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Fred Malek (à esquerda) fotografado em 2015 ao lado do governador do Wisconsin |
A carreira do antissemita Fred Malek acabou de
renascer das cinzas graças a Donald Trump.
O homem que esteve por trás de uma campanha de
“purga de judeus” na administração de Richard Nixon acabou de ser nomeado pelo
Presidente para liderar um reconhecido “think tank” com sede em Washington integrado
no Instituto Smithsonian
O cargo para o qual Fred Malek acabou de ser nomeado pelo Presidente norte-americano é
relativamente obscuro, mas acabou de ganhar atenção com a iminente chegada do
republicano por causa do seu histórico antissemita durante a era Nixon — isto
depois de, na quarta-feira, Donald Trump ter anunciado a sua intenção de nomear
Malek para dirigir o Woodrow Wilson International Center for Scholars, um
reconhecido “think tank” com sede em Washington que faz parte do importante
Instituto Smithsonian.
Depois de o Presidente ter defendido os supremacistas brancos,
neonazis e membros do Ku Klux Klan e de outros grupos de extrema-direita
responsáveis pela violência em Charlottesville, na Virgínia, a nomeação de
Malek ganhou ontem destaque nos media por causa do seu envolvimento num dos
mais famosos episódios de antissemitismo oficial da História moderna da América
— caracterizado pela revista “Slate” em 2010 como “o último
ato registrado de antissemitismo oficial pelo governo dos Estados Unidos” até à
data.
Malek, agora com 80 anos, foi assistente especial do Presidente
Richard Nixon e foi nessa qualidade que, em 1971, criou uma lista de
“importantes funcionários judeus” que estavam a trabalhar no Gabinete de
Estatísticas Laborais (BLS) da administração republicana — quatro deles seriam despromovidos
pouco depois. Como relata a revista “The Atlantic”, naquele ano Nixon
convenceu-se de que “os judeus do Partido Democrata que trabalhavam no BLS”
estavam a conspirar contra ele por causa de um relatório em que atribuíam pouca
importância à queda da taxa de desemprego; nesse âmbito, o Presidente ordenou a
Malek que criasse uma lista de judeus que ocupavam cargos de liderança para
executar uma “purga” no gabinete do governo federal. “Temos de pôr um homem ao
leme [do BLS] que não seja judeu para controlar os judeus, entende?”, disse ao
seu chefe de gabinete, H. R. Haldeman.
Quando Malek foi acusado de participar no esquema antissemita,
garantiu publicamente que só estava a seguir as ordens de Nixon e que não
desempenhou qualquer papel nas despromoções dos quatro funcionários com herança
judaica. Em 1988, declarou ao “Washington Post”: “Se eu tivesse sido
perifericamente envolvido ou se me tivesse sido pedido que alterasse o estatuto
de emprego de alguém [com base na sua religião], teria considerado isso
ofensivo e moralmente inaceitável e tê-lo-ia recusado”.
Contudo, memorandos oficiais
daquela época divulgados em 2007 acabariam por revelar que Malek estava a
mentir. Num desses documentos, datado de 8 de setembro de 1971, logo a seguir a
um outro onde surgia o pedido para que a lista de “importantes funcionários
judeus” fosse criada, o então assistente de Nixon disse a Haldeman: “Tive
vários encontros com o secretário [do Trabalho, James D.] Hodgson para o
convencer da necessidade de passos drásticos.” Sobre a transferência de três
funcionários do BLS com apelidos judeus para cargos de menor importância,
acrescentou: “Estes passos não vão tão longe quanto eu desejaria mas
representam um compromisso razoável [com a exigência de uma purga de judeus
feita pelo Presidente] que, na minha opinião, vai tornar o BLS numa unidade
mais efetiva e compreensiva”.
A nomeação de Malek para chefiar o Woodrow Wilson International
Center for Scholars surge poucas semanas depois um simpatizante nazi ter matado
uma contramanifestante e ferido outras 19 pessoas que estavam a participar num
protesto contra os nacionalistas xenófobos que saíram à rua em Charlottesville,
em meados de agosto, em defesa dos seus ideais racistas e antissemitas, gritando
coisas como “Os judeus não vão roubar os nossos trabalhos”.
No rescaldo dos episódios de violência, Trump defendeu o grupo de supremacistas brancos e sugeriu
que eles tiveram razões legítimas para se manifestarem contra a remoção de um
monumento da confederação de um parque público daquela cidade da Virgínia. Mais
tarde, atribuiria responsabilidades “aos dois lados”, equiparando os neonazis e
nacionalistas às pessoas que saíram à rua para protestarem contra a retórica de
ódio daqueles grupos.
Várias personalidades, entre elas os dois antigos Presidentes Bush, acabariam por vir a público
criticar os que proferem discursos de ódio contra outras raças e religiões,
deixando nas entrelinhas críticas ao Presidente por não ter denunciado isso
mesmo no rescaldo da violência em Charlottesville. Menos encapotadas foram as críticas de Gary Cohn, um dos
conselheiros econômicos de Trump, que é judeu.
Numa entrevista ao “Financial Times” que marcou uma postura
rara vinda de alguém que integra uma administração em funções, Cohn disse que o
Presidente “tem de fazer mais e deve fazer mais para condenar estes grupos de
forma consistente e inequívoca” e fazer tudo o que estiver ao seu alcance “para
curar as profundas divisões que existem nas nossas comunidades”. “Enquanto
judeu-americano”, acrescentou o conselheiro da presidência Trump, “não vou
permitir que haja neonazis a gritar 'Os judeus não nos vão substituir' para que
este judeu abandone o seu emprego. Sinto uma profunda empatia por todos aqueles
que são vitimados por estes grupos de ódio. Temos todos de nos unir contra
eles”.
A nomeação de Malek também surge no rescaldo da partida de Sebastian Gorka da Casa Branca, um
homem que, até à semana passada, era conselheiro da administração para o
“combate ao terrorismo islâmico” e que é há muito acusado de antissemitismo —
para a tomada de posse de Donald Trump, o americano com raízes húngaras usou
uma medalha que lhe foi atribuída por um grupo de 'colaboradores nazis', assim
identificado pelo Departamento de Estado norte-americano, e há muitas
investigações que apontam para as suas ligações a uma série de grupos
antissemitas da Hungria.