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Uma aliança de esperança

Uma aliança de esperança
Uma ideia liga o primeiro capítulo do Gênesis à Declaração da Independência, ou seja, que “todos os homens são criados iguais”. A forma como Philip Selznick articula esta ideia me parece muito convincente: “A igualdade moral é o postulado de que todas as pessoas têm o mesmo valor intrínseco. Não são iguais nos talentos, contribuições para a vida social e eficazes reivindicações de recompensas e recursos. Mas qualquer pessoa tem direito ao fato de ser reconhecida como pessoa.” Consequentemente, tem direito “às condições essenciais que tornam a vida possível, tolerável e com esperança” – e ao necessário para manter “a sua dignidade e integridade de pessoa”.10 Isto poderia ser um ponto de partida para uma aliança global na qual as nações do mundo exprimiriam coletivamente seu compromisso, não apenas para com os direitos humanos, mas também em relação às responsabilidades humanas, e não somente quanto a uma concepção simplesmente política, mas também econômica, ambiental, moral e cultural do bem comum, erigida sobre os fundamentos idênticos de uma humanidade comum e do respeito pela diversidade.
Um dos méritos mais importantes de minha reflexão a respeito da história judaica é a diferença entre otimismo e esperança. O otimismo é a crença de que as coisas irão melhorar. A esperança é a crença de que juntos poderemos melhorar as coisas. O otimismo é uma virtude passiva, enquanto a esperança é ativa. Para ser otimista não é preciso ter coragem, mas é necessária muita coragem para ter esperança. Sabendo o que sabem do passado, os judeus não podem ser otimistas. No entanto, apesar de uma história às vezes muito dolorosa, nunca abandonaram a esperança. Não por acaso deram ao hino nacional do seu Estado o nome “Hatikvá”, que significa a esperança.
A esperança não nasce de um vazio de conceitos, nem está aberta a todas as configurações culturais. A esperança nasce da crença de que a fonte da ação está em nós mesmos. Não somos produtos involuntários de causas cegas: o gene egoísta, a luta darwinista pela sobrevivência, a dialética hegeliana da história, a luta de classes marxista, o choque de vontades nietzschiano, um conjunto de tendências sociológicas de Durkheim, ou um complexo freudiano de pulsões psicológicas de que apenas temos vaga consciência. À humanidade nunca faltaram visões do mundo que colocam as origens das ações fora de nós próprios e entregam nossos destinos aos ventos e marés do acaso que, quando muito, podemos esperar acalmar, ou aos quais, na pior das hipóteses, temos de nos resignar. A esperança é a consciência de que podemos escolher, de que podemos aprender com os nossos erros e na outra vez agir de forma diferente, de que a história não é o que Joseph Heller chamou “caixote de lixo de coincidências aleatórias sopradas pelo vento”, mas uma longa e lenta jornada para a redenção, quaisquer que sejam os desvios e as curvas erradas do caminho.
A esperança é uma virtude humana, mas com bases religiosas. Não é, definitivamente, a crença de que foi Deus quem escreveu o roteiro da história e de que Ele intervirá para nos salvar dos erros das nossas vidas, ou para nos proteger das piores consequências do mal, mas simplesmente de que está atento às nossas aspirações, de que está conosco nos nossos esforços hesitantes, de que nos deu os meios para nos salvar de nós próprios e de que não é um erro sonhar, desejar e trabalhar para um mundo melhor. No final, os grandes processos do pensamento se justificam a si próprios. Para quem acredita que a condição humana é fundamentalmente trágica, ela vai se mostrar como uma série de tragédias. Para quem acredita que podemos reescrever o roteiro, a história se revelará na forma de passos desajeitados e lentos no sentido de uma ordem social mais misericordiosa. 
Na condição de dirigentes religiosos não podemos dizer que nada mudou em relação aos homens. Alguma coisa se modificou: a nossa capacidade para o bem e para o mal, o enorme alcance e as consequências de nossas intervenções. Estamos diante do estrangeiro e faz toda diferença levar em conta se isso nos ameaça ou nos enriquece. Todas as leis escritas contêm textos que, interpretados literalmente, podem ser entendidos de modo a que se justifiquem os particularismos estreitos, a desconfiança em relação aos estrangeiros e a intolerância para com os que têm crenças diferentes das nossas. Mas todos possuem igualmente fontes que insistem na afinidade com o estrangeiro, na empatia para com os de fora, na coragem que leva as pessoas a estender a mão acima das fronteiras da estranheza ou da hostilidade. A escolha é nossa. Ou decidimos que os generosos textos da nossa tradição devem servir de chave interpretativa para o resto, ou deixamos que as passagens corrosivas determinem as nossas ideias sobre o que somos e o que devemos fazer. Nenhuma tradição esta livre da necessidade constante de reinterpretar, de aplicar verdades eternas a um mundo em permanente mudança, de escutar o que Deus exige de nós, aqui e agora. Isso os dirigentes religiosos têm feito sempre, quer no passado, quer agora.
A questão é a seguinte: em que medida vemos a nossa interconexão atual como uma ameaça ou como um desafio? Como obra do homem, ou como apelo de Deus para uma humanidade maior, tal como para um maior autodomínio? Quanto a mim, penso que Deus nos intima a ver no humano outro um traço do outro Divino. O teste em que as grandes forças do século 20 lamentavelmente falharam – é notar a presença Divina no rosto do estrangeiro; é estar atento ao grito dos que não têm poder nenhum nesta era de poderes sem precedentes; dos famintos e pobres, ignorantes e sem educação, e a cujo potencial humano tem sido negada a possibilidade de se exprimir. Essa é a fé de Abrahão e Sara, a partir da qual as grandes religiões, o judaísmo, o cristianismo e o islã, traçam a sua ascendência espiritual. É essa a fé de alguém que, embora chamando a si próprio de pó e cinza, pediu a Deus, “Será que o juiz de toda a terra não fará justiça?” Não somos deuses, mas fomos intimados por Deus a fazer o Seu trabalho com amor e justiça, compaixão e paz.
Há muitos anos tive o privilégio de encontrar um dos grandes dirigentes religiosos do mundo judaico. Liderava um grande grupo de místicos judaicos. Os ensinamentos dele me inspiravam e fiquei impressionado com a espiritualidade dos seus seguidores. Mas que questionava o modo de vida que defendia. Parecia muito exclusivo. Na sua fé intensa e segregada ele se fechava ao resto do mundo. Perguntei se não haveria beleza e valor fora dos muros estreitos dentro dos quais ele vivia. Respondeu com uma parábola:
Imagine duas pessoas que passam a vida carregando pedras. Uma carrega um saco com diamantes e a outra um saco cheio de pedregulhos. Depois se solicita aos dois que levem uma carga de rubis. Qual dos dois compreende o que tem de carregar agora? O homem habituado a levar diamantes sabe que as pedras podem ser preciosas, mesmo quando não são diamantes. Mas quem carregou apenas pedregulhos pensa que as pedras não passam de um fardo. São pesadas, mas não tem valor.
Os rubis estão além da sua compreensão. O mesmo se passa com a fé, disse ele. Se amarmos a nossa, compreenderemos o valor das outras. Podemos achar que a nossa é como um diamante e a outra como um rubi, mas sabemos que ambas são preciosas. Mas, se a fé for apenas um fardo, não só não valorizaremos a nossa como não valorizamos as dos outros. Consideraremos as duas igualmente inúteis. 
Para ele, portanto, a verdadeira tolerância não nasce da falta de fé, mas da sua presença viva. Compreender a especificidade do que importa para nós é a melhor maneira de apreciar o que é importante para os outros.
A diferença não limita; alarga a esfera das possibilidades humanas. A nossa última esperança é relembrar a afirmação clássica de John Donne e a história mais antiga de Noé depois do Dilúvio, e escutar, no meio da nossa hipermodernidade, um velho-novo apelo para uma aliança global de responsabilidade humana e de esperança. Só quando nos dermos conta do perigo que é desejar que todos sejam iguais – por um lado a mesma fé, e, por outro, o mesmo McWorld – poderemos evitar o choque de civilizações, resultante de um sentimento de ameaça e medo. Aprenderemos a viver com a diversidade quando compreendermos que a dignidade da diferença é uma dádiva de Deus que engrandece o mundo.
Fonte: 
A dignidade da diferença 
Como evitar o choque de civilizações

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