Não é fácil tentar basear uma história do Holocausto, ainda que apenas parcialmente, em testemunhos. Desde logo há a relutância em falar. Da parte dos autores (guardas, Kapos, outros ajudantes) por motivos óbvios. Da parte das vítimas, pela dificuldade em reviver memorias extremamente traumáticas. Este obstáculo só começou a ser realmente ultrapassado a partir dos anos 60, mas não tardaram a ouvir-se críticas - nem todas injustificadas, talvez - à chamada "indústria do Holocausto".
Juntamente com o negacionismo propriamente dito, isso terá reforçado a reticência de muitas pessoas, em especial aquelas de que eventualmente ninguém se teria lembrado até então. Laurence Rees há anos faz documentários para a BBC sobre o assunto. Como autor, teve a vantagem de conhecer previamente uma grande quantidade de testemunhas, nem todas do lado das vítimas. Holocausto - Uma Nova História faz uso desse património, que não se limita a enriquecer a narrativa mas lhe dá fôlego. O leitor não pode deixar de constatar como a introdução da voz direta torna a leitura mais fluída que o habitual neste género de obra.
Este livro pode ser oferecido sem reservas tanto a um jovem interessado em saber mais como a um amador já relativamente familiar com o assunto. A um certo nível, é um relato convencional. Examina as origens históricas e intelectuais do antisemitismo, a evolução dele em Hitler, a conjuntura alemã que permitiu a ascensão surpreendentemente rápida dos nazis. Uma vez chegados ao poder, eles não tardaram a cumprir o seu 'programa', de forma gradual mas determinada. Contudo, o progresso e os modos concretos de realização foram tudo menos lineares, devendo bastante aos acidentes da guerra, e em especial à entrada nela dos EUA, que reforçou a ideia de que o tempo urgia e era preciso acelerar o horror.
Não faltando aqui nada de essencial sobre o tema, há uma grande quantidade de pormenores adicionais, de natureza pessoal mas não só. Algumas distinções entre países parecem tristemente relevantes. Enquanto na Dinamarca muitos judeus foram avisados do que os esperava e conseguiram refúgio em casa de outros cidadãos (e em Itália, como se sabe, o regime de Mussolini não deportou judeus italianos), em Franca a situação foi outra, e na Holanda a eficiência administrativa levou a que uma larga maioria dos judeus fosse efetivamente entregue aos seus carrascos.
"Os funcionários públicos holandeses desempenharam um papel crucial. A maioria decidiu ajudar os alemães na administração do pais de modo profissional e diligente", escreve Rees. "A eficiência com que facilitaram o desejo alemão de um registo individual de todos os judeus, a partir de 1941, continua a ser impressionante. Este sistema detalhado de registo provaria ser de grande valia aos nazis no momento da deportação dos judeus holandeses para os campos de extermínio".
Quanto ao que acontecia nestes últimos, Rees não é mais nem menos detalhado do que outros autores que têm escrito sobre o assunto. Curiosamente, o testemunho direto alivia por vezes a narrativa, quanto mais não seja porque o humano tem sempre algo de inesperado. Quem diria que um jovem evadido de Sobibór seria acolhido por um agricultor que o deixou ficar na quinta "desde que fingisse ser um polaco não judeu e tomasse conta das vacas".