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Apesar de ser a segunda maior cidade, Tel Aviv é considerada a capital tecnológica e de empreendedorismo de Israel. Fotografia: REUTERS/Amir Cohen |
País com 8,5 milhões de
habitantes apostou na informalidade e nas ferramentas militares para criar um
dos centros mundiais de tecnologia.
Israel tem apostado na tecnologia
e no empreendedorismo para contrariar a falta de recursos e proteger-se dos
países vizinhos. Transformou a ‘fraqueza’ de país pequeno numa força que
permite a promoção da informalidade e da facilidade como se fazem contatos. O
Estado, com uma forte indústria de Defesa, também tem um papel importante,
sobretudo no financiamento. Mesmo com 8,5 milhões de habitantes, todos estes fatores
tornaram Israel num milagre econômico que tem passado ainda pela
internacionalização das startups, graças a eventos como a semana de inovação de
Tel Aviv, que o Dinheiro Vivo visitou.
Ter uma ideia, começar um negócio
próprio e falar com um potencial investidor não implica muito tempo. É muito
fácil para qualquer empresário conhecer o líder de uma empresa de Israel ou
chegar facilmente a um fundo de capital de risco. Só no ano passado, foram
investidos mais de quatro mil milhões de euros em startups. Basta envolver-se
no ambiente e frequentar as dezenas de encontros (meetups) que são realizados
todas as semanas, sobretudo em Tel Aviv, o centro tecnológico do país. “Há uma
responsabilidade cívica de ajudar as pessoas mesmo que não sejam amigos, como
uma espécie de contrato social”, justifica Yossi Vardi, que tornou-se
mundialmente famoso em 1998 depois de ter vendido o serviço de mensagens instantâneas
ICQ aos norte-americanos da AOL por 407 milhões de dólares.
À informalidade
junta-se a cultura de desafio constante das autoridades e dos gestores. Este é
comportamento chutzpah, que, em hebraico, significa dizer mesmo o que se pensa
seja a quem for. Além disso, o falhanço é perfeitamente aceite e raramente
alguém recebe investimento se antes não tiver tido um fracasso. Há também um
espírito único no momento de criar uma startup, “Há tecnologia e educação nos
outros países. O que explica o sucesso de Israel é a ambição e a motivação das
pessoas”, adianta Vardi, que já ajudou a fundar mais de 80 startups em quase 50
anos de carreira.
Israel diferencia-se também por
apostar no serviço militar obrigatório – para proteger-se dos vizinhos do Médio
Oriente -, que está altamente baseado na inovação. Muitos dos fundadores de
startups passaram primeiro pela unidade de inteligência (8200) e ganharam as
bases que lhes permitem criar novos produtos. Cibersegurança, mobilidade,
agricultura e inteligência artificial são as principais apostas que contrariam
a falta de recursos naturais. “Não criamos as maiores empresas, mas temos as
maiores inovações”, destaca Jonathan Medved, investidor de norte-americano que
mudou-se para Israel nos anos 1980 e considerado uma das figuras de referência
deste país do Médio Oriente. “Adoramos risco. Isso é que vale a pena no
negócio.
Quem vai ficar com os louros é quem arriscar e nós somos os mestres do
risco”, diz-nos o também líder da OurCrowd, plataforma de equity crowdfunding sediada
em Jerusalém que pretende “democratizar o investimento a qualquer pessoa”. Só
que o risco neste país vem acompanhado por uma rede de segurança. Em 1993,
Israel criou o programa de investimento Yozma, que coinveste em startups. Se a
empresa for bem sucedida, o empréstimo é devolvido sem juros, mediante
cumprimento de objetivos. Se falhar, não há qualquer retorno e é considerada
uma aposta a fundo perdido. 70% das startups são financiadas, no início, pelo
Governo de Israel.
Exemplo disso é a Art Medical, empresa que desenvolve
produtos para monitorizar pessoas internadas em hospitais. “Tudo começou com
uma garantia de 25 mil dólares, em 2009 que só recebi depois de ter pedido
vários empréstimos dos bancos. Nesse dia, percebi que tinha de dedicar-me à
minha empresa e saí do meu part time. Eles não dão as garantias por acaso: o
modelo de negócio tem de ser testado e há várias iniciativas. Sem este apoio,
não seria possível desenvolver esta empresa”, assume ao Dinheiro Vivo o
fundador da Art Medical, Liron Elia. O líder da entidade de inovação de Israel,
Aharon Aharon, acrescenta: “sem dinheiro público, não existiria investimento
privado”. Por cada dólar investido, é gerado um impacto na economia entre 5 e 8
dólares Mas o papel do Estado não fica por aqui.
Como Israel é uma espécie de
“ilha” do Médio Oriente, é necessário promover acordos bilaterais – são 65 um
pouco por todo o mundo. Existem ainda em Israel 320 centros de investigação e
tecnologia. A Dell-EMC é um desses exemplos. Instalou-se em 1991 e um dos
escritórios fica perto de Tel Aviv.
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Yossi Vardi é uma das referências do ecossistema empreendedor e tecnológico de Israel. Há mesmo quem diga que merece uma estátua pelos esforços que tem feito pelo país. Fonte: Wikipedia Commons |
Funciona como um centro antifraude, que
serve clientes na indústria das fintech e identifica riscos de fraude e para os
clientes dos bancos. Previne entre 30 e 60 mil ataques por mês. “Israel tem um
ecossistema poderoso, boas universidades um pouco por todo o país, incentivos
governamentais, e, sobretudo no sul, espírito de inovação e de talento. Isto
resulta da experiência e capacidade militares únicas. Há também uma natureza única
de arriscar. É possível concretizar objetivos sem ter muitos custos”, justifica
Shalomi Laberman, responsável de operações deste centro. Mas tudo isto não
chega e o país já olha para os próximos 20 anos. O vice-presidente da câmara de
Tel Aviv, Assaf Zamir, admite que a “estabilidade regional permitiria criar
muito mais oportunidades no Médio Oriente. Aharon Aharon acrescenta que “é
preciso aumentar bastante a participação das mulheres” e “promover bootcamps de
código” para aumentar as competências de programação dos israelitas. Só assim,
acreditam, é que o milagre vai continuar a dar frutos.
Portugal: Nove startups
partilham experiências No âmbito da semana de inovação de Tel Aviv, nove
startups representaram Portugal e puderam partilhar a experiência e a ambição
internacional. Em representação da embaixada de Israel no nosso país, estiveram
dois projetos de impacto social, SPEAK (plataforma de partilha de línguas e
culturais entre migrantes e locais) e Just a Change (reabilitação de casas
degradadas).
Pedro Tunes, do SPEAK, conta ao Dinheiro Vivo que a experiência em
Israel serviu sobretudo para fazer crescer a rede de contactos. “As redes são
muito importantes, sobretudo na área do empreendedorismo social. Tivemos
contactos com pessoas ligadas à educação e com mais sensibilidade para a
migração. Israel pode ser um país interessante para o SPEAK numa fase mais
avançada do nosso crescimento.”
A Just a Change esteve representada por Duarte
Fonseca. “Esta viagem permitiu conhecermos vários projetos e possíveis
parceiros a nível financeiro e de gestão de boas práticas com voluntários.
Fazemos um balanço extremamente positivo e acreditamos que Israel é um dos
possíveis países para a extensão do nosso projeto, no longo prazo.” Com o apoio
da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários – estiveram em Israel mais
sete startups, como PathoWatch.med, ARQi, WorldOnStore, XPIM, Dressit, Step
Tuttor e Fun Genius.
* O jornalista viajou a convite da Embaixada de Israel em
Portugal.