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Duas militares num posto de controlo junto à vedação que separa Israel da Faixa de Gaza |
Em Netiv Hahsara, Tsameret faz flores e borboletas de cerâmica pela paz, em Jerusalém os ataques não impedem de comer donuts no Hanukkah e nos Golã olha-se a guerra na Síria de cima.
Para quem chega a Netiv Hahsara, os pedaços de metal contorcido encostados à parede da casa de Tsameret Zamir não passam disso mesmo... pedaços de metal. Mas na realidade são rockets.
Rockets lançados pelo Hamas do outro lado do muro, logo ali, a menos de cem metros, que separa Israel da Faixa de Gaza, governada pelo grupo integrista palestino desde 2007. Mas também destroços de mísseis israelenses, restos desse Iron Dome que garante a segurança do resto do país mas não protege os habitantes da moshav - aldeia que funciona como cooperativa agrícola - por ficar demasiado próxima do território palestino.
"Estava grávida de nove meses quando caiu o primeiro rocket. Estávamos em 2000. O meu filho só descobriu que isto não era o normal quando foi para a escola primária e conheceu meninos que não viviam com rockets a cair do céu a toda a hora." Cabelo comprido, apanhado num prático rabo-de-cavalo, Hila Fenlon aponta para a paragem de autocarro, coberta de desenhos coloridos e explica: "Aquilo é uma paragem de autocarro, mas é também um abrigo antibomba. O infantário é um abrigo antibomba, os quartos das crianças, nestas casas todas, são abrigos antibomba." Esta foi a forma que os habitantes da moshav encontraram para garantir a segurança dos filhos. Até porque as sirenes, que se veem nos telhados de vários edifícios, muitas vezes nem têm tempo de tocar antes de o rocket cair. "Se for um morteiro, então, não tocam. São muito rápidos e voam muito baixo", explica Hila.
Destroços de rockets junto a uma parede de Netiv Hahsara
E sublinha que a situação também não é fácil para os palestinos. "Nós temos de garantir que eles vão ter uma vida melhor." Por isso está empenhada em falar por aqueles que "não podem falar, não podem criticar o Hamas, não podem defender as pontes que querem criar connosco". E também não poupa o governo israelita que, diz, "não dá esperança às pessoas. Há 20 anos com [Yitzhak] Rabin estávamos a dar passos para a paz. Agora com Bibi [o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu] não."
Nas ruas ensolaradas da moshav impressiona o grande número de soldados. Uns sentados num banco a beber um café, de espingarda na mão, outros em patrulha, outras (sim, duas raparigas que apesar dos rostos fechados não aparentam mais de 20 anos) num posto de controlo, já bem perto do muro que separa as quintas dos habitantes da moshav da Faixa de Gaza. A sua presença está relacionada com os túneis cuja saída foi encontrada em 2014 bem no meio da aldeia e por onde o Hamas queria infiltrar elementos em Israel. Agora foram tapados, mas "nunca se sabe onde pode aparecer outro", explica Hila.
Quando se vive em Netiv Hahsara aprende-se a lidar com o perigo constante. Cada um à sua maneira. Uns vão trabalhar para os campos, outros não aguentaram e partiram. Tsameret Zamir decidiu usar a arte "para ajudar as pessoas a encontrar a esperança". É junto à casa desta mãe de quatro filhos - todos adultos, dois estão no exército neste momento - que se alinham os destroços de rockets. Por vezes Tsameret usa-os para as suas obras. Mas foi nas borboletas, corações e flores de cerâmica que se refugiou no verão de 2014 quando os rockets do Hamas caíam por todo o Sul de Israel. Tudo começou com o rapto e a morte de três adolescentes israelitas pelo Hamas. Israel respondeu com uma campanha militar contra Gaza, mas os ânimos exaltaram-se ainda mais quando extremistas judeus queimaram vivo um rapaz palestino. No final, a operação Escudo Protetor fez mais de 2200 mortos palestinos, do lado de Israel morreram 66 soldados e sete civis.
Corações, flores e borboletas de cerâmica pela paz
Pontos de passagem
Bem ali ao lado da moshav fica Erez, o único ponto por onde hoje se pode entrar ou sair da Faixa de Gaza. A gestão do complexo, construído ao estilo de um terminal de aeroporto, está a cargo do COGAT, o gabinete de coordenação com os palestinos. E desde que em 2013 o Egito fechou a fronteira de Rafah, acusando o Hamas de apoiar os grupos armados que atuam no Sinai (reabrindo-a apenas excecionalmente e por poucos dias) e inundou os túneis por onde muitos palestinos traficavam mercadorias, Israel passou a flexibilizar as passagens por Erez - única saída para os 1,8 milhões de habitantes daquele território minúsculo de 40 quilômetros por dez. Neste momento são 1500 as travessias diárias, 50% para cada lado. Trata-se sobretudo de empresários, mas também de doentes que vão receber tratamento médico a Israel, grupos desportivos em deslocação ao estrangeiro, estudantes convidados por universidade de outros países e alguns peregrinos que conseguem autorização para ir rezar a Jerusalém. A coordenação é feita com a Autoridade Palestiniana, uma vez que Israel não dialoga com o Hamas.
Quanto às mercadorias que entram e saem de Gaza, passam todas por Kerem Shalom, mais a sul, mesmo no extremo da Faixa de Gaza. E o local por onde passam é território de Ami Shakel. Polo verde, calças caqui, boné de onde escapa um rabo-de-cavalo grisalho, o gestor do ponto de passagem foi durante 25 anos chefe da segurança num colonato de Gaza. Até 2005 e à retirada ordenada unilateralmente pelo primeiro-ministro Ariel Sharon. Agora há sete que manda na dança dos camiões que entram e saem da Faixa de Gaza. E são cada vez mais. Carregados de repolhos ou tomates palestinos que vão ser vendidos nos mercados israelitas. Ou carregados de materiais que vão ser usados para reconstruir as casas que as bombas israelitas destruíram na guerra do ano passado.
Ali há scanners, cães e muitos homens cuja tarefa é garantir que não entra nem sai nada que possa pôr em perigo a segurança de Israel. Em cada compartimento, separados por muros de betão, as equipas israelitas e palestinianas carregam e descarregam, sem nunca se cruzarem. Só Ami lida com ambas. Talvez para matar saudades de outros tempos. "Não posso voltar a Gaza. Sinto pena dos palestinos, conheço-os bem", conta. E dez anos depois de ter deixado o colonato mantém contacto com alguns. "Eles dizem que não veem futuro para o povo palestino", garante, antes de acrescentar: "A maior parte das pessoas de Gaza são bons vizinhos. Vivem contigo. Riem contigo." Mas nem todos. Não os homens que fizeram que o filho perdesse a perna num atentado terrorista ali perto. "Estive na infantaria. Fiquei ferido três vezes porque sempre os deixei disparar primeiro. Queria ter a certeza de que eram terroristas. Mas não consegui proteger o meu filho", lamenta Ami, de lágrimas nos olhos.
Jerusalém entre donuts e facas
Em Jerusalém Oriental, as montras das pastelarias estão cheias de doces para celebrar o Hanukkah, a festa das luzes dos judeus. Mas nas mentes de todos estão os ataques das últimas semanas, quando jovens palestinos atacaram à facada israelitas, militares e civis. A larga maioria foi abatida. "Esta onda de violência é um desafio, para nós e para os palestinos", admite Emmanuel Nahshon. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita explica ainda que esta é uma violência que "não vem de movimentos, vem de indivíduos". E questionado se Israel continuar a construir colonatos da Cisjordânia, ali ao lado, não agrava mais a frustração dos palestinos, garante que apenas estão a expandir os colonatos existentes para responder ao crescimento demográfico e não a construir novos.
Quanto ao estado das negociações entre Israel e palestinos, Nahshon confirma que estão "totalmente paradas" e admite que "o sentimento neste momento é que os palestinos não são de confiança". Mas enquanto os políticos vão adiando a solução dos dois Estados, na Cidade Velha de Jerusalém o convívio é real, mesmo estando esta dividida em bairros - armênio, cristão, judeu e muçulmano. E enquanto o canto do muezzin chama os muçulmanos para a oração na mesquita de Al-Aqsa, cá em baixo no Muro das Lamentações, judeus, ultraortodoxos (com os caracolinhos, vestes e chapéu negros) ou não, rezam de cabeça encostada ao último vestígio do Templo de David.
Em época de festas, parar para comer um donut recheado com geleia de morango e coberto de açúcar em pó é obrigatório. E enquanto se degusta a iguaria, num esforço vão para não ficar coberto de pó branco, vê-se passar pela janela um grupo de recrutas de uma academia militar, com duas oficiais armadas à frente. Numa cidade sob ameaça terrorista, quem vem de fora espera forte aparato de segurança, mas a verdade é que a presença de soldados armados é mais discreta do que se poderia pensar. Sinal talvez de que esta é uma violência diferente da onda de atentados bombistas que sacudiu Israel na II Intifada.
Nos Golã a olhar a Síria
Aparato militar vê-se, sim, nos montes Golã. Território sírio ocupado por Israel desde 1967, o planalto recebe a segunda maior concentração de forças do exército depois do deserto do Negev. Lá em cima, a mais de mil metros de altitude, umas placas marcam a distância para várias cidades: Bagdá fica a 800 km, Jerusalém a 240, mas Damasco só a 60. As nuvens cobrem a paisagem mas todos sabem que do lado de lá de uma das fronteiras mais fortificadas do mundo é "o pior sítio do mundo". Talvez por isso Israel não esconda que quer ficar longe da guerra que destrói a Síria. Uma guerra de todos contra todos, entre fiéis ao presidente Bashar al-Assad, rebeldes da Frente al-Nusra, ligados à Al-Qaeda, ou combatentes do Estado Islâmico.
Incidentes já houve alguns mas até agora Israel tem-se limitado a assistir os feridos deixados junto à fronteira com a Síria. Quando estão curados, devolve-os. "Não queremos entrar na guerra. E até agora temos conseguido minimizar os estragos", garante Benedetta Berti, analista do Instituto para os Estudos de Segurança Nacional, que viveu na Síria algum tempo.
Em Israel (a jornalista viajou a convite da Embaixada de Israel)