete no primeiro governo de Netanyahu, em 1996, Lieberman deixou o Likud contrariado com as concessões aos palestinos e fundou seu próprio partido, o ultranacionalista e secular Israel Nossa Casa. Considerado um parceiro natural num governo direitista, Lieberman foi o principal obstáculo para Netanyahu formar uma coalizão, ao insistir que judeus ultraortodoxos prestem o serviço militar obrigatório. Isso significaria a perda dos 16 deputados de partidos ultraortodoxos dos quais o premier precisava para ter no Parlamento o mínimo de 61 assentos necessários para montar o governo.
A implosão nas negociações levou Netanyahu a dissolver o Parlamento e a acusar Lieberman de "empurrar o país para uma eleição desnecessária por ambição política". O ex-amigo rebateu, atacando o premier por "render-se completamente aos haredis (ultraortodoxos)". A crítica tornou-se o principal mote da campanha de Lieberman para a próxima eleição, acentuando o choque cultural entre religiosos e laicos em Israel. Divisões sobre como deve ser um Estado ao mesmo tempo judeu e democrático existem desde antes da fundação de Israel, mas tornaram-se mais agudas com a guinada do país para a direita nos últimos anos, quando discursos nacionalistas e religiosos ganharam mais espaço e poder.
Para Yehuda Ben Meir, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, em Tel Aviv, a mudança é significativa e pode ter impacto relevante na sociedade israelense caso a aliança proposta por Lieberman saia vencedora na eleição. Advogado, psicólogo e ex-deputado, com longa bagagem que inclui o cargo de vice-ministro do Exterior na década de 1980, Ben Meir evita fazer previsões eleitorais, porém considera que Lieberman já alterou a dinâmica política em Israel. A questão é se isso vai "pegar".
"Lieberman mudou o diálogo e as fronteiras conhecidas entre direita e esquerda que definiram a política israelense nos últimos anos", disse ao Globo.
Nascido na Moldávia, na então União Soviética, Lieberman tem como base eleitoral imigrantes da ex-URSS, que, embora apoiem a retórica linha-dura contra os palestinos, levam em sua grande maioria uma vida laica e não querem saber de rabinos se metendo nela. Além do alistamento militar de ultraortodoxos, ele também defende temas caros a sua base, como a instituição do casamento civil (que não existe em Israel), para que os imigrantes russos - muitos não reconhecidos como judeus pelos rabinos ortodoxos - possam driblar a burocracia religiosa.