“Donald Trump e Benjamin Netanyahu se afastam da solução de dois Estados”.
Uma simples frase como esta esconde quase uma centena de anos de questões geopolíticas complexas, alem de implicações para um futuro não muito distante que são cruciais para pelo menos uns doze milhões de pessoas. Vamos tentar entender.
No final no seculo XIX, um jovem judeu do Império Austro-Húngaro de nome Theodor Herzl, escreveu um livro que redefiniu a existência judaica. Não exatamente pela originalidade, veja bem. Judeus eram vistos como uma “nação” desde a Idade Media europeia e registros não faltam: são centenas de anos de leis, acordos e beneplácitos por parte dos Reis e governantes que permitiam aos judeus um status em separado: autonomia na gestão de suas comunidades, manutenção de uma língua e culturas próprias, sem contar o culto religioso.
Tal ideia era disseminada pelo senso comum e acabou se tornando uma acusação antissemita: quando os Estados modernos se formaram, simplesmente foi dito que os judeus iriam ser fieis aos seus pares ao invés de se verem como parte de uma nação maior. Obviamente uma mentira, pois muitos judeus sem problema algum se tornaram fervorosos alemães, franceses ou ingleses, pois a hipótese de aceitação e fim de perseguições parecia um premio incrível se o preço a se pagar era esquecer o judaísmo. Infelizmente, judeus eram lembrados constantemente que eram percebidos como diferentes mesmo depois de abandonarem tudo que os definia como judeus. Na Europa moderna, o antissemitismo não era somente uma inquietação social, mas uma arma politica, como se vê no cartaz abaixo.
O cartunista Adolphe Willette concorreu em 1889 para representante municipal em Paris como “candidato antissemita”. “Não e uma questão de religião, o Judeu é uma raça diferente e inimiga da nossa”.
Certos pensadores políticos então passaram a perseguir a ideia de que o judaísmo não poderia ser enquadrado somente como “religião”, mas como uma questão nacional. Alguns cogitaram a possibilidade de pleitear autonomia cultural como solução para a questão judaica. Com isso, os judeus seriam mais uma minoria nos impérios multiétnicos europeus, podendo cuidar autonomamente de suas questões mas com representação no Parlamento local.
Outros viam isso como uma solução insuficiente. No fim, continuaria a manutenção de um sistema em que judeus iriam depender de forcas externas para existir. Diagnosticou-se o fato de que as nações se organizavam e para isso se protegiam em Estados: com fronteiras e um exercito. Herzl propôs então um Estado Judeu. O judaísmo para ele era expresso na bandeira e nos símbolos nacionais, não necessariamente na religião. O ponto fundamental era que os judeus seu próprio destino: deveriam eleger seus governantes e ser soberanos nas decisões do Estado, como cidadãos com plenos direitos naturais e não concedidos por um Rei estrangeiro.
Isto nunca quis dizer um Estado hegemonicamente judaico. As minorias que eventualmente viessem a existir teriam seus direitos respeitados, como na tradição liberal europeia: como cidadãos com direitos e deveres estabelecidos por lei.
Porem onde seria tal Estado? Johann Michaelis, um teólogo alemão que se colocava contra a concessão de direitos aos judeus, dizia que os novos súditos sempre estariam “querendo voltar para a Palestina.”. O território bíblico da Judeia podia ser ate lembrado, mas parecia somente longe e desolado. A região viveu abandonada ate as reformas do Império Otomano, que procuraram modernizar o sistema tributário e a infraestrutura para melhor legislar sobre seus domínios. É difícil dizer como se deu o convencimento coletivo de que tal região era sequer uma possibilidade: um misto de messianismo, com o sentimento legitimo de que momentos fundamentais da existência judaica ali se deram alem da percepção geral de que os judeus de fato tinham uma ligação com a região, de certa forma explicam a escolha que não foi fácil. Facções do movimento sionista mais de uma vez denunciaram esta escolha como utópica e insana.
Estes são os fundamentos da ideia de um Estado Judaico: os judeus deveriam se organizar de maneira nacional, soberana e com controle de seu destino como entidade política. Como isso se deu na prática? Veremos no próximo texto.
*Leonel Caraciki
Estudante de Doutorado em Estudos de Israel e Sionismo na Universidade Ben Gurion of the Negev, Israel.