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Nanette Blitz Konig conta como sobreviveu ao nazismo (Foto: Alberto Marques/AT) |
“Esse tempo em que vivemos é um perigo. Pergunta aos brasileiros se eles leem jornal.
Normalmente quando dou palestra, pergunto se as pessoas leem jornal e a resposta sempre é um silêncio total. As pessoas não sabem nada. Isso é errado. Na minha época não era assim”.
O alerta acima se refere ao avanço da extrema-direita nas principais nações e o aumento da intolerância entre os povos, acompanhado da falta de interesse das pessoas pelo assunto. A autora da frase é a holandesa de origem judia radicada no Brasil Nanette Blitz Konig, uma das sobreviventes do Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial.
Aos 88 anos, Nanette, que mora em São Paulo desde 1953, veio a Santos no último dia 29 para uma palestra de conscientização e história de vida. O evento foi realizado no Centro Cultural Israelita Brasileiro. Antes, no entanto, ela conversou com A Tribuna, na casa de uma das organizadoras do encontro.
As trocas de ameaças entre Estados Unidos e Coreia do Norte, os conflitos no Oriente Médio, a crise dos refugiados, os atentados na Europa e o aumento de casos de xenofobia contra imigrantes transformaram o mundo em um lugar muito perigoso. E por conta dessa extensão de problemas, a autora do livro Eu Sobrevivi ao Holocausto (Universo dos Livros, 2015) nem pensa em visitar a Holanda. E tem seus motivos.
“A Holanda não deu remédio para os sobreviventes do Holocausto, às pessoas que conseguiram sobreviver aos campos de concentração ou trabalho forçado. Seria melhor para os holandeses se eu tivesse morrido. E eu não podia ir para a Inglaterra porque estava com tuberculose”, comenta.
Para a holandesa, o seu país de origem sempre foi antissemita. “Eles não querem admitir, mas sempre foram antissemita”, desabafa. Uma decisão recente do Tribunal de Haia é um exemplo do passado do país, segundo Nanette. No final de junho, a Corte de Apelações de Haia considerou a Holanda parcialmente culpada pela morte de 350 bósnios-muçulmanos durante a Guerra da Bósnia, em um dos capítulos mais sombrios do conflito.
Em julho de 1995, o exército holandês ocupava uma base segura da Organização das Nações Unidas (ONU), em Srebrenica, próximo da fronteira com a Sérvia. Lá, tinha a função de garantir a segurança dos refugiados bósnios.
Sem confronto algum entre holandeses e sérvios, todos os homens bósnios-muçulmanos presentes na base de Potocari foram expulsos e mortos pelo exército sérvio.
Em Sarajevo e Srebrenica, muitos museus exploram o tema, com imagens chocantes dos abusos do exército holandês com os refugiados. O Gallery 11/07/95, em Sarajevo, batalha há anos para considerar a possível ação em conjunto de holandeses e sérvios como um genocídio. Para os responsáveis pelo museu, a intenção era acabar com todas as gerações de bósnios-muçulmanos.
“Quando as coisas são feias, ninguém sabe de nada, ninguém viu nada. Na Holanda sempre foi assim. Eles não assumem a responsabilidade”, reclama Nanette.
Holandesa conheceu Anne Frank
Nanette Blitz Konig era colega de Anne Frank, jovem alemã de origem judaica, vítima do Holocausto e tema de vários livros e filmes. Segundo ela, as duas tinham uma relação um pouco distante em função das diferenças étnicas, no Liceu Judaico, em Amsterdã, na Holanda.
“As pessoas de origem alemã ficavam mais entre elas, não se misturavam na escola. Não que elas tivessem algo contra os holandeses, mas ficavam mais entre elas”.
O drama da família de Nanette teve início em 1943, quando sua família foi presa e levada para o campo de transição de Westerbork, na Holanda. Depois, separada do pai, mãe e irmão, ela foi levada para o campo de Bergen-Belsen, próximo de Berlim, na Alemanha.
Antes do término da Segunda Guerra Mundial, os três familiares mais próximos da holandesa morreram, em campos distintos. “Eu não trabalhei no campo, sempre esquivei do trabalho, dentro do possível. Eu poupava minha energia para sobreviver”, comenta.
Recuperada do longo período que ficou hospitalizada, Nanette foi para Londres, onde tinha familiares. Passou a trabalhar como secretária bilíngue em um banco alemão-inglês. Foi lá que conheceu o marido, o húngaro John Konig.
“Nós casamos em Londres, em 1953, e viemos ao Brasil. Ele já estava aqui, trabalhava como engenheiro, mas precisou voltar para casarmos. Sou de uma família tradicional judaica, não poderia vir ao Brasil sem casar”.
Fonte:http://www.atribuna.com.br/noticias/