Tal expressão também é repetida com relação as árvores, quando, no capítulo 19 de Vaicrá, diz que o fruto das árvores recém-plantadas deverão ser “não circuncidadas” durante os três primeiros anos, no quarto ano será dedicado um cântico especial no templo, e a partir do quinto ano poderão ser consumidas livremente. A tradução desta expressão para o aramaico de “Onkelos” usa uma palavra que significa algo como “opacidade”, que significa que, nestes primeiros anos a fruta não está em suas boas propriedades, está “opaca”. Ou, talvez, que quem a consumir nestes primeiros anos não aproveita seu melhor gosto e a torna ‘opaca’, sendo assim, incapaz de captar o verdadeiro sabor da fruta.
E mais, considerando que as árvores que crescem na Terra Santa possuem propriedades espirituais que não existem nas árvores nos outros lugares do mundo, o não cumprimento das regras que a Torá indica, essas propriedades divinas do produto é perdido ou até mesmo causar um coma que se tornar mais “opaco” para o espiritual.
Amarrado e Desamarrado
Os sábios usam também outra expressão que significa a mesma coisa. Na Mishná e no Talmud usam a expressão “Asur” para o proibido e ‘Mutar’ para o permitido. Seus significados etimológicos são: “amarrado” e “desamarrado”, respectivamente. Em seu significado básico, poderíamos dizer que tal ato está “amarrado” a ordem divina e você não pode fazê-lo, enquanto o outro está “desamarrado” dos laços que o impedem de realizá-lo. Os Sábios, de qualquer maneira, fornecem um significado espiritual mais grave, assim como o que vimos com os frutos “não circuncidados”. Por transgredir uma proibição, a pessoa mesma está “amarrando” o pecado em si mesmo.
Como por exemplo, uma dançarina que deve seguir regras rigorosas de dieta e exercícios. Se ela não cumprir com as regras, logo se perceberá as consequencias que está “amarrando” a sua rotina, a impedindo de realizar os movimentos difíceis, que exigem uma barriga lisa e músculos fortes.
Insensibilidade
Um coração “não circuncisado” é um coração insensível as mensagens divinas. Não é capaz de reconhecer a vitalidade espiritual que reside na natureza, mesmo na natureza israelita que é sobrenatural, mais próxima do divino. Não consegue enxergar os avisos que o Criador nos envia diariamente, para ajudar-nos a melhorar nosso comportamento, nem mesmo aqueles que vem explícitamente da boca dos profetas.
O profeta Yechezkel (Ezequiel 44) queixa-se dos sacerdotes que trabalhavam no Templo Sagrado, mas “não eram circuncidados” no coração e até mesmo na carne, menosprezando as instruções divinas da Torá, transformando o Santuário num simples local de trabalho ou, pior, num lugar de magia, sem levar em consideração a preparação física e espiritual que se deve ter para realizar as tarefas importantes do Criador.
O versículo na nossa Parasha continua dizendo “e não endurecerá mais vossa cerviz” (Devarim 10:16). A “cerviz dura” é uma expressão hebraica que se refere a ‘teimosia’, ‘cabeça dura’.
Teimosia em si não é ruim. A necessitamos desesperadamente durante os anos negros da interminável diáspora que passamos, quando não se via nem um único vislumbre de esperança no fim do túnel, enquanto passávamos pela nações hostis da Europa, Ásia e África (mesmo na América Livre, talvez mais lá). “Abandonar seus costumes descoloridos, suas teorias ultrapassadas e seu espiritualismo utópico para se integrar a sociedade moderna” – era o mantra durante os dois mil anos de exílio, nas sociedades que nos rodeiam. Sem a teimosia judaica teríamos desaparecido do palco da história há muito tempo, completamente assimilados, não haveria nem um sobrenome, nem uma relíquia distante de nossa gloriosa singularidade.
O problema começa quando fazemos o uso não correto dessa qualidade preciosa e a usamos para emperrarmos num comportamento “sem sal”, que carece de energia positiva, egoísta e míope.
Saindo da superficialidade
A Torá nos retira dessa superficialidade. Possuímos uma alma sobrenatural, com qualidades extraordinárias, capazes de transformar este mundo num paraíso. A Torá não quer que passemos nossos anos em vão, sem perceber a grandeza da obra de D´us no mundo e sem utilizarmos de nosso potencial máximo. Nos colocou nesta vida para “fazer”, para sermos parceiros na criação que deveria funcionar da seguinte maneira: enquanto uns se ocupariam com os aspectos mais materiais, Israel se ocuparia com a parte espiritual. Contudo, com a dupla bênção que o nosso Patriarca Yaacov recebeu, ao “roubar” a bênção de seu perigoso irmão, terminamos como responsáveis em realizar as duas tarefas, trabalhando em todas as facetas da criação.
No discurso de Moshe, pouco antes de entrar na Terra da Profecia, a mensagem é repetida uma e outra vez, a partir de diferentes pontos de vista. Mas este pequeno verso nos passa a mensagem, muito claramente.