Quebrando Muralhas – As Três Semanas

Quebrando Muralhas – As Três Semanas

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Quebrando Muralhas – As Três SemanasNão há época mais trágica, período mais doloroso, sofrimento mais agudo, do que o que aconteceu, ao longo da história, com o Povo Judeu durante as Três Semanas.
Começando no 17º dia do mês judaico de Tamuz e terminando no 9º dia do mês de Av, o Povo Judeu, como indivíduos e como um todo coletivo, lamentam e relembram as várias dolorosas tentativas de nossa destruição que ocorreram nessa época.
A lista de tragédias associadas com esse período é impressionante. 17 de Tamuz, o dia em que começam essas três semanas, é o mesmo dia em que, no ano de 1313 antes da era comum (aec), as Tábuas dos Dez Mandamentos foram quebradas. No mesmo dia, cerca de 1382 anos depois, as legiões romanas romperam as muralhas de Jerusalém depois de um cerco de 30 dias. Durante três semanas, a batalha foi travada em Jerusalém até ela ser conquistada, o Templo Sagrado destruído e o Povo Judeu enviado para o exílio. Assim, nós entramos em um estado de galut (deslocamento físico e espiritual) no qual nos encontramos até hoje.
E isto foi apenas o início. Três trágicas semanas depois, chegamos a Tisha BeAv, o “9 de Av”. Principalmente conhecido como o dia no qual o primeiro e o segundo Templos Sagrados foram destruídos – o Primeiro Templo pelo babilônios em 423 aec e o Segundo Templo pelos romanos em 69 ec – o 9 de Av também está associado a vários outros eventos terríveis, tanto antes da destruição dos Templos e continuando até os nossos dias. [Por uma cruel ironia, o dia originalmente escolhido pelo governo de Israel para expulsar os milhares de homens, mulheres e crianças de suas casas em Gush Katif e outros assentamentos na Faixa de Gaza caiu dentro das Três Semanas. Mas aquela data foi mudada devido à imensa pressão de judeus de todo o mundo, horrorizados com o fato de que o governo de Israel aumentaria a lista de sofrimentos durante o trágico período].
As leis judaicas falam de uma série de práticas de luto a serem observadas durante as Três Semanas. 17 de Tammuz e 9 de Av são dias de jejum. Durante todas as Três Semanas, como os enlutados, não fazemos casamentos e evitamos cortar nossos cabelos. Nos últimos nove dias das Três Semanas (i.e., de 1 a 9 de Av), entramos em um período de luto mais profundo: além das práticas mencionadas, nós não comemos carne nem bebemos vinho, não ouvimos músicas, não compramos ou usamos roupas novas, não nos banhamos por simples prazer, e, em geral, evitamos todas as atividades cujo propósito seja o prazer e a diversão.
Estas Três Semanas são referidas pelo Profeta Yermiahu como Bein HaMetzarim, literalmente “entre as constrições”. A palavra metzar, “constrição”, é a raiz da palavra mitzraim, “Egito”, aludindo aos nossos dias de escravidão em nossa primeira galut. Quando estamos constritos, estamos em um estado de exílio – nós não somos capazes de expressar a nós mesmos ou de ser quem realmente somos.



Ainda assim, como é verdadeiro com quase tudo no Judaísmo, nada é tão simples quanto parece. Nossos Profetas previram que o 9 de Av será finalmente revelado como o maior e mais alegre de todos os dias do ano. Mesmo agora, enquanto jejuamos e nos lamentamos neste dia, as leis judaicas aludem à sua futura condição como um moed, um dia de alegre celebração: é por este motivo que nós omitimos o tachanun (rezas de “súplica” e confissão dos pecados) de nossas rezas diárias no dia 9 de Av como fazemos nas festividades e outros dias alegres em nosso calendário.
No Zohar, obra cabalística fundamental, nos é mostrado como todo o período que consideramos como sendo de luto, todas as Três Semanas, é, na verdade, a semente para o que se tornará um dia de celebração.
Os 21 dias do período de Bein HaMetzarim começam em 17 de Tamuz. O número 17 é numericamente equivalente a tov, a palavra em hebraico que significa “bom”. Claramente, este “bom” não é revelado, mas, oculto dentro da escuridão, está o bem que será revelado. Além disso, enquanto nós temos 21 dias desta situação de luto, encontramos que, ao longo do calendário judaico, também existem 21 dias de festividade: Shabat é um dia; Rosh Chodesh, a celebração do novo mês, é um dia; Pessach, a data que marca a nossa saída da escravidão para a liberdade, são sete dias; Shavuot, considerado o dia de nosso casamento com nosso Criador, quando merecemos receber a Torá, é um dia; Rosh Hashaná, o início do novo ano judaico, são dois dias; Yom Kippur é um dia; Succot são sete dias; e Shemini Atzeret (Simchat Torah) é um dia. Assim: 1+1+7+1+2+1+7+1=21. Porém, os dias só equivalem a 21 se forem calculados de acordo como as festividades são respeitadas na Terra de Israel, onde as festas são um dia menores do que o são na Diáspora. Isto já é uma alusão de que a verdadeira forma de celebrar nossos dias sagrados é como é feito na Terra de Israel. E nós sabemos que uma das primeiras coisas que serão feitas quando formos redimidos é que todos os judeus serão retornados ao nosso verdadeiro lar, a Sagrada Terra de Israel.
O Talmud de Jerusalém (Taanit 4:5), nos diz que os 21 dias das Três Semanas correspondem a uma visão que o profeta Yermiahu teve sobre a destruição do Templo. Yermiahu viu um makel shaked, um “cajado de madeira de amendoeira”, e ouviu D'us alertá-lo de que o mau era iminente – “Pois Eu apressarei (shoked) minha palavra para fazê-lo” (Yermiahu 1:11-12). O Talmud explica: “A amêndoa leva 21 dias desde que floresce até amadurecer. Isto corresponde aos 21 dias entre o 17 de Tamuz, quando as muralhas de Jerusalém foram rompidas, e o 9 de Av, quando o Templo Sagrado foi queimado”.
O famoso “Gaon de Rogatchov” (Rabbi Joseph Rozen, 1858-1936) escreve que, inerente ao aviso de D'us a Yermiahu, havia um consolo. Amêndoas começam sendo amargas e se tornam doces (ao contrário de outro tipo de noz chamada luz que começa sendo doce e se torna amarga). É por isto que os 21 dias do Bein HaMetzarim são aludidos como sendo os 21 dias do “cajado da árvore da amêndoa”; não só nós somos capazes de negar a amargura destes dias, mas somos também capazes de transformar sua amargura em doçura, de transformar estes dias de lamentação em dias de regozijo e alegria”.
Outra alusão a isto está na famosa declaração talmúdica Mishenichnas Av m'maatin b'simchah. O significado básico dessas quatro palavras é “Quando Av entra, nós diminuímos com alegria”. Entretanto, porque o texto talmúdico original não contém nenhuma pontuação, esta declaração pode ser lida de duas formas. Por um lado, falando praticamente, devido às tragédias que se abateram sobre o Povo Judeu durante o mês de Av, nós minimizamos nossa alegria. Entretanto, agora que sabemos que o bem está apenas oculto e será brevemente revelado, nós também podemos lê-la de outra forma: “Quando Av entra, nós diminuímos, com alegria”. Como nós diminuímos a dor e o sofrimento que chegam com o mês de Av? Especificamente com simchah, com uma visão positiva e uma abordagem alegre.
E nós encerramos as Três Semanas com um lembrete semelhante. Em 9 de Av, nós lemos Kinot (“Lamentações”), uma coleção de rezas poéticas que descrevem os terríveis eventos que sofremos como um povo. Entretanto, se nós invertermos a ordem das letras, teremos a palavra Tikun (“retificação”), mostrando que tudo, não importa quão escuro ou quão aparentemente mau, tem a capacidade de mudar.



Já que o 9 de Av acontece no mês de Av, nós devemos também olhar para as dimensões esotéricas do próprio mês para termos um entendimento mais profundo desta época. Como é explicado no Sefer Yetzirah (o mais antigo livro de Kabbalah que temos e que é atribuído ao próprio Avraham), cada mês do ano judaico tem uma letra que o representa, e cada letra pode ser interpretada de acordo com sua forma, contornos, valor numérico e seu significado.
A letra que representa o mês de Av é Tet, que é a 9ª letra do alfabeto hebraico e sua gematria (valor numérico) também é 9. Como a primeira letra da palavra tov, o Tet representa o conceito do bem oculto que está aguardando ser revelado. Ele também representa o conceito de gravidez, tanto em sua forma (arredondado e introvertido) e valor numérico (aludindo aos nove meses de gestação).
De fato, uma das metáforas clássicas no pensamento judaico é o de que a gravidez representa um estado de constrição, pois é um período quando o bem oculto está escondido e constrito, até que chegue o momento para que ele nasça e seja revelado no mundo. É vital lembrarmos que a gravidez não existe apenas em um nível físico, mas somos todos – homens e mulheres – considerados como estando constantemente em vários estágios da gravidez, seja ela espiritual, emocional ou intelectual. Assim, a mitzvah de pru u'revu (“crescer e multiplicar”) não significa apenas ter filhos fisicamente, mas também que nos é ordenado a sermos criativos, usando os talentos que nos são dados por D'us para criarmos dentro deste mundo.
O estado de gravidez é, assim, um momento de contrição no qual nós não somos ainda capazes de manifestar plenamente nosso potencial ou o bem latente ou oculto que está dentro dele. Mas, como geralmente descobrimos, é o trabalho que praticamos enquanto escravizados e constritos que nos permite apreciar plenamente nossa liberdade. Somente através da limitação nós podemos entender o que significa não ter limites. E, assim, a chave especial de nossa celebração, nossa redenção, poderá ser encontrada nesta época de constrição.
O 9 de Av é o dia Tet de Av, o dia grávido do mês grávido. Incrivelmente os Sábios ensinam que o Mashiach nascerá no dia 9 de Av (existem diferentes opiniões se isto será seu nascimento físico ou espiritual). Em outras palavras, nosso redentor será revelado e trará nosso mundo a um estado de revelação no exato dia que durante nosso exílio representou terrível destruição. No meio de nossa destruição, nós temos a habilidade do renascimento.
O mesmo é verdade sobre o dia que marca o início de nosso período de luto, o 17º dia de Tamuz, o dia em que as muralhas de Jerusalém foram rompidas, levando à Destruição e ao Exílio. Entretanto, existe algo de positivo que pode resultar do rompimento das muralhas. Existe algo de “bom” (aludido pelo número 17 = tov = bom) aqui que pode ser também a semente de um processo muito positivo. Isto certamente não só é verdade em um nível físico, mas também psicologicamente, emocionalmente e espiritualmente. Estas barreiras são geralmente mais difíceis de serem quebradas do que até mesmo a maior e mais forte muralha física.
Uma parede é algo que mantém os outros de fora, que protege e esconde o que é guardado por trás dela. Paredes são necessárias, especialmente em um mundo imperfeito. Entretanto, há momentos que precisamos derrubar nossas paredes para podermos experimentar, sentir e crescer de verdade. Se nossas paredes estiverem sempre de pé, então ninguém poderá entrar e nós não poderemos sair; em vez de mera proteção, elas se tornam uma forma de fuga, de separação, uma barreira que se torna uma prisão.
Este é o verdadeiro trabalho que nós devemos fazer, tanto individualmente quanto globalmente. Nós devemos olhar para dentro de nós mesmos e começar a quebrar nossas muralhas. Nós devemos quebrar nossas muralhas do medo, desconfiança, ignorância e ódio, e nós devemos destruí-las totalmente. Então, quando estivermos no meio das ruínas, quando pudermos finalmente enxergar uns aos outros novamente e quando nada estiver nos bloqueando, nós poderemos começar o processo novamente, tijolo por tijolo. Mas, desta vez, em vez de construirmos uma parede, construiremos uma casa, uma casa que possa ser usada por todos e onde todos sejam bem-vindos. Com isto, seremos finalmente capazes de revelar a bondade que foi escondida por tanto tempo, trazendo significado à confusão e propósito ao caos aparente. Então, não mais experimentaremos aqueles dias de luto, mas de celebração e alegria, pois seremos verdadeiramente redimidos.
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