Em uma sala do arquivo da Biblioteca Nacional de Israel, o documentarista Stefan Lit se mostra fascinado com a coleção de cartas que a israelense de 90 anos Hanah Jacobson, enteada de Rosenkranz, doou à instituição.
"Mais de 70 anos depois do suicídio Stefan Zweig, encontrar cartas absolutamente desconhecidas é muito incomum", declarou Hanah, ressaltando o quanto é especial revelar material inédito sobre um autor que foi perseguido de maneira "muito, muito ativa".
Rosenkranz, natural de Koenigsberg (atual Kaliningrado, na Rússia, mas que naquele tempo pertencia à Alemanha), tinha 16 anos quando em 1921 decidiu escrever a Zweig, que já era um escritor renomado, dando início a uma relação epistolar que durou 12 anos e terminou sem aviso prévio em 1933.
Como muitos outros judeus da Europa Central, o jovem alemão acabou se mudando para a Palestina, movido por suas aspirações sionistas, enquanto Zweig via com angústia a expansão do nacional-socialismo.
Zweig, que radicou-se na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, fugindo do nazismo, e onde morreu em 1942, é o autor do livro "Brasil, País do Futuro".
"Stefan Zweig nunca escreveu cartas tediosas. Todas têm uma mensagem, às vezes muito profundas, também do ponto de vista filosófico, no qual expressa sua visão sobre o mundo e o que o cerca, naqueles dias complicados dos anos 20 e 30", contou Lit.
Folhear as páginas gastas, cheias de orelhas, algumas na impecável caligrafia de Zweig, outras escritas à máquina por sua secretária, é uma aventura para Lit, pois Rosenkranz as guardava como um tesouro, que mostrava a quem quisesse saber sobre sua relação com o escritor.
"Dá para ver como a relação entre ambos evolui de maneira paternal. Zweig dá muitos conselhos a Rosenkranz sobre como encarar a vida sendo um jovem judeu na Europa Central, que não era muito amigável com as minorias e, em particular, com os judeus", comentou Lit.
"É incrível ver a maneira com que expõe suas ideias sobre como ser judeu, como enfrentar os problemas e se preparar para o que poderia acontecer", descreveu o documentarista.
"Se o judaísmo é uma tragédia, que nos deixem vivê-la", diz uma das mensagens, o que revela um pouco mais da personalidade do autor que, em outro parágrafo, de maneira "quase profética", segundo Lit, incentiva em 1922 o jovem editor e escritor iniciante a aprender outros idiomas, pois "talvez o espírito livre não possa respirar mais na Alemanha e na Europa".
Lit relatou que Zweig não era um sionista fervoroso como Rosenkranz, mas isso não o impediu de admirar abertamente o "grande homem e pensador" que via em Theodor Herlz, o fundador do sionismo como teoria política, consagrada em sua obra "O Estado Judeu".
Finalmente, após publicar dois livros, a carreira literária e editorial de Rosenkranz não prosperou e o jovem emigrou à Palestina com sua primeira esposa, mãe de Hanah.
A separação aconteceu pouco depois, e, após se casar de novo, Rosenkranz serviu como oficial da Brigada Judaica. Após a fundação do Estado de Israel (1948), trabalhou como chefe de imprensa da embaixada israelense nos Estados Unidos.
Posteriormente, Rosenkranz se dedicou ao jornalismo e trabalhou em dois dos mais importantes jornais de Israel, "Haaretz" e "Jerusalem Post", em circulação até hoje.
A exemplo de Zweig, Rosenkranz se suicidou há 60 anos e os documentos ficaram "entre os pertences da minha mãe", explicou à Efe Hanah, que cogitou durante anos a ideia de doar as cartas.
Nelas é possível ver uma relação de amizade "profunda e substancial que aborda vários pontos e aspectos da cultura daquele tempo", considerou Lit, que aponta que Zweig sabia como o mundo pode mudar "fácil e rápido", a exemplo do que aconteceu na época.
"Acredito que isso dá às cartas uma grande relevância agora: vemos que hoje estão em curso algumas mudanças políticas que talvez não sejam a melhor opção para acalmar os ânimos", afirmou.
Lit acredita que a Biblioteca Nacional de Israel, a maior do Oriente Médio com seus cinco milhões de volumes, foi a única instituição à qual Zweig doou material pessoalmente, quando começava a perseguição nazista contra os judeus na Europa.
"É uma das coisas que levaram muitos israelenses a acreditarem que, apesar de suas ressalvas sobre o movimento sionista, Zweig estava ciente do que acontecia aqui. Nunca fez isso com nenhuma outra instituição", concluiu.