O membros do Lev Tahor praticam uma corrente do judaísmo ultraortodoxo Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Quando dois adolescentes sequestrados nos EUA foram encontrados com membros da comunidade judaica ultraortodoxa Lev Tahor, muitos olhares se voltaram para a seita, até então pouco conhecida fora de Israel e da Guatemala, onde seus membros estão atualmente sediados.
Recentemente, quatro membros da seita foram presos e acusados de sequestro de menores perante um tribunal de Nova York.
Os quatro foram encontrados em um povoado do México com Chaim Teller, de 12 anos, e sua irmã Yante Teller, de 14 anos, que haviam desaparecido da cidade de Woodrige, em Nova York, em 8 de dezembro.
Segundo a denúncia, os acusados sequestraram as duas crianças para levá-las de volta ao acampamento da Lev Tahor na Guatemala. Chaim e Yante tinham deixado a seita havia pouco mais de um mês acompanhados de sua mãe, que denunciava o "extremismo" da comunidade.
Entre os acusados de sequestro está Nachman Helbrans, líder do grupo e tio das crianças.Em Israel, onde foi criada, a Lev Tahor também é cercada por polêmicas há muitos anos.Parte da imprensa do país chegou a chamá-los de "talebãs judaicos". No entanto, até os críticos consideram desapropriado esse tipo de rótulo."Lev Tahor é um grupo devoto, inclusive excessivamente devoto, de judeus", escreveu em 2014 Elon Gilad, um colaborador do jornal israelense Haaretz. "O Talebã está associado ao uso da violência extrema e da destruição para impor seu ponto de vista às pessoas sob seu controle (no Afeganistão). A única razão para a imprensa israelense batizar o Leva Tahor de 'talebãs judaicos' é porque as mulheres da seita usam uma roupa negra da cabeça aos pés, que se parece com as burcas que o Talebã obriga as mulheres a usar."
Ultraortodoxos e anti-sionistas
A Lev Tahor, que em hebraico significa "coração puro", foi fundada em Jerusalém na década de 1980 pelo rabino Shlomo Helbrans.Estima-se que hoje tenha entre 250 e 500 membros. O grupo pratica muitos dos costumes do chassidismo, uma corrente ultraortodoxa e mística do judaísmo, mas é mais rígido em sua aplicação.As mulheres da Lev Tahor usam uma roupa negra dos pés à cabeça, com apenas o rosto visível. Os homens usam negro, cobrem a cabeça com um chapéu e nunca fazem a barba.A alimentação da comunidadade segue as leis Cashrut, conjunto de normas bíblicas que estabelecem quais são os alimentos aptos (kósher) que os praticantes do judaísmo podem comer. No entanto, o grupo também segue uma versão mais rígida dessas leis.
A maior parte de sua alimentação é feita em casa, com uso de ingrediente naturais e não processados. Eles não comem frango nem ovos de galinha, por considerarem que são alimentos manipulados geneticamente. Mas comem gansos e seus ovos.
Também não comem arroz, cebolas ou verduras folhosas. Antes de comerem legumes e frutas, sempre tiram a casca.Somente bebem leite de vacas ordenhadas por eles mesmos e fazem seu próprio vinho.Sua relação com a tecnologia também é bastante limitada: evitam o uso de aparelhos eletronônicos, como televisão, celular e computador.
São contrários ao sionismo, por receio de que a fé judaica seja substituída pelo nacionalismo secular no Estado de Israel.
Apesar de seu modo de vida rígido, os membros da seita consideram que operam plenamente dentro das fronteiras da tradição e das normas religiosas judaicas. E que não há nada de novo ou diferente no que fazem.
"Eles se veem como os únicos que estão seguindo o verdadeiro caminho, como os defensores da última chama do mundo judaico", escreveu Shay Fogelman, um jornalista do Haaretz que em 2012 teve a rara oportunidade de passar cinco dias convivendo com os membros da comunidade Lev Tahor. "Eles sentem desprezo por outros ramos do chassidismo, que consideram muito permissivos e degenerados."
"Os membros devem venerar e servir a Deus em todo momento. Suas bibliotecas só têm livros judaicos. Em suas casas não há televisão, rádio ou computador. Conceitos como tempo livre, ampliar os próprios horizontes ou buscar o desenvolvimento pessoal, em seu sentido ocidental, não existem na comunidade", descreveu Fogelman.
"As paredes das casas não têm nenhuma decoração; não há fotos, amuletos, fotografias de rabinos. Na maior parte das casas os únicos enfeites são candelabros, menorás e objetos religiosos de prata, todos guardados em caixas de vidro."
Controvérsias e expulsões
Nos últimos anos surgiram várias acusações contra a Lev Tahor de uso de formas extremas e violentas de controle sobre os membros, incluindo o uso de castigos corporais em crianças e matrimônio forçado de meninas menores de idade com homens mais velhos.
As denúncias foram feitas por ex-membros do grupo e seus familiares.
Em 1990, o rabino Shlomo Helbrans transferiu o grupo para os Estados Unidos, onde criou uma escola judaica na região nova-iorquina do Brooklyn.