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Uma copla gastronômica – sete modos de cozinhar a berinjela

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Coisas JudaicasA berinjela (berendjena ou merendérea, em ladino) é mencionada em uma copla tradicional sefaradi – Los gizados de la berendjena (pronunciar guizados). As coplas reproduzem, em seus temas, as vivências religiosas, históricas e cotidianas do povo sefaradi. A linguagem das coplas é coloquial e direta. Cada estrofe é composta de quatro versos, com rima fácil, para facilitar o canto. Já comentei em outro artigo (março/abril de 2015) que, na sua origem, na Espanha medieval, a copla era um gênero de poesia culta e de transmissão escrita. Os sefaradis adaptaram a copla, ao utilizá-la com intenção educativa; como eram poesias para serem cantadas, passaram à tradição oral, o que, como sempre comento, ocasiona versões variadas.
Há, pelo menos, 35 maneiras de cozinhar a berinjela, de acordo com uma versão recolhida pela linguista Elena Romero. Porém, outra variante bem popular é a chamada Komida de merendjenaou Siete modos de gizar las meredjenas, recolhida em Rodes.
Berendjena e merendjena coexistem na língua sefaradi. O uso vai depender da origem do falante. Na Turquia dizem berendjena; na Grécia, merendjena. Será que o motivo é o nome em grego – melitsana – e em italiano – melanzana? A berenjena espanhola, a berinjela brasileira e a beringela portuguesa têm a mesma origem: procedem  do árabe hispânico badingana, que por sua vez vem do persa badengan.  Seu nome científico é solanum melongena.    
Na gastronomia sefaradi abundam as verduras e as hortaliças. Podemos dizer que uma das verduras favoritas é a berinjela, tal a quantidade de receitas constantes nos receituários sefaradis (35, pelo menos! – pode ser mais, tal a capacidade criativa do ser humano). Baltasar del Alcázar, poeta andaluz do século 16, começa assim seu poema Tres cosas (Três coisas):


Coisas Judaicas
Tres cosas me tienen preso/ de amores el corazón/ la bella Inés, el jamón/ y berenjenas con queso. (Três coisas me mantêm preso/ de amores o coração/ a bela Inês, o presunto/ e berinjelas com queijo). Há muito do que falar sobre a berinjela (quem diria?). Vamos às sete maneiras de cozinhar a berinjela:
Sete modos de cozinhar

Siete modos de gizado se giza la merendjena
La primera ke la giza es la vava de Elena
Ya la aze bokadikos i la mete en una sena
Esta komida la yaman komida de merendjena
Há sete modos de cozinhar a berinjela
A primeira receita é a da vovó da Helena
Ela a corta em pedacinhos e a serve para a ceia
Esta refeição se chama um prato de berinjela
A mi tio Chelasi ke le agrada bever vino
Kon el vino vino vino muncho bien a el le vino
Meu tio Tchelassi gosta muito de beber vinho/ o vinho lhe fez muito bem
La segunda ke la giza es la mujer del shamas
La kavaka por arientro i la inche d’aromas
Esta komida la yaman la komida la dolma
A segunda receita é da mulher do shamash
Ela tira o miolo e a recheia com ervas
Esta refeição é chamada dolmá
La trezera ke la giza es mi prima Ester de Chioti
La kavaka por arientro i la inche d’arros moti
Esta komida la yaman la komida l’almondroti
A terceira que cozinha é minha prima Ester de Chioti
Ela tira o miolo e a recheia com arroz cremoso
Esta refeição se chama almondrote
La alborniya es savorida en kolor i en golor
Ven aremos una sena, mos gozaremos los dos
Antes ke venga el guzano i le kite la savor
A albornia é saborosa em cor e sabor
Venha, vamos fazer uma ceia, para desfrutar juntos
Antes que o verme venha e lhe tire o sabor
En las mezas de las fiestas siempre briya el handrajo
Ya azemos pastelikos eyos briyan en los platos
Asperando a ser servidos kon los guevos haminados
Nas mesas das festas o andrajo sempre brilha
Nós fazemos bolinhos que brilham nos pratos
Esperando para serem servidos com os ovos haminados
La salata maljasina es pastoza i savorida
Mi vezina la prepara kon muncho azeite d’oliva
Estos platos akompanian a los rostos de gayina
A salada maljasina é macia e saborosa
Minha vizinha a prepara com muito azeite de oliva
Este prato acompanha sobras de galinha
La setena ke la giza es mijor i mas hanina
La prepara Filishti, la ija de la vezina
Ya la mete en el forno de kavesa a la kozina
Kon azeite i kon pimienta ya la yama una meiyna
A sétima é melhor e mais bonita
Quem a prepara é Filishti, a filha da vizinha
Ela a coloca no forno, em um prato aberto, com azeite e com pimenta e a chama de mina

X
Vamos falar primeiro do refrão (A mi tio Chelasi ke le agrada bever vino/ kon el vino vino vino muncho bien a el le vino), no qual se joga com as palavras vino (vinho) e vino (passado do verbo vir – veio). A expressão le vino, seja em que tempo for, tem, tanto em espanhol como em ladino, o significado de ficar bom, cair bem – el vino le vino bien – o vinho lhe caiu bem, ou como preferi traduzir, lhe fez bem.
Vamos ver cada um dos pratos mencionados na canção. A dolmá é um prato célebre da culinária turca. O dolma da canção se refere à berinjela recheada com especiarias, mas que também pode ser recheada com arroz, verduras, carne. Também pode ser feita recheando-se pimentões e tomates. Dolmak vem do turco e significa “rechear”. Uma das maneiras de fazer a dolmá consiste em rechear folhas de parreira, cozidas em azeite e recheadas com arroz e especiarias. A maneira de fazer vai depender de cada região, já que esse prato é consumido em toda a área do Mediterrâneo.
almodrote (no texto, almondrote) é um molho elaborado basicamente com azeite, alhos, queijo ralado, que se coloca sobre as berinjelas. Sua origem é medieval peninsular, e é típico da culinária sefaradi. Na ilha de La Gomera (Canárias), há uma variante a que chamam almogrote, mas a base é sempre a mesma: azeite, alho, queijo ralado. Na Bolívia, há um prato chamado almondrote, que dizem ser um dos mais antigos pratos do continente americano. A base é a banana e o queijo.  O almondrote da canção é diferente, mais parecido com a dolmá.
alborniaalboronia ou alburnia, também de origem medieval, é um guisado de berinjela, tomate, pimentão e abóbora. É um prato muito colorido, já que podem ser utilizados vários tipos de hortaliças. Até hoje é consumido, principalmente na Andaluzia, e é ideal para a Semana Santa católica, já que se baseia em vegetais e legumes. É considerada a origem de todas as ratatouilles, sem falar nos diversos pistos espanhóis (principalmente o manchego).
andrajo é uma mistura de berinjelas, cebolas e tomates picados, que se refogam em uma panela até ficarem macios. Tempera-se e cobre-se com água, que deve evaporar-se até que a mistura fique com a consistência de geleia. Serve de recheio para diversos pratos. É interessante o nome, já que em espanhol, andrajo significa trapo, fiapo.
Os guevos haminados (se pronuncia güevos, e o h é aspirado) são ovos cozidos em água com cascas de cebolas ou grãos de café, até que adquiram uma cor marrom. É um prato tipicamente sefaradi.
salada maljazina (não encontrei tradução para esta palavra), segundo o que encontrei pelo espaço cibernético, é a origem do zaaluk ou caviar de berinjelas marroquino e também da caponata siciliana. Serve de acompanhamento para vários pratos.
mina é uma espécie de lasanha, na qual se alternam camadas de matzá com recheio de carne moída, cebola e verduras. Pode ser feita só com verduras.
Receita favorita
A berinjela é um assunto inesgotável. Quero terminar com a minha receita predileta: as kucharikas (colherzinhas). Quem me apresentou as kucharikas foi a querida e inesquecível Vitoria Sulam Saul (qepd), numa ceia de Pessah. Pedi a receita à Viviane Behar, cozinheira de mão cheia, excelente nikochera (dona de casa) – trata-se de uma receita passada de mãe para filha: 3 berinjelas médias, 1 ovo batido, miolo de pão molhado, 1 cebola frita, 200 gramas de queijo parmesão ralado. Ferver as berinjelas cortadas ao meio, no sentido do comprimento, numa panela com água e sal, até amolecer um pouco. Deixar escorrer bem. Retirar o miolo com cuidado, conservando a casca. Misturar ao miolo os outros ingredientes e rechear a casca da berinjela com essa mistura. Colocar por cima mais um pouco do queijo parmesão. Levar ao forno em um tabuleiro ou em recipiente refratário, levemente untado com óleo, até que doure bem.
Na realidade, podemos dizer que existem 1.001 maneiras de cozinhar a berinjela!
Para escutar:
Siete modos de gizar la berendjena – com o grupo Otobesa (música medieval): https://www.youtube.com/watch?v=epDonu2p7Nc
Algumas receitas:
Salada de berinjela crua (será que é bom?):
Almondrote boliviano (em espanhol):
Zaaluk ou caviar de berinjela (em espanhol):

Reprodução do Especial para ASA

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