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Cena do filme "Dove's Cry" (Brado da Pomba). Hadeel mostra seu documento de identidade como cidadã israelense |
Em Jerusalém, palestinos quebram tabu ao buscar identidade israelense
Processo para conseguir documentos, no entanto, é mal visto
JERUSALÉM - Cada vez mais palestinos de Jerusalém Oriental, parte da cidade ocupada há 50 anos por Israel tomam a mesma decisão: buscar cidadania israelense. Apesar da hesitação em adotar a nacionalidade do Estado que todos consideram como “o inimigo”, obter documentos de identidade israelense lhes permite maior facilidade para conseguir trabalho e viajar, explicam advogados e defensores dos direitos humanos.
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No entanto, o processo é longo e cada vez mais numeroso. Entre 2009 e 2016, entre os 6.497 palestinos de Jerusalém que pediram a nacionalidade israelense, 3.349 conseguiram após passar por um longo processo de várias entrevistas em hebreu, ainda que a língua árabe seja oficial em Israel, segundo o Centro de Ajuda Legal de Jerusalém, uma ONG que assiste palestinos na emissão dos documentos.
Em 2014, Nora solicitou um passaporte israelense, o que considerou uma decisão “extremamente difícil”. Três anos depois, ela, palestina e advogada que fala sob pseudônimo por medo de que o depoimento tenha um impacto negativo no processo de emissão do documento, continua esperando resposta das autoridades israelenses. Com o passaporte, ele pretende visitar as irmãs que vivem na Europa.
— Eu, na realidade, não quero essa nacionalidade, mas não tenho outra opção — reconhece Nora, de 28 anos.
Ao obter o passaporte israelense, Nora diz que não deverá viajar a maioria dos países árabes, já que não reconhecem Israel.
NEM PALESTINOS, NEM ISRAELENSES, NEM JORDANOS
Os mais de 300 mil palestinos de Jerusalém Oriental têm um status especial. Mesmo que morem na cidade onde querem estabelecer a capital do Estado a que aspiram, não têm nacionalidade palestina, direfente da população da Cisjordânia ocupada ou da Faixa de Gaza. Israel considera que os residentes de Jerusalém Oriental vivem em seu território, já que anexou essa parte da cidade, mesmo sem reconhecimento da comunidade internacional, e cobra impostos sobre os moradores.
Assim, Israel concede licenças como “residentes permanentes” aos palestinos dali, o que lhes dá acesso a direitos sociais. A Jordânia, país vizinho, lhes concede documentos de viagem, mas não têm assegurados o direito de votar em nenhum desses países. Só podem votar em eleições municipais em Israel, mas a maioria opta por boicotar, pois não reconhecem o assentamento israelense que pretende exercer autoridade em toda Jerusalém.
Para Ziad Haidami, advogado em Jerusalém, o fato de que as autoridades demoram a responder a solicitações de documentos de identidade israelense, como a de Nora, se deve ao número cada vez maior de pedidos. Em seu escritório, ele diz ter muitos clientes com motivos variados:
— Um quer ser policial, outro queria estudar no exterior — lembra.
MAL VISTO
Todos, enfatiza Haidami, entram no escritório “se escondendo como ladrões”, já que adotar a nacionalidade israelense “sempre foi e continua sendo mal visto”.
— Mas os palestinos de Jerusalém tomam cada vez mais essa decisão porque acreditam que nacionalidade israelense os protegerá, enquanto nenhuma autoridade palestina pode fazê-lo em Jerusalém — afirma o advogado, explicando que Israel proíbe qualquer atividade política palestina.
Mohamed tem desde os 2 anos o passaporte azul escurto de Israel.
— Absolutamente não lamento minha decisão — afirma o rapaz de 27 anos, que também optou por falar sob pseudônimo. — Desde então, minha vida é muito mais simples e estou muito mais tranquilo.
Empregado em uma companhia israelense em Jerusalém Ocidental, Mohamed, que fala hebreu com fluência, se acostumou rapidamente a sua nova identidade, mas apenas compartilha sua decisão com os familiares mais próximos porque, segundo ele, muitos desaprovam que palestinos peçam nacionalidade israelense.
Em termos práticos, sua vida mudou por completo: o problemas burocráticos diminuíram drasticamente e, principalmente, as longas filas de espera para conseguir um visto para viajar ao exterior, afirma.
Fakhry Abu Diab, militante em uma associação anticolonização em Jerusalém Oriental, garante que entende “a frustração que leva aos jovens” a tomar a mesma decisão que Mohamed, mas defende que os palestinos deveriam “promover sua identidade” e sua presença em Jerusalém, em vez de “legitimar a ocupação e aceitá-la”, adotando a nacionalidade israelense.