Brasil retira menção a Israel de passaportes de nascidos em Jerusalém
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DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA FOLHA, EM TEL AVIV (ISRAEL)
Uma decisão da Embaixada do Brasil em Tel Aviv surpreendeu alguns dos 15 mil brasileiros em Israel.
A representação decidiu padronizar a emissão de passaportes de filhos de imigrantes brasileiros nascidos em Jerusalém excluindo a palavra "Israel".
Na prática, a cidade —sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos— aparece no documento desses brasileiros só como Jerusalém, sem identificar o país.
A medida segue países como EUA, Canadá e França, que não aceitam a soberania israelense sobre a cidade, considerada capital do país pelos israelenses.
Segundo a embaixada brasileira, a medida começou a ser executada em meados de 2014. Mas ganhou destaque recentemente, depois que alguns brasileiros pediram esclarecimentos e expressaram indignação pela internet.
Anualmente, o setor consular da embaixada emite uma média de 60 passaportes de brasileiros jerusalemitas (cerca dos 5% dos 1.200 emitidos anualmente para brasileiros de todo o Estado de Israel).
"Isso é um absurdo! Quero saber por que não consta que meu filho de dois anos, que nasceu no hospital Shearei Tzedek, do lado Ocidental, é israelense. Ele não tem nacionalidade?", reclama uma brasileira que não quis se identificar, mas que postou partes dos passaportes dos dois filhos no Facebook.
Outra brasileira contou que renovou o passaporte do filho se surpreendeu quando percebeu que, nele, não constava a palavra "Israel". "O passaporte dele estava vencido havia um ano. Quando fui renovar percebi a mudança."
A presidente da Comunidade Brasil-Israel, a pastora Jane Silva, enviou carta à presidente Dilma Rousseff pedindo esclarecimentos sobre a mudança.
"Qual a mensagem vocês querem mandar para Israel? Quando foi adotada medida e quem participou dela? E por que não foi anunciada antes de ser adotada?", pergunta ela na carta.
OUTROS PAÍSES
Entre os países que adotam a medida, o caso americano é o mais conhecido. No dia 8 de junho, a Suprema Corte do país derrubou uma lei, aprovada pelo Congresso em 2002, que permitia a americanos nascidos em Jerusalém incluir Israel como país de nascimento.
O Supremo concluiu que essa decisão é de autoridade do presidente. O atual, Barack Obama, retomou a política de não reconhecer a soberania israelense, nem mesmo sobre a parte Ocidental da cidade, de maioria judaica.
"Até o começo do ano passado, havia uma certa confusão, com alguns passaportes com a palavra 'Israel' e outros sem. Não prestávamos muita atenção. Chegamos à conclusão de que era mais certo padronizar", explicou à Folha o ministro-conselheiro Alexandre Campello, da Embaixada do Brasil em Tel Aviv.
"Jerusalém é uma cidade indefinida. Cumprimos as resoluções da ONU quanto ao status dela."
Campello se refere a duas resoluções. A 181 da Assembleia Geral (1947), que aprovou a Partilha da Palestina, a qual previa que toda Jerusalém seria "internacionalizada" (o que nunca aconteceu).
E a 478 do Conselho de Segurança (1980), que anula a anexação da parte Oriental da cidade por Israel depois da Guerra dos Seis Dias (1967) e ordena que todos os países-membros da ONU retirem suas embaixadas da cidade.
O ministro-conselheiro explica que o programa de computador para emissão de passaportes do Itamaraty não exige a identificação do país onde o brasileiro nasceu, apenas a cidade. "Se não é obrigatório, por que criar problemas?"
LADO PALESTINO
O mesmo acontece na Representação do Brasil em Ramallah, na Cisjordânia. Brasileiros descendentes de palestinos nascidos na parte oriental de Jerusalém também recebem passaportes apenas com "Jerusalém".
Segundo a embaixada em Tel Aviv, não houve uma instrução do Itamaraty, e sim uma decisão local. "Apenas corrigimos um erro e acertamos nossa prática de acordo com nossa legislação. Não precisamos de autorização para modificar uma prática que era errada", alegou Campello.
Mas o professor americano Eugene Kontorovich, especialista em lei constitucional e internacional da Universidade de Direito Northwestern, questiona se não se trata de uma medida de cunho político.
"Acho muito estranho que, depois de tantos anos, o Brasil tenha decidido agora se tornar tão estrito na emissão de passaportes. Será que é uma política comum para todos os locais em conflito, como a Caxemira, Taiwan e outros, ou se refere apenas à capital de Israel?", pergunta Kontorovich.
"Se o Brasil quisesse realmente mostrar a Israel que se opõe apenas aos assentamentos, a melhor maneira de fazer isso é reconhecer como Israel o que não está em territórios palestinos", pondera.
A pastora Jane Silva concorda. Para ela, "trata-se de uma punição a Israel, uma retaliação referente ao conflito com o Hamas", o grupo radical palestino que comanda a faixa de Gaza.
Em 2014, o Itamaraty chamou o embaixador em Tel Aviv para consultas em protesto contra a guerra em Gaza, que deixou 72 mortos do lado israelense e 2.400 do lado palestino.