O historiador britânico Simon Schama
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O livro faz referência aos
mercadores judeus de Lisboa que fundaram a primeira rota organizada de fuga
para a Índia devido às perseguições
As perseguições contra os
"cristãos novos" em Portugal no século XVI originaram a criação da
primeira rede de fuga solidária, financiada e estruturada entre membros da
comunidade judaica na Europa.
No livro "História
dos Judeus - Pertença (1492-1900)", o historiador britânico Simon
Schama, refere que os mercadores judeus de Lisboa fundaram a primeira rota
organizada de fuga contra as perseguições.
"Se se sentiam desesperados,
não estavam sós. Em Lisboa e em Antuérpia, um consórcio de mercadores
de pimenta e de especiarias, os mais ricos dos cristãos-novos portugueses,
contribuiu para um fundo de poupança destinado a ajudá-los na sua viagem e a
ultrapassarem as piores situações", escreve o historiador.
Schama frisa que a solidariedade
dos judeus, "dos ricos para com os pobres", dos que viviam em
segurança para com os que se afundavam na insegurança, "é agora um truísmo
da História", mas foi a partir de Lisboa, no início do século XVI, que se
tornou organizada e sistemática.
O livro relata que "como
pequenos animais noturnos a emergirem de tocas, as figuras sussurrantes e
cobertas de capas iam para os cais do rio Tejo"
"Os príncipes do comércio da
pimenta que formavam o comitê de salvação, tinham voltado a sua inteligência
comercial para uma autoestrada transcontinental que era uma via de escape: uma
corrente de navios, barcaças, alojamentos, carruagens, cocheiros e cavaleiros,
da costa atlântica portuguesa até aos portos ingleses e depois através do Canal
da Mancha para a Flandres, seguindo para sul já em terras de França e na
Renânia, pelas passagens dos Alpes, a caminho do Vale do Pó", explica.
O autor indica que apesar de a
Inquisição não ter sido autorizada a iniciar as investigações sobre os
cristãos-novos em Portugal, senão em 1536, "já se esperava, cinco anos
antes, que isso acontecesse".
O livro relata que "como
pequenos animais noturnos a emergirem de tocas, as figuras sussurrantes e
cobertas de capas iam para os cais do rio Tejo" os judeus levavam consigo
apenas aquilo de que precisavam para a viagem de duas semanas para a Antuérpia.
"Eram pessoas chamadas
Gomes, Dias, Lopes, pessoas que sabiam que, em tempos, tinham sido Cohen, Levi,
Benveniste e precisavam sair de Portugal antes de poderem ser apanhadas pelas
mandíbulas brutais da Inquisição".
No livro, o historiador
recorda o massacre de dois mil judeus, na Páscoa de 1506, em Lisboa, por
populares e marinheiros estrangeiros "impelidos por frades dominicanos que
habitualmente chamavam 'judeus' aos cristãos-novos".
A segunda parte, publicada este
mês em Portugal, continua a investigação sobre o percurso dos judeus obrigados
a abandonar Lisboa.
A chacina de Lisboa não foi
evitada apesar da decisão de que não haveria investigações à fé dos
cristãos-novos (incluindo à comunidade judaica expulsa de Espanha em
1492) para tentar fixar "a população de marranos" em Portugal.
A trágica "dispersão"
dos Judeus da Península Ibérica já tinha sido aprofundada no final do anterior
volume ("História dos Judeus - Encontrar as Palavras 1000 A.C. - 1492
D.C").
A segunda parte, publicada este
mês em Portugal, continua a investigação sobre o percurso dos judeus obrigados
a abandonar Lisboa, mas que acabaram por encontrar, por exemplo, novos
problemas com os portugueses a Oriente: em Cochim e em Goa onde já tinham
estabelecido sinagogas.
"Mal os portugueses puseram
o pé em terra na costa ocidental da Índia, onde conquistaram Goa, começaram
logo a ouvir-se queixas sobre o número de judeus e de cristãos-novos suspeitos
e que se dedicavam ao comércio de pimenta e de especiarias", escreve Simon
Schama sublinhando a posição do vice-rei Afonso de Albuquerque que pediu
autorização ao rei para "exterminar os Judeus, um a um, à medida que são
encontrados".
Também nas primeiras décadas do
século XVII, “uma colônia pequena, mas florescente de judeus portugueses que se
tinha estabelecido no Senegal (Senegâmbia) é deparada com novas perseguições,
numa altura em que o poder português fazia parte da monarquia espanhola (1580-1640)”.
A comunidade ganhou raízes,
abriram-se sinagogas e alguns dos judeus senegambeses e os seus filhos mestiços
mudaram-se para a nova Jerusalém, Amsterdam.
A comunidade judaica
estabelece-se permitindo a obtenção de vantagens comerciais que abrangeram os
oceanos Atlântico e Índico a partir dos Países Baixos onde já anteriormente se
destacou a família de Diogo Mendes que ganhou espaço na primeira bolsa de
valores do mundo, a partir de 1531.
A comunidade ganhou raízes,
abriram-se sinagogas e alguns dos judeus senegambeses e os seus filhos mestiços
mudaram-se para a nova Jerusalém, Amesterdam.
"Um desses mulatos, Moisés
de Mesquita tornou-se um dos pilares da comunidade portuguesa de Amsterdam",
escreve o autor na primeira parte deste segundo volume de "A História dos
Judeus" onde são amplamente aprofundadas as questões relacionadas com os
judeus de Portugal.
A história geral de Simon Schama
prolonga-se até 1900 destacando a presença dos judeus no centro da Europa e
detalhando o início da presença da comunidade no continente americano, assim
como as referências ao Caso Dreyfus, em França.
Schama, professor de História da
Arte na Universidade de Columbia, é autor, entre outras, de obras como
"Cidadãos", sobre a Revolução Francesa; "Futuro da América"
e é autor de vários documentários, entre os quais, "Power of Art" da
BBC.
O livro "História dos
Judeus - Pertença, 1491-1900" (Temas e Debates, 899 páginas) inclui
fotografias e um glossário e foi traduzida para o português por Pedro Garcia
Rosado.