
Quando uma família judia precisa de ajuda com abuso de drogas, para onde deve se dirigir?
de Jeffrey Dunetz
O abuso de drogas não é algo freqüentemente discutido na comunidade judaica. Porém, ele existe. E é um problema que pode crescer desenfreadamente. Um amigo meu, um chazan (solista) da sinagoga, está tentando ajudar seu filho de 15 anos de idade a vencer uma batalha contra o abuso. Era sexta-feira à noite na sinagoga quando ele me disse:
"Eu tive que chamar a polícia novamente hoje." Eu estudei o rosto do Chazan à medida que nós falávamos; normalmente ele tem um sorriso brincalhão, um olhar que lhe faz pensar que está prestes a fazer alguma brincadeira de qualquer tipo. Hoje pareceu diferente, seu rosto estava pálido, e em seus olhos não havia o mesmo brilho, este era substituído por pesadas olheiras. Suas mãos estavam agitadas enquanto falava: "tinha uma faca em suas mãos. Ele ameaçou sua mãe com ela. Disse que iria ferí-la com a faca e depois cortar seus pulsos." Tinha uma faca em suas mãos. Ele ameaçou sua mãe com ela.
Ele disse que as coisas tinham se acalmado depois que a políciafoi embora, mas estava preocupado com o que poderia estar acontecendo em sua casa enquanto ele estava lá, conduzindo os serviços de Shabat.
Eu fiquei perplexo. O filho do meu amigo é um bom menino, com um bom coração e sempre preocupado com as pessoas que não têm ninguém para lutar por elas. Ele costumava cuidar das minhas crianças nas noites de sábado. A ameaça violenta não era de seu caráter. Certamente já tinha ouvido meu amigo resmungando sobre seu filho não ter feito o dever de casa e nem as tarefas de casa quando solicitado. Mas eu sempre atribuí tudo isso à relação básica que existe entre pais e filhos.
Quando voltei para minha cadeira percebi que ao longo destes últimos meses as coisas pareciam se deteriorar. O menino estava andando com más companhias, companhias estas que depois rondariam o gramado em frente à casa do Chazan todas as noites. Numa sexta-feira à noite, o menino convidou 75 de seus amigos mais íntimos . A polícia teve que ser chamada para dispersar as crianças.
Neste último verão seus pais o enviaram para a USY on Wheels (acampamento) com a esperança de que ele acharia amigos melhores, mas ele foi expulso porque era indisciplinado e não seguia as regras do acampamento. Ao voltar para casa começou a piorar mais. Ele desaparecia direto, saia sem a permissão dos pais e, por isso, mais de uma vez meu amigo teve que fazer um boletim de ocorrência de pessoa desaparecida.
Claro que todas essas ocorrências causaram muito rumor na congregação. Pela minha grande amizade com o Chazan, pessoas vinham até mim e perguntavam: "eu só quero que saiba o que ouvi..." Em alguns casos pessoas mostravam verdadeira preocupação em relação ao chazan e sua família, mas outras pessoas diziam: "Isso não é bom para a sinagoga." Como se fosse graduado por um seminário que o imunizou dos assuntos de família.
AÇÂO DA CORTE
Quando o ano da escola passou, a ociosidade virou o assunto do momento. O fracasso do menino ao ir para a escola, para seguir as leis básicas de família , ou mostrar qualquer respeito por seus pais estavam causando uma grande quantidade de incidentes em casa. Parecia que ambos os lados estavam se afundando. Os pais diziam: "Você só tem 15 anos e não pode sair quando quiser." O filho respondia que estava cansado de viver num aquário, de ser filho de um chazan, e que seus pais precisavam lhe mostrar algum respeito.
Para piorar mais ainda, a família deles parecia estar se acabando também. A filha tinha muitas dores de estômago toda vez que escutava uma discussão. A esposa do meu amigo teve que ser levada às pressas ao hospital com dores no coração depois de uma falta de ar repentina. O distrito da escola estava se envolvendo. Meu amigo recebeu um telefonema do diretor dos alunos: seu filho estava preguiçoso e poderia ser mandado embora da escola.
A ociosidade habitual resultou no Tribunal de Família que tentou encontrar um caminho para forçar a criança a ir à escola; era um tipo de grupo que atua em casa. O diretor ofereceu a opção de pôr o menino no programa de PINS do distrito (Pessoas que necessitam de Supervisão). Projetada para evitar os tribunais, esse PINS oferece um oficial encarregado da vigilância da criança. Este oficial redige um documento que descreve os problemas da criança e um plano de ação para tratá-la. O oficial, os pais e a criança devem assinar o documento e, dessa forma, começam a trabalhar para endireitar as coisas.
A criança se recusou a assinar e despedaçou o documento na frente do juiz. Mas só havia um problema. A criança se recusou a assinar o documento. Pior do que isto, despedaçou o documento na frente do juiz. Os juízes não são legais em caso de indisciplina, mesmo vindo de um adolescente problemático. O menino de 15 anos de idade foi levado algemado para longe , chorando para seus pais: "Por que vocês deixaram eles fazerem isto comigo?" Ele foi para um centro de detenção do município, administrado por uma igreja local para passar o fim de semana. Mesmo que tais instalações sirvam para um propósito importante, elas não são um lugar para uma criança judia. Lá ele era ridicularizado por não se curvar durante o culto e por não ir à igreja.
E embora uma das brigas com seus pais era justamente sua resistência quanto às práticas judaicas, estavam lhe servindo comidas que não eram casher e ele não estava muito satisfeito em relação a isto. Depois de alguns dias no centro de detenção, ele assinou o documento. O juiz lhe disse para ir à escola e seguir o que sua família dissesse. Qualquer divergência quanto a isto , seria expulso novamente. Faltavam quatro dias antes de sua próxima apresentação no tribunal. A polícia fez outra visita (o incidente da faca), e o chazan tinha medo que isto poderia fazer com que o juiz o mandasse embora por muito mais tempo.
OLHOS VERMELHOS
Depois dos serviços de Shabat, eu e minha esposa deixamos nossas crianças em casa e fomos à casa de nossos amigos para tentar lhes dar apoio. Quando nos sentamos em torno da mesa de jantar, eles nos disseram que existia outro elemento para acrescentar ao problema da indisciplina de seu filho. Mais do que uma simples desobediência, eles tinham certeza de que seu filho esteve usando drogas. Aí eu disse: "Que isso! Ele é uma boa criança. Drogas? Isto não é um problema judaico!" Segurando as lágrimas, eles continuaram dizendo que quando o filho estava em seu quarto, até nos dias mais frios, eles ouviam o barulho do ventilador e viam as janelas abertas. Às vezes seus olhos estavam vermelhos como pimentões, algo que eles normalmente atribuíam às alergias. Mas depois acharam uns tubos. O que suspeitaram durante algum tempo, tinham agora certeza.
O que suspeitaram durante algum tempo, agora tinham certeza. Quando estávamos indo embora o chazan apontou para um furgão estacionado na frente de sua casa. Ele disse que as pessoas que estavam no furgão esperavam por seu filho, que fugiria sorrateiramente. A parte detrás do furgão estava aberta e haviam crianças sentadas atrás do furgão fumando maconha. No dia seguinte o Chazan fez uma indagação: "não há uma instalação judaica para este tipo de problema? Em qualquer lugar?" Ninguém soube responder. O abuso de drogas não é algo muito falado na comunidade judaica -- nossas crianças não se tornam viciadas. Nenhuma pessoa com a qual ele falou sabia para onde enviar uma criança judia para este tipo especifico de ajuda.
Finalmente o Chazan me ligou e disse que por uma série de surpreendentes coincidências descobriu que só havia um centro de reabilitação judaico contra drogas e álcool nos Estados Unidos inteiro, o Centro de Yatzkan. Ele foi fundado e está localizado na área do Hospital de Brunswick em Amityville, Nova Iorque. O centro está sob a direção de Abravam Twerski -- o psiquiatra e professor que é reconhecido como um dos mais citados do país em relação ao problema de abuso de substâncias químicas. Ele escreveu mais de 20 livros, e tem dado palestras no mundo inteiro sobre este problema de dependência química. E para completar , é um rabino ordenado, descendente direto do religioso Baal Shem Tov. Pelo tribunal de família, meu amigo poderia colocar seu filho, um adolescente com problemas, em Yatzkan. Ele partiu para o Centro na segunda-feira de manhã, e é claro, foi como um golpe violento para ele.Quando os funcionários foram verificar sua bagagem (procedimento normal para novos pacientes), acharam muita maconha, analgésicos, substancias alucinógenas, etc. Seria um longo caminho para percorrer.
PROBLEMAS HUMANOS
Em Yatzkan a equipe tirou um tempo para responder perguntas e prover o apoio necessário para a família inteira. Diferentemente da instalação do município, ele estava agora entre outro adolescentes judeus, aprendendo a lidar com esta doença que vicia a muitos. Os adolescentes vêm de todos os lugares dos Estados Unidos, de todas as denominações e todos os níveis de observância. Para acomodar a todo mundo só é servida comida casher e o Shabat é observado em espaços públicos, embora a religião não seja forçada para ninguém. O programa em Yatzkan é o tradicional AA Programa de 12 passos com uma abordagem judaica. Em média o programa dura 10 meses e o Rabino Twerski tem um sucesso surpreendente de 80%, muito acima da maioria de outras instalações para tratamento a longo prazo, e quase dobrado em relação aos centros padrão de tratamento em 28 dias (detox). Todo domingo há uma sessão de aconselhamento familiar onde a família inteira tenta trabalhar com os problemas associados ao abuso de drogas. Acima de tudo, ele estimula a comunidade judaica a não esconder o problema quando este aparecer, e sim procurar auxílio.
Eu li recentemente uma obra que o Rabino Twerski escreveu publicado pelo JACS (Jewish Alcoholics, Chemically Dependent Persons and Significant Others – Judeus Alcoólatras, Dependentes Químicos e outros tipos de dependência- www.jacsweb.org ). No artigo, o Rabino Twerski diz que não acredita no conto de fadas que diz que os judeus não bebem bebidas alcoólicas ou usam drogas. Ele adverte do perigo do uso de álcool e do abuso de outras substâncias químicas. Usados sem controle algum, podem matar o usuário, acabar com as famílias e eventualmente destruir uma comunidade inteira.
Ele recomenda programas de educação de clero, para ensinar ao Clero e a outros profissionais judeus como aconselhar pessoas com problemas e, acima de tudo, ele estimula à comunidade judaica a não esconder o problema debaixo do tapete, e reconhecer que a doença existe até em nossas próprias casas. Agora meu amigo é obrigado a contar a história de seu filho. Como um clérigo, ele sente que tem o dever de dizer às pessoas "não ignore os sinais de alerta." Ele conseguiu encontrar ajuda para seu filho, mas existem outros que ainda não conseguiram.
Os judeus sempre tiveram problemas, e é nossa tradição conversar e aprender com eles. Os patriarcas não tinham problemas? Avraham teve que disciplinar Ishmael. Rivka teve que combater com Esav. Até filhos do Rei David tentaram destruir seu pai. O fato de nossos heróis bíblicos serem humanos com problemas humanos fazem com que sua proximidade com D'us seja tão forte quanto a nossa pode também ser. A Torá fala francamente sobre seus problemas, e talvez, nós também devamos tirar uma lição disto. Se D'us quiser o Chazan e sua família continuarão a se curar. Seu filho tem ainda outros oito meses, e todo dia é uma luta contra essa terrível doença. Esperamos que esta seja uma outra história de sucesso.
Como um centro reservadamente subsidiado, Yatzkan é um centro extremamente caro ($6,000 por mês para cada residente). Mas diferentemente de outros lugares que exigem o pagamento adiantado antes de admitir um paciente novo, o Centro de Yatzkan declara abertamente : "Nenhum jovem judeu será rejeitado por razões financeiras." É por tzedakah, a generosidade de algumas pessoas, que o Centro de Yatzkan pôde aderir à esta política e compensar as despesas.