Atentado em
Ancara e imediata mensagem de condolências de Benjamin Netanyahu a Recep
Erdogan. Gesto diplomático banal entre dois velhos aliados não fosse a ruptura
entre Israel e a Turquia, que data de 2010.
Mas há fortes sinais, e as
condolências são mais um, de que israelitas e turcos estão prestes a chegar a
acordo sobre o incidente do barco Mavi Marmara e a recolocar os respectivos
embaixadores em Ancara e Tel Aviv. O que significa que a guerra civil na Síria
e a agitação atual e futura no Médio Oriente não param de obrigar os líderes a
rever estratégias e a procurar novas alianças. E se não é o petróleo desta vez
a ajudar, pelo menos o gás tem um papel-chave, já lá iremos.
No caso de
Israel e da Turquia é exagerado falar de uma nova aliança. Faz mais sentido
descrever aquilo que aí vem como uma parceria renovada. O momento crítico
aconteceu há seis anos quando um barco turco tentou chegar a Gaza furando o
bloqueio ao território palestino e foi abordado por um comando israelita que
matou nove turcos a bordo. Ancara indignou-se, alegando que o Mavi Marmara
seguia em missão humanitária, Tel Aviv respondeu que a tripulação não só
desobedeceu às ordens de parar os motores como resistiu à abordagem. Erdogan,
então primeiro-ministro e agora presidente, decidiu ser duro com Israel,
retaliando contra um país com o qual a Turquia até tinha forte cooperação
militar desde a década de 1990. Politicamente um islamoconservador, Erdogan
fazia-se assim campeão da causa palestina, bom cartão de visita para certo
eleitorado mas também junto de um mundo árabe com tradicionais suspeitas em
relação aos turcos. Quando os ventos da Primavera Árabe chegaram, passado um
ano, Erdogan lançou-se feliz na sua diplomacia neo-otomana, na qual Israel não
tinha lugar.
Pedido de
desculpa formal, indemnização às famílias dos mortos, fim do bloqueio a Gaza.
São estas as condições impostas por Erdogan a Netanyahu, o qual cumpriu a
primeira em 2013 pressionado por Barack Obama, pois aos Estados Unidos não
interessa ter dois dos seus três grandes aliados regionais (o outro é a Arábia
Saudita) às avessas. Agora, negociadores israelitas e turcos, que se têm
reunido na Suíça, já chegaram a acordo sobre um fundo indenizatório, faltando
limar arestas sobre o que significa aligeirar o bloqueio a Gaza, onde manda o
Hamas, grupo islamita que não reconhece Israel ao contrário da OLP.
É a necessidade
que leva turcos e israelenses a aproximar-se neste momento. Erdogan viu o
fracasso da Primavera Árabe voltar-se contra os interesses turcos. Ancara não
tem relações com o Egito desde o derrube de Mohammed Morsi pelos militares e
passou a ter o regime sírio como inimigo ao apoiar a rebelião. Ao mesmo tempo
viu a Rússia envolver-se no Médio Oriente e estragar a boa relação que tinha
com Vladimir Putin, perdendo um parceiro econômico. E há ainda o novo fôlego
dos curdos, elogiados mundo fora pela luta contra o Estado Islâmico, grupo
jihadista que conseguiu a proeza de ser combatido por Rússia e América. Quanto
a Israel, se o Egito voltou a ser de confiança como vizinho tal e qual no tempo
de Hosni Mubarak, está longe de ser aliado. O que significa que Israel, como
sempre, está isolado no Médio Oriente e a reconciliação com a Turquia é
bem-vinda.
Do ponto de
vista turco, a relação de Israel com os curdos não traz problemas, pois a que
existe é com os do Iraque, parceiros de Ancara, e que até têm um ministro judeu
no governo regional. Com o PKK, alvo a abater para Erdogan, Israel pouca
afinidade terá, basta recordar que o líder histórico destes, Abdullah Öcalan,
chegou a ser um protegido da dinastia republicana dos Assad, que há meio século
governa a Síria. E sempre ficaram suspeitas de que a Mossad terá ajudado a
secreta turca a capturar Öcalan em 1999 no Quênia.
Já Israel terá
dificuldades em aceitar a boa relação entre Ancara e o Hamas, sendo provável
que as negociações passem pela expulsão de representantes do grupo palestino.
Mas sem eleições próximas no horizonte, Erdogan dará esse passo sem se
preocupar muito com o impacto nos votantes do AKP.
Por outro
lado, nem Israel pode contar com demasiado empenho turco na sua disputa com o
Irão, pois Erdogan tem dado a entender ser aceitável o acordo nuclear
apadrinhado por Obama, nem a Turquia terá verdadeiras expectativas de ver
Netanyahu apoiar o seu braço-de-ferro com a Rússia.
Chegamos então
ao essencial. Perante a incógnita que promete ser o Médio Oriente do pós-guerra
civil síria, com jihadismo por resolver, eixo xiita reforçado e Arábia Saudita
a esforçar-se por contar, turcos e israelitas têm terreno comum que chegue.
Podem animar-se lembrando-se do bom tratamento do Império Otomano aos judeus
ibéricos, ou de como são democracias numa região pouco dada a tal, ou até
redescobrirem que os líderes, ambos pouco apreciados em Washington, têm
interesse em transmitir uma imagem de pragmatismo ao sucessor de Obama.
E há o gás.
Israel tem-no em abundância no Mediterrâneo e quer vendê-lo não só a Chipre e à
Grécia, enquanto a Turquia precisa dele para se libertar da dependência em
relação à Rússia. Como tem dito Erdogan, os dois países têm a ganhar um com o
outro. Bom sinal é que mesmo durante estes anos de tensão o comércio bilateral
duplicou.