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Aguarela representando a expulsão dos Judeus de Portugal |
«Andem estes mal batizados tão cheios de temor desta fera
[a Inquisição] que pela rua vão voltando os olhos [para ver] se os arrebata, e
com os corações incertos, como a folha da árvore movediça, caminham, e se param
atônitos.»
Samuel Usque, Consolação às Tribulações de Israel,
Diálogo III, Cap. 30, 1533.
Com o advento do Cristianismo, leis discriminatórias contra
os judeus começaram a ser aprovadas – primeiro, pelos romanos, e depois pelos
bárbaros Visigodos que invadiram a península em 409 D.C.. Entre outras
coisas, foram proibidos os casamentos mistos entre judeus e cristãos e até
mesmo instituída uma conversão forçada ao cristianismo (a qual não parece ter
surtido grande efeito, visto que outras conversões em massa foram realizadas ao
longo da História).
Em 711 D.C., tropas mouras invadem a Península Ibérica
e derrotam os visigodos. Os mouros foram encarados como libertadores pelos
judeus, uma visão até certo ponto correta, visto que cristãos e judeus eram
incluídos pelos muçulmanos no grupo dos “Povos do Livro” (Bíblia, Torá etc.).
Os indivíduos que professavam tais crenças podiam continuar a praticá-las sob
domínio islâmico, desde que pagassem uma taxa (a jizya) aos
governantes e respeitassem as leis islâmicas.
Da Reconquista ao sequestro dos inocentes
Com a Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos,
os judeus passaram a temer novamente pela sua sorte. Todavia, pelo menos em
Portugal até meados do século XV, eles gozaram de relativa liberdade, embora
tivessem de pagar impostos escorchantes. Obtiveram mesmo grande destaque na
vida pública portuguesa, como diplomatas, conselheiros reais, administradores,
médicos, matemáticos, astrônomos, comerciantes e banqueiros (embora a maior
parte da população judaica fosse composta de pessoas com profissões bem mais
modestas, a saber, alfaiates, sapateiros, tecelões, pastores e pequenos
comerciantes). Tal projeção começou a gerar descontentamento entre o povo, que
sentia estar “a cristandade submetida à jurisdição judaica” (conforme
queixou-se um frade em carta a Dom Afonso V). Tal clima de insatisfação
generalizou-se e os judeus começaram a ser vítimas de perseguições e violência
por parte de populares.
A situação na Espanha a partir de meados do século
XIV já prenunciava o destino que esperava os judeus portugueses. Em
Toledo, em 1355, 12 mil judeus morreram vítimas de perseguição religiosa; o
número atingiu 50 mil em Palma de Mallorca, em 1391. Com o início das operações
da Inquisição, ou “Santa Inquisição”, em 1478, o temor se espalhou
entre os judeus da Espanha. Temendo pela própria sorte, milhares se converteram
ao catolicismo, enquanto outro tanto buscou refúgio em Portugal. O volume de
refugiados aumentou dramaticamente quando em 1492 foi decretada a expulsão
dos judeus da Espanha.
Esse grande contingente de milhares de judeus (93 mil
segundo as contas do contemporâneo Andrés Bernaldez) fugitivos sem bens e
dinheiro acirrou os ânimos dos portugueses.
Eles atravessaram a fronteira em busca de abrigo, mediante o e
a licença de trânsito por oito meses atribuída pelo rei D. João II.
Além da ira popular, os imigrantes tiveram de lidar com a
esperteza de Dom João II, que vislumbrou uma oportunidade de lucrar com a
desgraça alheia: o rei instituiu a cobrança de dois escudos (Outros
pesquisadores afirmam que era um tributo de 8 cruzados) por cada
imigrante, para que pudessem permanecer em Portugal por oito meses.
Como ao fim do prazo de permanência os judeus não
conseguiram sair de Portugal (não havia navios suficientes para transporta-los
– ou assim foi dito), o rei ordenou que fossem vendidos como escravos. As
crianças entre dois e dez anos foram tiradas de seus pais, batizadas e levadas
para colonizar as ilhas de São Tomé e Príncipe, onde a maioria não resistiu às
condições do clima.
Apesar disso ainda vivem naquelas ilhas descendentes destes
judeus, os quais, como prova de extrema resistência cultural, ainda conservam
alguns costumes judaicos.
Da Expulsão ao Pogrom de Lisboa
Com a ascensão de Dom Manuel I ao trono português, em
n1495, os castelhanos escravizados foram libertados. Todavia, o casamento
anunciado do rei com a princesa Isabel da Espanha colocou os judeus
novamente em clima de tensão. Isto porque o contrato de casamento incluía uma
cláusula que exigia a expulsão dos hereges (mouros e judeus) do
território português, tal como os reis espanhóis haviam feito em 1492. O rei
Manual I tentou fazer com que a princesa reconsiderasse (já que precisava dos
capitais e do conhecimento técnico dos judeus para o seu projeto de
desenvolvimento de Portugal), mas foi tudo em vão. Em 5 de dezembro de
1496, Dom Manuel assinou o decreto de expulsão dos hereges, concedendo-lhes
prazo até 31 de outubro de 1497 para que deixassem o país. Aos judeus, o
rei permitiu que optassem pela conversão ou desterro, esperando assim que
muitos se batizassem, ainda que apenas pro forma.
Os judeus, no entanto, não se deixaram convencer e a grande
maioria optou por abandonar o país. O rei, ao ver cair por terra sua
estratégia, mandou fechar todos os portos de Portugal – menos o porto de
Lisboa – para impedir a fuga.
Uma vez que os Judeus constituíam uma parte importante da
elite econômica, cultural e científica do país, o rei queria evitar a sua fuga
e concentrou no porto de Lisboa cerca de 20 mil judeus, esperando transporte
para abandonar o território português.
Em abril de 1497, o rei manda sequestrar as
crianças judias menores de 14 anos, para serem criadas por famílias cristãs, o
que foi feito com grande violência. Em outubro de 1497, os que ainda
resistiam à conversão foram arrastados à pia batismal pelo povo incitado
por clérigos fanáticos e com a complacência das forças da ordem.
Foi desses batismos em massa e à força que surgiram os
marranos, ou cripto-judeus, que praticavam o judaísmo em segredo embora
publicamente professassem a fé católica.
Os “cristãos novos” nunca foram realmente bem aceitos pela
população “cristã velha”, que desconfiava da sinceridade da fé dos conversos.
Essa desconfiança evoluiu para a violência explícita em 1506, quando ocorreu o Pogrom
de Lisboa. A peste grassava na cidade desde janeiro, fazendo dezenas de
vítimas por dia. Em abril, mais uma vez insuflados por clérigos fanáticos, que
culpavam os “cristãos novos” pela calamidade, o populacho investiu contra eles,
matando mais de dois mil deles, entre homens, mulheres e crianças.
A nova diáspora

Expulsão dos judeus de
Espanha em 1492, xilogravura, posteriormente colorida, de Michaly Von Zichy,
1880, AKG Imagens/Latins Tock – Fonte – http://www2.uol.com.br/historiaviva
Os judeus portugueses também chegaram com os holandeses na
Capitania luso-brasileira de Nova Lusitânia, Pernambuco, e consecutivamente a
toda região setentrional do Nordeste brasileiro, outrora conquistado aos
portugueses pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, entre os anos de
1630 a 1654, onde fundaram no Recife, capital da Nova Holanda, a primeira
sinagoga das Américas, a Sinagoga Kahal Zur Israel, sob a direção do grande
Hakham Issac Aboab da Fonseca, que foi autor dos primeiros textos literários e
religiosos escritos em língua hebraica nas Américas. Com a reconquista
portuguesa do Nordeste setentrional do Brasil, e a proibição de praticar o judaísmo,
a comunidade dispersou-se, sendo que alguns voltaram para Amsterdã, outros
migraram para outras colônias holandesas nas Américas do Sul, Central e do
Norte e uma parcela permaneceu, refugiando-se nos sertões, interior do Nordeste
Brasileiro onde se converteram em cripto-judeus.
Em Nova Iorque, que foi colônia holandesa com o nome de Nova
Amsterdã, chegou do Recife um grupo de 23 judeus em Setembro de 1654, onde
fundaram a primeira comunidade judaica dessa cidade.
Embora a presença judaica no continente americano date de um
século e meio antes da conquista da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais
ao Nordeste brasileiro, os judeus convertidos (cristãos-novos) fizeram
parte da expedição portuguesa que, sob o comando do capitão Cabral, “descobriu”
o Brasil em 22 de abril de 1500.
Mesmo depois da abolição do Tribunal do Santo Ofício, em
1821, o cripto-judaísmo continuou a ser praticado em Portugal, em especial na
Beira Interior e Trás-os-Montes. Em Belmonte, só terminaria já depois do 25 de
Abril.