Pelo Rabino Nissan Ben Avraham
Os Portugueses Conversos
Como já sabemos, grande parte dos judeus que foram expulsos de Castilha no nefasto ano de 1492, chegaram ao reino vizinho de Portugal, esperando encontrar no país um lugar de hospedagem, que lhes era negada em Castilha e Aragão.
Contudo, somente três anos depois, se viram, novamente, frente a mais um decreto de expulsão, quando o rei Manuel, que se queria casar com a filha dos Reis Católicos, recebia uma instrução – como condição para o casamento – de que não houvessem mais judeus em seu país. Deste modo, deu-se início a um difícil êxodo dos judeus que começaram a buscar outros lugares aonde pudessem ser acolhidos. Porém, o ritmo da emigração não satisfez o rei, que encontrou um inusitado método para fazer “desaparecer” os judeus de seu reino: ‘batizou’ a todos em celebrações que não comprometiam a ninguém. Ao espirrar ‘águas sagradas’ nas paredes dos bairros judeus, foram incluídos, assim, todos os habitantes do bairro no batismo. Os judeus foram condenados a guardar seu judaísmo em segredo, mesmo que estivesse claro que nenhum deles havia feito qualquer claro ou sincero ato de conversão ao cristianismo.
Não é de se estranhar que os conversos portugueses foram, logo, duramente perseguidos pela Inquisição. Deu-se início a uma época na qual os ‘novos cristãos’ migravam, de um lado ao outro, através da fronteira entre o reino de Portugal e Castilha, fugindo sempre do país que apresentava a maior ameaça.
Nova Espanha e Novo Leão
Não demoraram muito para encontrar uma solução: a emigração ao “Novo Mundo”, recentemente descoberto.
Desta maneira seria lógico encontrar um grande número de ‘portugueses’ que se comunicavam em um perfeito castelhano, desembarcando nas costas da Nova Espanha, como era, então, conhecido, o atual México.
Durante algo como cento e cinquenta anos, desde meados do século XVI e até o século XVIII, as migrações de ‘portugueses’ para o território mexicano se tornaram notórias. Assim também deixaram uma forte marca nos arquivos inquisitoriais do país, nos quais é possível encontrar, em praticamente todos os casos documentados de “judaizantes”, judeus observantes da Lei de Moisés destacados como ‘portugueses’ ou ‘de origem portuguesa’.
O historiador Ricardo Escobar Quevedo, no seu livro “Inquisição e os judaizantes na América espanhola (séculos XVI-XVII)”, indica que, como consequência desta situação, o ‘português’ se converte em um sinônimo de ‘ser judeu’ ou ser ‘judaizante’. E, mesmo que, logicamente, seguiam existindo ‘judaizantes’ em Castilha e lá, aqueles que eram descobertos, eram julgados e castigados, parte destes chegaram a Nova Espanha, buscando, talvez, se distanciar ainda mais dos grandes centros de conexão com o Velho Mundo e assim, preferindo esconder-se na América.
Algumas evidências levam a crêer que o distrito lusitano do qual mais cripto-judeus emigraram para o México, foi o de Guarda, na fronteira com Salamanca, no reino de Leão, seguidos pelos cripto-judeus de Castelo Branco e Braganza, ao sul e ao norte de Guarda, respectivamente, que também faziam fronteira com Castilha, confirmando o fenômeno da continua migração entre os dos países, como explicamos anteriormente.
Nesta mesma Braganza, na região próxima da frontera com Salamanca, em um pequeno vilarejo chamado Mogadouro, nascia em 1539, Luis de Carvajal y de la Cueva, mesmo que ainda jovem voltava com a família para Leão, para a cidade de Sahagún. Este personagem se tornaria o primeiro governador e capitão-general do Novo Reino de Leão, que ocupava todo o norte do México e do estado de Texas. Em 1590 ele foi acusado de “judaização”, junto com sua irmã Francisca, seu cunhado Francisco Rodriguez e os filhos do casal. Luis morreu na prisão, vítima de tortura. Sua família foi executada na Cidade do México, no Auto de Fé de 8 de Dezembro de 1596. Dos filhos de Francisco e Francisca, sabemos que Baltasar e Luis escreviam poesias hebraicas. No “Livro Vermelho” do escritor e político mexicano Vicente Riva Palacio, há uma gravura da ‘execução de Mariana de Carvajal’, uma das filhas do casamento Rodríguez-Carvajal. Em 1974, um filme chamado “A Inquisição” por Arturo Ripstein (nomeado para o Palme d’Or no Festival de Cannes deste mesmo ano) foi lançado, contando a história desta família.
Os Magnatas Portugueses
Parece que outros conversos portugueses se estabeleceram na Cidade do México. Em 1627, o jovem rei Filipe IV de Espanha começou a ter sérios problemas financeiros por causa de suas guerras intermináveis contra quase todos os reinos: França, Inglaterra, Portugal, etc. Assim, durante a Guerra dos Trinta Anos, ele foi forçado a pedir a ajuda aos “portugueses marranos”. Eles eram descendentes de judeus convertidos em Portugal que, assim, obtiveram a cidadania espanhola. A Espanha havia perdido o apoio dos genoveses e o Conde-Duque de Olivares, favorito do rei, apesar dos protestos da Inquisição Portuguesa, receberam o perdão de Roma e a autorização de emigração ilimitada para Castilha.
Assim, um descendente de conversos de Castelo Branco chamado Don Simon Baez Sevilha (Simão Vaaz Sevilha) tornou-se um verdadeiro magnata da frota real espanhola, com contatos que chegavam até Manila, Macau e Goa. Diz-se que foi chefe da importante comunidade cripto-judaica no México e ajudou a instalar cerca de vinte sinagogas clandestinas na Cidade do México, assim como em outras grandes cidades. O comércio desta comunidade tinha fortes contatos culturais e comerciais com seus irmãos de sangue em Amsterdã, Itália, Grécia e Turquia. A partir de 1685 começa uma dura perseguição contra os criptojudeus no México, invejados por seu enorme poder econômico. Através da Inquisição, a Coroa se apropriou de todas as propriedades dos acusados. Como resultado desta perseguição, não sobraram muitos judeus conversos portugueses no México
Os remanescentes desta comunidade, se dividiram em diferentes territórios em Monterrey, Texas e nas regiões de Michocoán e Guerrero. As famílias continuam sendo chamadas de Oliveira, Nunez, Mendez, Da Silva, de Castro, Pereira, etc. Se trata de uma clara influência portuguesa, e certamente cripto-judaica, nestas regiões da América Central.
Fonte:http://casadosanussim.com/