Atas secretas de 1967 revelam que ocupaĆ§Ć£o de territĆ³rios palestinos por Israel foi uma decisĆ£o improvisada, apĆ³s vitĆ³ria inesperada sobre os Ć”rabes. Assentamentos deram inĆcio a uma ruptura na sociedade israelense.
ApĆ³s 50 anos de embargo, e com alguns parĆ”grafos ainda censurados, atas recentemente divulgadas lanƧam luz sobre os dias que levaram Ć Guerra dos Seis Dias. O conflito, travado entre 5 a 10 de junho de 1967, levou a uma guinada radical no conflito israelo-palestino.
Lendo os documentos, fica claro que os tomadores de decisĆ£o israelenses nĆ£o tinham um plano polĆtico para os dias seguintes, nem uma visĆ£o realista para os territĆ³rios a serem ocupados em breve. Pelo contrĆ”rio: as atas sugerem que, mais do que uma estratĆ©gia, as anexaƧƵes de CisjordĆ¢nia, JerusalĆ©m Oriental, Faixa de Gaza e das Colinas de GolĆ£ foram medidas ad hoc, tomadas apĆ³s vitĆ³rias inesperadas.
A impressĆ£o Ć© que os prĆ³prios diplomatas israelenses estavam chocados com os ĆŖxitos do paĆs, sem saber como gerir os novos e imensos territĆ³rios, pois a Ć”rea de Israel triplicara. Muito menos ainda eles eram capazes de abarcar o significado de passar a ter, sĆ³ na CisjordĆ¢nia, quase 800 mil Ć”rabes vivendo sob seu controle direto.
Anseio latente por JerusalƩm
Contrariando a narrativa amplamente aceita, alguns historiadores argumentam que a guerra nĆ£o foi imposta a Israel, mas fora planejada com antecedĆŖncia, ou pelo menos esboƧada, como um plano de contingĆŖncia Ć espera de um elemento detonador.
Seja como for, quase ninguĆ©m no paĆs mencionava a ocupaĆ§Ć£o explicitamente, e levaria anos atĆ© a maioria da populaĆ§Ć£o aceitĆ”-la como fato - a maioria, mas nĆ£o todos.
"Nunca realmente falamos a respeito, pelo menos nĆ£o do jeito como a ocupaĆ§Ć£o Ć© discutida hoje", comenta Nehemia Zerachovitz, que lutou na Batalha da Colina de MuniĆ§Ć£o, uma das campanhas mais ferozes dos seis dias de guerra.
"JĆ” dois anos mais tarde, em 1969, comeƧava a Guerra de Desgaste, portanto nĆ£o tivemos realmente tempo, nem capacidade para debates morais. A sensaĆ§Ć£o ainda era de sobrevivĆŖncia", diz o educador e paraquedista militar veterano.
Zerachovitz admite que o desejo de ocupar JerusalĆ©m jĆ” emergira antes da guerra, e talvez tenha influenciado os generais israelenses, conscientemente ou nĆ£o. "Os mesmos generais que liberaram, anexaram ou conquistaram JerusalĆ©m - como quer que se queira chamar - foram os que haviam fracassado em tomar esses territĆ³rios lĆ” em 1948. EntĆ£o, de certo modo, a guerra de 1967 comeƧou exatamente onde a de 1948 tinha acabado."
O fracasso em tomar JerusalĆ©m era tĆ³pico comum de discussĆ£o Ć s mesas de jantar, recorda Zerachovitz. "NĆ£o se mencionava explicitamente nada sobre anexaĆ§Ć£o, mas ela era uma ferida aberta para a geraĆ§Ć£o dos nossos pais. Escreviam-se canƧƵes sobre o anseio por JerusalĆ©m, mas nunca se falava de conquistas, em termos especĆficos."
Ruptura entre sociedade secular e sionismo religioso
ApĆ³s a Guerra dos Seis Dias, no entanto, o clima mudou, sobretudo com a ascensĆ£o do sionismo religioso. "Muitos viam a vitĆ³ria de Israel quase como um milagre bĆblico", define Micah Goodman, autor e pesquisador do Instituto Shalom Hartman de JerusalĆ©m.
"Foi aĆ que comeƧou a ruptura na sociedade: a populaĆ§Ć£o secular desejava remover a ameaƧa Ć seguranƧa sobre a cabeƧa de Israel, mas os cĆrculos religiosos receberam uma espĆ©cie de validaĆ§Ć£o divina para a cadeia de acontecimentos", diz.
De fato, terminada a guerra, pelo menos para alguns, estabelecer assentamentos israelenses na CisjordĆ¢nia se anunciou como um mĆ©todo declarado para tornar realidade o sonho sionista. Mas apesar da euforia, apenas duas semanas apĆ³s o fim do conflito alguns ativistas e polĆticos jĆ” manifestavam ceticismo.
"Em tempos de descolonizaĆ§Ć£o global, quem aceitarĆ” isso?", questionou o entĆ£o ministro da JustiƧa, Yaakov Shimshon Shapira, referindo-se Ć opĆ§Ć£o lanƧada pelo chefe da Defesa, Moshe Dayan, de manter na CisjordĆ¢nia um "regime autogovernado" pelos palestinos, "mas com controle militar israelense".
OpressĆ£o e terrorismo
Em 22 de setembro de 1967, o movimento de extrema esquerda Matzpen ("bĆŗssola", em hebraico) publicou uma carta aberta no jornal Haaretz, em que postulava: "Nosso direito de nos defendermos nĆ£o nos concede o direito de oprimir outros. Conquista acarreta, em sua esteira, domĆnio estrangeiro. OpressĆ£o acarreta, em sua esteira, terrorismo e contraterrorismo."
O documento recentemente republicado pelo diĆ”rio israelense nĆ£o para por aĆ: "As vĆtimas do terrorismo sĆ£o geralmente pessoas inocentes. NĆ³s nos aferrarmos aos territĆ³rios nos transformarĆ” numa naĆ§Ć£o de assassinos e vĆtimas de assassinato. Abandonemos os territĆ³rios ocupados agora."
Ainda durante a guerra, alguns ministros ponderaram se Israel estava totalmente consciente das consequĆŖncias de ocupar terras habitadas por quase 1 milhĆ£o de Ć”rabes, espalhados por diversos territĆ³rios.
"Digamos que nĆ³s conquistemos JerusalĆ©m", argumentou o chefe da pasta da EducaĆ§Ć£o, Zalman Aran, "quando vamos devolvĆŖ-la, e a quem?"
Numa reuniĆ£o de gabinete em 19 de junho, o ministro sem pasta Menachem Begin instou os membros do Gabinete de SeguranƧa: "NĆ£o digam aos americanos 'nĆ³s nĆ£o temos uma soluĆ§Ć£o', digam: 'Estamos procurando uma soluĆ§Ć£o'." Uma abordagem que, segundo certos crĆticos, define o tom da diplomacia de Israel atĆ© hoje.
"Abismos da ocupaĆ§Ć£o"
De 1967 atĆ© hoje, mais de 400 mil judeus se mudaram para os assentamentos alĆ©m da "linha verde", a fronteira de armistĆcio acordada entre Israel e seus vizinhos em 1948. HĆ” mais de 350 mil judeus sĆ³ em JerusalĆ©m Oriental, alĆ©m de cerca de 20 mil nas Colinas de GolĆ£.
"Antes dos assentamentos, nĆ£o aconteciam muitos choques entre Ć”rabes e judeus", conta Avi Berger, que era estudante secundĆ”rio durante a Guerra dos Seis Dias. "NĆ£o havia um discurso real sobre a ocupaĆ§Ć£o, porque todo mundo a vivia."
Recrutado em 1969, ele recorda: "Pessoalmente, eu vi um soldado dando cabeƧadas num idoso palestino, ou um grupo de soldados sorrindo junto a um cadĆ”ver. Esses sĆ£o abismos que qualquer ocupaĆ§Ć£o acarretaria. Esse Ć© o seu significado quotidiano, sobre o qual ninguĆ©m falava na Ć©poca."
Como explica Zerachovitz, ondas de terrorismo posteriores fixaram entre os israelenses a noĆ§Ć£o de que "nĆ£o hĆ” parceiro" para a paz. "LĆ” em 1967, as anexaƧƵes eram vistas como o preƧo a ser pago para alcanƧar a paz. Mas de algum modo isso seguiu sendo a desculpa atĆ© hoje; sĆ³ que nĆ³s ficamos mais gananciosos e sem disfarces."
EsperanƧa de paz
A geraĆ§Ć£o nascida bem depois da Guerra dos Seis Dias se lembra principalmente da primeira e da segunda Intifadas, os levantes palestinos iniciados em 1987 e 2000, respectivamente, assim como das operaƧƵes militares frequentes. MĆsseis lanƧados de Gaza sĆ£o rotina diĆ”ria para os israelenses que vivem perto da fronteira, e quase todos acima dos 21 anos lembram ter sido afetados de algum modo, pela guerra ou por um atentado terrorista.
Embora no discurso atual de Israel qualquer concessĆ£o em respeito a JerusalĆ©m pareƧa inaceitĆ”vel, parte da geraĆ§Ć£o mais velha, que lutou em 1967, pensa diferente. "As pessoas que conquistaram JerusalĆ©m naquela Ć©poca sĆ£o hoje em dia membros dos partidos mais de esquerda", afirma Zerachovitz.
"Acho que ainda hĆ” esperanƧa. Meu pai veio para cĆ” em 1933, porque queria um Estado judaico, nĆ£o um Estado binacional, certamente nĆ£o um onde uma minoria governa uma maioria. HĆ” gente que vĆŖ que estamos nos encaminhando para um desastre. Eles Ć© que sĆ£o capazes de mudar a direĆ§Ć£o. E deveriam. Ainda nĆ£o Ć© tarde demais."
Deutsche Welle
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