O lugar da mulher na sinagoga
Rabino Adrián Gottfried
O problema da participação da mulher na vida sinagogal não é um problema teológico, mas sim, sociológico. Todas as correntes religiosas não-ortodoxas já têm, há vários anos, rabinas trabalhando no mesmo nível dos homens e, nas escolas rabínicas, sejam conservadoras, reconstrucionistas ou reformistas, as mulheres hoje são a maioria.
Os argumentos de que a mulher é mais espiritual "per se" ou a necessidade da mulher de atender o lar, como pretexto para não ter as mesmas oportunidades na vida sinagogal, são apenas desculpas da ortodoxia para mascarar e justificar uma irritante situação de discriminação e, na verdade, é uma tentativa de manter as mulheres no século passado.
A lei judaica é dinâmica e flexível e permite a inclusão das mulheres .
No início do século XIX, um dos fundadores e porta-vozes da Ortodoxia foi o rabino Moshé Sofer, o Chatam Sofer. Ele tornou a frase da Mishná: "Tudo que é novo é proibido pela Torá" no slogan do movimento. Por exemplo, ele se opunha a transferir a mesa de leitura da Torá do meio da sinagoga para frente, porque "tudo que é novo é proibido pela Torá". Em 1865, 71 rabinos ortodoxos se reuniram na cidade de Michalovze e decretaram que é proibido rezar na sinagoga em coro ou em outra língua que não o hebraico, porque "tudo que é novo é proibido pela Torá." Esses rabinos também se opunham à educação e aos trajes modernos porque "tudo que é novo é proibido pela Torá"
O status-quo, no Judaísmo, se tornou um princípio sagrado. Esse ponto de vista é totalmente oposto à posição clássica do Judaísmo, refletida na história da Halachá e da codificação dinâmica através dos tempos, e o tema das mulheres é mais um problema de atitude frente à mudança, que uma restrição da lei judaica.
A divisão tradicional, onde a mulher é a rainha do lar, enquanto, o homem é o senhor do mundo, não pode ser mais sustentada, especialmente, quando a halachá tentou manter abertas as opções e não proibiu que uma mulher judia pudesse escolher, legitimamente, o papel público comunitário que, até alguns anos atrás, era desempenhado só por homens.
Infelizmente, no Brasil em geral e, em São Paulo em particular, existe uma barreira cultural, que faz com que as sinagogas não permitam uma maior participação feminina na vida religiosa.
Pela minha própria experiência, o problema mais difícil não é apenas das facções ortodoxas mas, sim, de muitas das mulheres que, seja por desconhecimento, seja por inércia ou por medo frente à mudança, são muito mais machistas que os próprios homens e não reclamam com a determinação necessária o seu legítimo lugar dentro a sinagoga, isto também atinge a muitos homens, que se auto definem com liberais, porém, ao chegar a ponto da participação das mulheres nas funções sinagogais, se transformam em ultras conservadores.
Existem muitas sinagogas que são vistas e se definem como liberais, mas, quando chegam ao ponto em questão, não autorizam que as mulheres participem de nenhuma função sinagogal.
Nem tudo está perdido, existem congregações igualitárias, como a ARI e a C.J.B no Rio de Janeiro e a Comunidade Shalom aqui em São Paulo.
A inclusão da parte feminina é hoje uma norma na maioria das sinagogas não-ortodoxas do mundo inteiro, inclusive, novos rituais e cerimônias foram criados como o Simchat Bat, para dar a mulher o nome judaico , já que, como o homem, ela é parte integrante do Pacto de nosso povo e, essa relação pactual com a tradição hebraica deve ser celebrada e destacada.
O Pacto de Abrão, destacado no Brit-Milá, foi acrescido por Sara, Rivka, Rachel e Lea e recriado por cada nova mulher que se incorpora ao nosso povo. A cerimônia ajuda a destacar a importância das responsabilidades e obrigações religiosas da mulher, e devolve à recém-nascida e a seus pais, a possibilidade de festejar judaicamente o ingresso de uma nova alma ao nosso povo, através da colocação do nome.
Hoje, no mundo judaico, a celebração da Bat Mitzva é igual a do Bar Mitzva, oferecendo para as meninas cerimônias individuais, com todos os deveres e obrigações iguais aos dos meninos .
Inclusive, a liturgia teve que ser adequada, e nos sidurim mais novos, na Grande Oração, os nomes das matriarcas são incluídos junto aos dos patriarcas.
A participação das mulheres na sinagoga, respeitando as particularidades de cada uma, só pode trazer uma vida judaica mais criativa: É insustentável deixar cinqüenta por cento do gênio judaico do lado de fora.