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Jovem vestido tipicamente como membro da Juventude da Colina |
Hillel Gershuni | Nova York | Tablet Magazine
'Jovens da Colina' adotam práticas violentas como queimar plantações e mesquitas palestinas e, como o grupo extremista Estado Islâmico, buscam retornar a uma era antiga imaginária e gloriosa de ordem religiosa
Em artigo publicado pelo site de “notícias, ideias e cultura judaica” Tablet, o jornalista e estudante doutorando em Estudos Talmúdicos pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Hillel Gershuni, discute as ações do grupo Juventude da Colina e as semelhanças entre o comportamento dos jovens judeus e dos integrantes do autodenominado Estado Islâmico. Para o autor, “há uma profunda conexão entre os dois fenômenos”. Segue a íntegra do texto, traduzido pela Revista Samuel:
Ser um membro da Juventude da Colina significa, em primeiro lugar, desvincular-se de todo o establishment israelense. Especialmente dos assentamentos. Estes jovens homens e mulheres de aparência hassídica vivem em caminhões, carros, trailers e cavernas — qualquer coisa que sirva como abrigo improvisado — nas colinas dos territórios palestinos na Cisjordânia — chamados por eles de Judeia e Samaria. Eles se veem ligados à Terra de Israel, e não às instituições do Estado israelense.
O grupo mais violento entre eles consiste em pouco mais de algumas dezenas de membros principais e algumas centenas que os apoiam em manifestações e nas redes sociais. Em Israel, alguns se referem ao grupo com repulsa e horror como "EI judaico" — em referência ao grupo extremista Estado Islâmico — e, embora haja uma grande distância entre a violência dos membros extremistas da Juventude da Colina e as práticas do grupo comandado por al-Baghdadi, como a decapitação, a queima de pessoas vivas e o massacre de milhares, existe de fato uma profunda conexão entre os dois fenômenos.
Destruição de oliveiras é uma das táticas utilizadas por grupos radicais israelenses contra palestinos.
O EI não é apenas um Estado, mas também uma ideia poderosa: a rejeição das normas modernas e a ressurreição da era de ouro do califado islâmico. Assim como no califado, os métodos usados para atingir o objetivo são pré-modernos: "Din Muhammad Bissayf", a religião de Maomé é aplicada pela espada. O sucesso desses métodos cruéis na região fronteiriça entre Iraque e Síria atraiu jovens muçulmanos entusiasmados do mundo todo. De modo semelhante, a ideia de reviver o antigo Reino da Judeia atrai jovens homens e mulheres entusiasmados às montanhas, onde os líderes e idealizadores da Juventude da Colina prometem a seus seguidores uma sensação de autenticidade em pleno mundo pós-moderno.
Assim como o EI, sua autenticidade está baseada na destruição de todas as instituições do Estado de Israel, que não merece reconhecimento.
Membros da Juventude da Colina abandonaram as comunidades em que foram criados para viver em caminhões em regiões inabitadas na Judeia. De acordo com essa ideologia nativista, são eles os judeus legítimos, que mantêm o "verdadeiro" modo de vida judaico e, portanto, encorajam uns aos outros a lutar com violência e terror contra não-judeus, a fim de retaliar o “terrorismo árabe” e propiciar uma existência puramente judaica na terra de Israel.
O Estado de Israel é mau, e as comunidades religiosas e ideologias que o suportam estão mal orientadas, acreditam eles. O nativismo classifica o Estado de Israel e seus apoiadores como "Erev Rav", um termo cabalístico que faz referência a pessoas que aparentam ser judias, mas têm almas de inimigos gentios.
A primeira tentação de muitos observadores é a de identificar jovens que buscam causas nativistas, como os membros do EI ou da Juventude da Colina, como "loucos", "lunáticos" ou "moleques movidos por seus hormônios". Contudo, por trás de sua suposta loucura há uma certa filosofia, ou uma tendência geral, facilmente remetida a líderes que ensinam uma filosofia fundamentalista ou nativista, ou cujos ensinamentos foram reinterpretados, dando pretexto à violência e ao terror.
Um desses líderes pertence ao movimento Chabad, em Israel. Seu nome é Rabbi Yitzchak Ginsburgh, e muitos membros da Juventude da Colina frequentaram o yeshivá Od Yosef Chai, do qual ele foi presidente, no assentamento de Yitzhar, uma comunidade que deu origem a alguns dos colonos mais radicais de Israel. Em um famoso discurso durante seu protesto contra a retirada israelense de Gaza e a remoção da comunidade de Gush Katif, Rabbi Ginsburgh uniu poeticamente a literatura chabad e cabalística, a fim de promover a desligitimização das instituições do Estado. Conhecido como "A casca e o fruto", o discurso de Ginsburgh utilizou metáforas místicas para encorajar a destruição das "cascas" ao redor do povo judeu. Os sábios compararam o povo de Israel a uma noz, disse Rabbi Ginsburgh, e a noz tem três cascas. As cascas, de acordo com ele, são o sionismo, os tribunais israelenses e o governo. Agora, disse Rabbi Ginsburgh, é a hora de quebrar as cascas, derrubar o sionismo, desobedecer aos tribunais e se opor ao governo — qualquer governo — até que um regime verdadeiramente judaico possa renascer.
Embora sejam hoje rejeitados pelo próprio Rabbi Ginsburgh, seus pupilos começaram e continuam a carregar a etiqueta "terrorismo" ou, de acordo com o nome que davam a seus atos no princípio, "responsabilidade mútua" (Arvut Hadadit, em hebraico). Eles queimam plantações e mesquitas palestinas em vingança por ataques terroristas, ou até mesmo sem qualquer razão. Militantes atacaram veículos das Forças de Defesa Israelenses para interromper as evacuações de comunidades construídas ilegalmente e impedir que as forças israelenses policiassem grupos terroristas judaicos nas colinas.
Alguns deles deram um passo adiante. Uma figura central aqui é o neto de Rabbi Meir Kahane, Meir Ettinger, que o Estado de Israel colocou em prisão administrativa por seis meses e hoje é discípulo de Rabbi Ginsburgh. Ele chegou até mesmo a fazer parte do movimento "Derech Chayim", do Rabbi Ginsburgh, mas o abandonou por causa de sua abordagem não-violenta, adotando o "manifesto da rebelião", exigindo a execução de atos violentos que abalassem as fundações do Estado de Israel.
Outro ator nesta cena é Rabbi Shmuel Tal, cujos discípulos provavelmente não estão entre o grupo mais violento, mas que compartilha do mesmo ódio contra o Estado e suas instituições. Rabbi Tal mudou seu ponto de vista quanto ao Estado de Israel durante a desocupação da Faixa de Gaza, afirmando que a medida não fazia parte do projeto de Redenção, interrompendo-o, na verdade. Um dos alunos de Rabbi Tal publicou um manifesto após a suposta tortura de suspeitos dos assassinatos de Duma, afirmando que o Shin Bet recorria à tortura por temer os jovens envolvidos, que tinham a intenção de estabelecer o que viam como o verdadeiro Estado Judeu no lugar do atual, corrompido. O próprio Rabbi Tal, assim como Rabbi Ginsburgh, não encoraja atos violentos e, na verdade, prega contra eles, focando-se na construção de alternativas às instituições seculares do Estado. Ainda assim, compreender a filosofia destes rabinos é crucial para entender os poucos que não seguem suas diretrizes pragmáticas e não-violentas.
As principais características destas diferentes perspectivas sobre a soberania são as mesmas: o desejo de "regressar às raízes" e o ressentimento contra o atual Estado de Israel. Esta perspectiva também é compartilhada por muitos ultra-ortodoxos, ou haredis, em Israel, mas com uma diferença crucial: enquanto os ultra-ortodoxos não acreditam que o povo judeu esteja em meio a um processo positivo de geula (redenção nacional); os rabinos por trás da Juventude da Colina, sim. Acreditam, além disso, que "agir com Deus" e ajudar a avançar a geula por meios mundanos é um dever religioso, e que isso não significa apenas propagar bons atos e aguardar a vinda do Messias.
A combinação das duas ideias: a de que se deve ajudar no processo da geula e de que o Estado de Israel não é parte do processo, mas sim um inimigo, podem ser bastante voláteis. A boa notícia é que, diferentemente do que ocorre com o EI, o grupo aqui é bastante pequeno, não se trata de milhares de entusiastas, mas de alguns poucos ativistas e algumas centenas de apoiadores. Contudo, as principais autoridades rabínicas não têm qualquer influência sobre eles, já que seu entendimento teológico sobre o papel do Estado de Israel é radicalmente diferente. Como o histórico do EI nos mostrou, doutrinas fervorosas que pregam um retorno literal ao passado antigo e glorioso não parecem soar loucas para seus defensores.
* Texto publicado originalmente em inglês pelo site Tablet Magazine
** Tradução: Henrique Mendes