
Se as duas têm filhos dele, o pai deverá reconhecer como primogênito aquele da esposa não-amada, que herdará então uma porção dupla enquanto os outros filhos (inclusive o primogênito da esposa amada) receberão apenas uma porção simples.
Por que a Torá explica essa lei sobre a porção dupla de herança do primogênito descrevendo em detalhes a situação de um homem com duas esposas, sendo uma delas não-amada? E por que isso é relevante para nós hoje em dia.
Para entender aqui está uma história.
Um adolescente visitou uma vez o Rebe de Lubavitch, e expressou sua angústia por ter uma vida cheia de desapontamentos e muita luta. “Por que não posso ter uma vida simples e tranquila?” Perguntou o jovem com tristeza.
“Por que seres humanos não são anjos,” respondeu o Rebe. “Anjos são impecáveis e sem falhas, sempre acertam no alvo. Seres humanos, contrariamente, são fragmentados e dualísticos, vacilando entre extremos e perturbados com conflitos. Por causa dessa composição multi-dimensional e dicotomizada, o homem deve lutar durante toda a sua vida para emparelhar com sua alma.”
O adolescente continuou a sondar o mestre. “Mas por que D’us nos criou deste modo tão complicado?” Perguntou.“D’us não teria aproveitado muito mais se nós fossemos como anjos?”
Aparentemente, esse adolescente tinha uma queda por desenho. Ele amava a arte, e ela tornou-se seu hobby. Sendo um exímio educador, o Rebe respondeu à dor do jovem adulto trazendo uma referência do próprio mundo do estudante.
“Deixe-me lhe perguntar sobre a diferença entre a fotografia e a pintura,” o Rebe começou assim sua resposta. “Uma foto captura qualquer cena de uma forma muito mais apurada e precisa do que um quadro jamais conseguiria. No entanto, enquanto uma foto custa apenas alguns dólares, uma pintura imprecisa da mesma cena pode às vezes ser vendida por milhões de dólares, por que?”
O menino explicou ao Rebe de Lubavitch que a maioria das fotografias eram inanimadas e elementos sem vida, capturando apenas as propriedades técnicas de uma cena em particular, mas no entanto lhe falta alma. Uma pintura, por outro lado, na qual uma cena é levada a uma tela pela mente e alma do artista, contém a profundidade da emoção, a estética da criatividade humana, e as sutilezas da imaginação humana. É isso o que dá valor à pintura.
“Muito bem colocado,” o Rebe respondeu novamente. “Você acabou de responder a sua própria pergunta também. Anjos são como fotos; seres humanos são obras de arte,” o Rebe falou com um sorriso.
Anjos são criaturas infalíveis, exatos, cliques perfeitos de suas realidades espirituais. No entanto, é justamente o drama flutuante da existência humana, o conflito perpétuo entre nossa luz interna e a escuridão no mundo, e o espírito humano procurando significado e verdade – que pode tornar a vida uma obra de arte.
Somente na câmara atormentada do coração humano que D’us pode descobrir uma obra de arte genuína e inspiradora que provoque maravilhamento. É a bondade e espiritualidade que emerge da dúvida humana e a luta para conferir dignidade e esplendor à humanidade que os anjos mais elevados não conseguem nunca atingir.”
Isso ajudar a responder nossas perguntas.
Uma das coisas mais importantes que devemos ter em mente durante o estudo da Torá é a ideia de que em cada mitsvá - mandamento, lei ou episódio descrito na Torá contém – além da interpretação concreta e física – uma dimensão psicológica e espiritual também.
Qual é então o sentido espiritual da descrição detalhada sobre a esposa amada e a não-amada, e que as duas têm filhos, mas o primogênito (e privilegiado) é o da não-amada? O Judaísmo nos ensina que a relação entre cada marido e esposa nesse mundo reflete a relação cósmica entre D’us (o noivo) e o povo judeu (a noiva).
Existem dois tipos de ser humano que se casam com D’us: “a esposa amada” e a “esposa desprezada”. Nesse sentido, a “esposa amada”, um tipo de super-homem, é mais como uma foto (na nossa história). Eles têm um romance continuo com D’us. Suas almas transbordam êxtase espiritual, idealismos altruístas e inspirações flamejantes. Eles não conseguem parar de amar D’us, e D’us não consegue parar de amá-los.
Enquanto que a “esposa não-amada” é reservada a todos aqueles que tem uma vida comum, mais ligada à obra de arte. São todos aqueles que possuem numerosas qualidades, mas também têm paixões vulgares, tentações não tão nobres, desejos não tão morais. São as pessoas cujos corações nem sempre estão ardendo de amor por D’us, e que lutam cada dia para continuar casados com sua alma Divina e não cair como presa de suas tendências animalescas.
Quando Mashiach chegar, rapidamente em nossos dias, a celebração Divina de Sua coleção de Arte poderá eclipsar a celebração da Sua coleção de fotos.