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Em todas as ruas de Jerusalém, a incerteza constante

Em todas as ruas de Jerusalém, a incerteza constante
The New York Times
  

É assim que nos sentimos ao volante: o semáforo fica vermelho e amarelo para avisar que vem o verde. Hesitou meio segundo antes de acelerar? Alguém buzina. Garotas saindo da escola fazem gestos e caretas aos motoristas quando pisam na faixa de pedestres: vai esperar ou o quê?

Dá para ver na aglomeração: apartamentos se empilham uns sobres os outros nos bairros palestinos e enclaves que parecem guetos ultraortodoxos, separados por poucos quarteirões em cada um dos lados da Linha Verde, a fronteira pré-1967 com a Cisjordânia.

Dá para ouvir na forma como as pessoas falam – "os árabes", "os judeus" – sobre aqueles com quem estão fadados a dividir um pedaço de terra em uma área sem valor estratégico, pela qual o mundo tem estado em guerra há milhares de anos, e há algumas décadas tenta negociar.

O mundo conhece Jerusalém pela parte da Cidade Velha e o Domo da Rocha, pelo antigo muro do tempo de Herodes, o Santo Sepulcro e as pedras rústicas que brilham sob o sol.

Em todas as ruas de Jerusalém, a incerteza constanteMas Jerusalém não é feita só de seus cartões postais. Uma peregrinação não é o mesmo que viver aqui. A tensão pode ser desgastante. E quando os confrontos emergem, até os nativos podem se perguntar por que persistem.

"Nós todos acreditamos que há algo sagrado nesta cidade, mas é muito difícil. Você se sente vivendo em uma cela aqui. As pessoas são tensas. E você se sente separado: tem que estar ou na comunidade israelense ou na árabe. Não há diferença – somos um país – mas são ou árabes israelenses, ou palestinos, ou judeus israelenses", disse Tomer Aser, 35, que mora em Beit Hanina, no leste de Jerusalém.

Para os hierosolimitas (gentílico formado a partir do nome grego da cidade, Ierossólyma), o estresse é algo com o que se aprende a viver. Ele cresce e culmina no Sabbath, o fim de semana de um dia em volta do qual os judeus religiosos constroem suas vidas e judeus e árabes seculares aproveitam ao máximo.

E o conflito Israel-Palestina também cria uma pressão de longo prazo, que periodicamente ameaça explodir em episódios de violência.
Com o presidente Donald Trump reconhecendo Jerusalém como a capital de Israel e incomodando a Cisjordânia e Gaza, a cidade foi envolvida pela maior choque em meses, se não em anos.

Uma viagem no metrô de Jerusalém em uma sexta-feira recente deu uma ideia de como essa incerteza é sentida.

A linha vermelha – a única da cidade até agora – começa na região oeste, no Monte Herzl, um monumento às origens de Israel, que abriga o Yad Vashem e os cemitérios nacional e militar do país.

A linha segue até os bairros árabes do leste da cidade, Shuafat e Beit Hanina, antes de terminar no agitado Pisgat Ze’ev, um dos vários assentamentos criados para cercar o leste de Jerusalém no território estabelecido em 1967.

O metrô é um nivelador, um meio de transporte moderno e conveniente, com serviço eficaz – e segurança visível. Um estudante britânico foi esfaqueado até a morte na linha em abril.

A linha não é nem de perto tão usada pelos árabes como é pelos judeus. Depois que um adolescente de Shuafat foi raptado perto de uma estação, torturado e morto por um grupo israelense em 2014, manifestantes palestinos a atacaram como se ela fosse um símbolo da ocupação israelense.
Em todas as ruas de Jerusalém, a incerteza constante

Na tal sexta-feira recente, judeus religiosos rezavam no vagão em movimento, duas estudantes em seus uniformes riam e um árabe mais velho segurava com força duas sacolas de mantimentos e olhava para frente.

"Ninguém realmente quer se odiar, mas tudo é intenso", disse Jane Aharon, gerente de propriedades de Seattle que se mudou para Israel em 2003 e para Jerusalém em 2009.

Ela acrescentou: "As coisas podem acontecer perto de você".

Intensidade nem sempre é ruim. A linha de metrô desce a rua Jaffa, passando pelo mercado de Mahane Yehuda, onde as sextas-feiras são confusas com compradores brigando por challah e azeitonas, por peixe fresco e sementes de romã, tudo com prazo apertado: as lojas fecharão em poucas horas, a maioria até domingo.

Shlomo Fitusi, soldador de 69 anos, passa lentamente pelos compradores apinhados com sua bicicleta, levando um vinho kosher em um saco pendurado no guidão.
Membro da Chabad Lubavitch, uma seita hasídica, ele vive perto da Cidade Velha, e diz que acorda às 3h00 todas as manhãs e faz o caminho para o Muro das Lamentações por volta das 4h00. Ele morou na França por um tempo, mas voltou há 14 anos. "Não há nada para fazer no exterior", disse ele, e acrescentou com fervor messiânico: "E logo Jerusalém será a capital do mundo inteiro".
Mesmo esse orgulho sendo comum na cidade, arranhe qualquer superfície perto de um hierosolimita e as queixas virão à tona.
Dentro da Cidade Velha, o mercado árabe é tão vivo e tomado pela cacofonia quanto o judeu, com vendedores gritando para serem ouvidos ao lado de morangos, capas de celular e blusas. As orações terminaram e um mar de gente está de passagem. Seus rostos estão animados.
Em todas as ruas de Jerusalém, a incerteza constanteNabil al-Hejerasi, 65 anos, diz que a mensagem dos clérigos era: "Seja paciente, não se preocupe com o que outras pessoas dizem. A verdade um dia aparecerá".
Hejerasi é um importador que viveu em Minnesota por muitos anos, mas voltou a Jerusalém há uma década. "Todo mundo ama a própria casa. E você quer morrer em casa", disse ele.

Mas contou que não é fácil voltar. "As pessoas são teimosas. Elas não viajam muito, e seu cérebro trabalha apenas de uma maneira. E só veem o que está na frente do nariz. A vida será difícil aqui para ambos os lados até a paz chegar."
Descendo uma viela que dá acesso ao quarteirão muçulmano, o barulho aumenta. Colonos judeus em um telhado jogam ovos nos árabes embaixo.

De repente, correria: três policiais de fronteira israelenses com capacetes passam correndo, perseguindo alguém. Um momento depois, a perseguição acaba. Uma mulher xinga os policiais parados em árabe. Um deles responde, e continua: "vá andando".

Mas o conflito não existe apenas entre árabes e judeus em Jerusalém.

De volta ao metrô, Rina Pure, que cresceu em Acre, na costa israelense, disse que comprou seu apartamento em Jerusalém no bairro French Hill há alguns anos, mas agora metade das pessoas é religiosa, e está ficando mais difícil. Ela planeja se juntar à filha em Tel Aviv – mais uma no êxodo de judeus seculares que partem da Cidade Sagrada desde os anos 1980.

Pure disse que ainda ama a cidade, falando dela no feminino, como as escrituras sagradas judaicas: "Ela é linda. Amo a atmosfera, a inspiração, a arquitetura. Ela é única, é interessante. Há boas pessoas, mas estou cansada disso", diz.
Já é o fim da tarde e os trens pararam por causa da chegada do Sabbath. Um taxi será o veículo da volta.

"Sou motorista há 18 anos", diz Muhammad Ziada, 39. Ele afirma que tem muitos amigos judeus, vai aos seus casamentos, aos velórios de seus parentes, assim como fazem com ele.

"Mas há um grande problema religioso em Jerusalém. É uma cidade racista. Assim que há um pouco de 'balagan' – caos – entre judeus e árabes, os judeus não entram no meu taxi e os árabes não entram no shopping. E se eu entrar em um bairro religioso e descobrirem que sou árabe, vão roubar meu carro."

Ziada passa por um terreno vazio que diz pertencer à sua família, mas que as autoridades israelenses proibiram qualquer construção. Ele se recusa a vender.
"Nunca haverá paz aqui", disse Ziada. Mas não culpa ninguém. "Se tirassem todos os árabes, os judeus se comeriam vivos. E o mesmo aconteceria conosco."
Por David M. Halbfinger
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