Por Roberto Leon Ponczek*
Ontem passei horas ouvindo uma extraordinária jazzwoman cega chamada Diane Shuur, cantando e tocando piano e fiquei extasiado quando ela fez um dueto extraordinário com Steve Wonder em "I just called to say I love you". Como Shur é uma cidade bíblica (onde o patriarca Abraão se fixou por um tempo), a primeira pergunta que me ocorreu foi se a cantora que tanto admiro é judia. Procurei exaustivamente em várias fontes, mas só descobri que seu pai se chamava David Shuur, o que reforçou minhas suspeitas, mas não me deu uma confirmação cabal. Mas afinal, que importância tem se Diane Shuur é judia ou não? Deixarei de gostar menos de sua arte caso ela não seja judia?
Pergunto-me porque nós judeus estamos sempre buscando em nossos ídolos uma origem judaica comum que os aproxime de nós? Não sei responder, mas o fato é que me "pego" sempre fazendo isso. Quando gosto de um filme, espero até os créditos todos serem projetados para orgulhosamente identificar sobrenomes judaicos. Hoje assisti ao assombroso filme “Mãe" que me impressionou muito, pois seu enredo não segue a lógica da causalidade física, mas a estranha lógica simbólica dos sonhos. Esperei até que todos os créditos fossem exibidos, quando identifiquei o sobrenome judaico do diretor: Aronofski. Saí inexplicavelmente orgulhoso do cinema já vazio. Faço o mesmo com músicos, escritores e filósofos. "Puxa Henri Bergson é judeu, neto de um rabino ! " - exclamo baixinho para mim mesmo...Vibrei quando descobri que nosso grande Jacob do Bandolim era filho de uma judia polaca e que seu nome era Jacob Pick! E que o grande compositor norte-americano George Gershwin, chamava-se, na verdade, Gershowitz. Surpreendi-me positivamente ao “descobrir”, pela primeira vez, que os principais líderes da Revolução Russa de 1917, Leon Trostski e Vladimir Lenin eram judeus, afinal como quase todos os jovens já fui comunista!. Talvez inconscientemente, estejamos buscando laços familiares com quem idolatramos ou admiramos. Einstein, para mim, foi quase um irmão mais velho!
Certamente conhecedoras desse insólito hábito que os judeus têm de buscar a origem judaica dos grandes nomes do saber é que as escritoras Gavriʼelah Avigur-Rotem e Nancy Rozenchan (ambas provavelmente judias) escreveram o livro de título tão sugestivo “Mozart não era judeu"!
A recíproca é cruel e também verdadeira, estamos sempre com medo de que algum judeu esteja nas páginas policiais. Senti uma profunda decepção quando vi o nome de Arthur Nuzman ser indiciado pela polícia federal como suspeito de subornar o Comitê olímpico para fraudulentamente fazer o Rio de Janeiro ser escolhido como sede dos Jogos Olímpicos. Pensei comigo, "um judeu fazendo uma coisa feia dessas". E fiquei tão envergonhado como se esse tal de Nuzman fosse meu primo! Nós judeus nos sentimos membros de uma única família. E assim da mesma forma que nos vangloriamos de ter um "parente" como figurinista, ou maquiador, de algum filme de Hollywood, também tememos que “uma de nossas rapazes" apareça nas páginas policiais.
Em relação a Israel sabemos que é uma nação entre as nações, mas como se trata da nação da nossa “família judaica” exigimos que seja um modelo de Ética, ciência, conhecimento, inovação e tudo que nos remeta à civilização. Exigimos de Israel, em nível coletivo, tudo que exigimos de um judeu como indivíduo. E às vezes criamos expectativas maiores do que a realidade pode nos oferecer.
Por que nos sentimos tão lisonjeados ou decepcionados quando judeus fazem algo bom ou algo errado? Que estranho sentimento de unidade é esse que remonta a uma abstrata e longínqua era bíblica, quando Moisés nos tirou do Egito e D’us nos abriu o Mar Vermelho para que seguíssemos em busca da Terra Prometida? Será este sentimento de identidade que nos remete a tempos bíblicos um arquétipo saído do inconsciente coletivo judaico? Às vezes acredito que todos nós judeus estivemos no Egito há mais de 3 mil anos atrás e que eu próprio fiz essa travessia caminhando ao lado Diane Shuur, Einstein, Lenin, Trostski, Jacob do Bandolim e Gerswhin!
Afinal, alguém sabe me dizer se Diane Shuur é judia ou não?
* Roberto Leon Ponczek é físico e Professor Permanente de Filosofia da Ciência e Teoria do Conhecimento no Doutorado de Difusão de Conhecimento da Universidade Federal da Bahia. Seus pais, Tadeusz e Wanda Ponczek, foram sobreviventes do Gueto de Varsóvia e emigraram para o Brasil em 1946. Roberto, natural do Rio de Janeiro, mudou-se para a Bahia em 1983.